MONARQUISTAS 2.0

Ativos no Telegram, conservadores defendem 'tradição' e querem imperador no bicentenário da Independência

Larissa Linder (texto) e Fernando Moraes (fotos) Colaboração para o TAB, de São Paulo

Por volta das 9h30 de um sábado outonal em São Paulo, homens de terno e sapatos bem engraxados e mulheres de salto alto e meia-calça se levantaram para cantar o hino da Independência do Brasil. Para quem não se lembrava da letra, aprendida por muitos ainda nos bancos escolares, uma legenda era projetada: "Já podeis, da Pátria filhos / Ver contente a mãe gentil [...]". Diante do canto tímido, um homem que aparentava mais de 50 anos, e que destoava do grupo ao vestir calça jeans, agitava as mãos tal qual um maestro e tentava puxar um canto mais alto, em voz exaltada.

Com a presença de "nobres" como Dom Bertrand de Orléans e Bragança, tetraneto de Dom Pedro 1º e segundo na ordem de sucessão ao trono brasileiro — fosse este um país monarquista —, o 32º Encontro Monárquico Nacional teve programação extensa em 5 de junho, "sob o leitmotiv 'Independência do Brasil: hoje, amanhã e sempre'", como dizia o convite. Incluiu palestras, mensagens de membros da família real e um almoço em uma sala do subsolo do Clube Português, um edifício baixo em uma rua calma do bairro paulistano das Perdizes.

O evento, promovido pelo "Pró Monarquia", grupo ligado à Casa Imperial Brasileira, não chegou a lotar as 60 cadeiras dispostas na sala do clube — neste dia ornamentado com três bandeiras imperiais na fachada. Uma delas, imensa. "Nunca tinha visto uma deste tamanho", comentou alegremente um participante enquanto tirava fotos com o celular.

Era preciso desembolsar entre R$ 155 e R$ 210 para prestigiar o evento. O valor mais alto incluía o almoço às 12h e, antes disso, um café, com sabor de solúvel, mas servido em bule de prata.

Para alguns, também foi preciso arcar com custos de viagem. Um casal de meia idade dirigiu cerca de 100 km de São José dos Campos (SP) especialmente para o evento. Duas mulheres, de 25 e 27 anos, embarcaram em um ônibus, que saiu da região de Itatiba, também no interior de São Paulo. A mais velha deixou o tempo todo uma bandeira imperial dobrada no colo. Preocupava-se, sobretudo, com os protocolos: "Quais são as regras? Porque no caso dos ingleses, tem muitas regras, mas aqui não sei quais são", agitava-se, ao pensar em como faria para se aproximar de Dom Bertrand.

Enquanto isso, no Telegram, no grupo "Monarquia Constitucional, SIM", com 107 membros, era compartilhado o link de transmissão ao vivo do evento. "Este é o hino do Brasil, não o hino da República, que é o da CBF também", alguém comentou, referindo-se aos versos nacionais "Ouviram do Ipiranga as margens plácidas / De um povo heróico o brado retumbante". Ganhou emojis de aplausos. Outro post trazia uma foto com a frase "Nós entendemos que lugar de monarquista é na política", dita por Thomas Medeiros, um dos palestrantes do dia.

De Natal (RN), Medeiros se apresentou como advogado e pós-graduando em ciência política. Contou ter se tornado monarquista a partir de uma sugestão de vídeo no YouTube. Nele, o deputado federal Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PL-SP), eleito em 2018, falava sobre a monarquia — o TAB procurou o parlamentar para saber se ele vai disputar cargos em 2022, mas não teve resposta.

"Nem sabia que a família imperial ainda existia", disse Medeiros. "O mosquitinho da curiosidade me mordeu. E me deparei com o canal da monarquista Daniele Santos, que fala de monarquia para leigos." Depois viriam vídeos como "Brasil, a última cruzada (a verdadeira história do Brasil)", da produtora gaúcha Brasil Paralelo, criticada por historiadores por difundir uma visão revisionista e negacionista da história. Segundo ele, o vídeo "é uma fábrica de monarquistas; quem assiste e não vira monarquista não tem coração", contou, com um riso tímido.

Procurada pela reportagem para comentar o assunto, a produtora não respondeu.

O mosquitinho da curiosidade picou também um militar. Na casa dos 30, de inconfundível sotaque gaúcho, bigode preto, permanentemente acompanhado de uma garrafa térmica e uma cuia de chimarrão, ele viajou do Rio de Janeiro, onde mora hoje, para participar do evento no Clube Português. Disse ter "acordado para a vida há apenas um ano e meio". Antes "ateu convicto", a pandemia lhe teria despertado para todas "as bizarrices que estão aí".

O militar viu os vídeos da Brasil Paralelo, incluindo o citado por Medeiros, e desde então tem lido livros sobre o assunto. Deu-se conta, disse, de que se ensina tudo "ao contrário" nas escolas.

São frequentes os relatos daqueles que "descobriram a verdadeira história do Brasil" na internet. Outros partiram dos livros, antes de aderir a grupos engajados nas redes sociais, como os que o TAB acompanhou. Foi o caso do historiador Gabriel Ferraz Martins, 26, que se interessou pela família imperial após ler "1808", de Laurentino Gomes. "Descobri que os príncipes estavam vivos e atuando e comecei a estudar o tema", relata, numa manhã ensolarada de um domingo de junho, em frente ao monumento da Independência, no Ipiranga, zona sul de São Paulo.

Monarquista desde 2014, vestindo terno e gravata e envolto em uma bandeira imperial, Martins participava de um "bandeiraço", parte da programação do encontro monárquico nacional. "O império tinha problemas, claro, como a escravidão. Mas tínhamos muitos pontos positivos", tenta ponderar, citando como exemplo a ideia de "moralidade da coisa pública" atribuída à administração imperial. Apegado à ideia de estabilidade nacional, não vê com bons olhos o governo Jair Bolsonaro — seriam, na sua visão, um governo que não busca a pacificação e um governante que depõe contra as instituições.

Martins destoa dos participantes de grupos de Telegram pró-monarquia, onde proliferam posts com viés bolsonarista e antipetista ou anti-Lula.

No grupo "Movimento Brasil Monarquista", com 278 membros, por exemplo, circulou um vídeo exibindo um homem morto, fardado, com pessoas falando em espanhol ao fundo. "Isto é no Chile! Gabriel Boric (amigo de Lula e ultra-comunista) foi eleito, desmilitarizou e desarmou a polícia (coisa que PT e PSOL pregam aqui no Brasil), e o resultado disso é policiais desarmados sendo mortos por cinco mil coletivos armados venezuelanos", dizia a legenda da fake news, com vários trechos em "caps lock".

No grupo "Monarquia Constitucional, SIM", a narrativa monarquista também acena para o bolsonarismo — o argumento é: com um presidente não corrupto, a República "até" poderia dar certo. "Pois bem, temos um presidente que não é corrupto (não tenho nada contra o Bolsonaro não, votei e voto nele de novo) mas, caiu a ficha: não basta só ter um presidente honesto e o Congresso, Judiciário e até a própria Constituição não favorecer? O problema está na própria República! Aí passei a ser Monarquista!", escreveu o administrador, com "M" maiúsculo.

Para Lisa Mendes, 88, e sua filha, Teresa Cristina Mendes, 58, no entanto, Bolsonaro vem fazendo um governo "maravilhoso". Lisa, uma veterana dos encontros monárquicos, esteve em todos os eventos presenciais desde o plebiscito de 1993, quando se perguntou aos eleitores brasileiros se eles preferiam república ou monarquia, presidencialismo ou parlamentarismo.

Ouvindo histórias contadas por seu pai sobre Dom Pedro, Lisa foi a primeira da família Mendes a se tornar fã da família imperial. Desta vez, voou de Alagoas para o bandeiraço, vestida formalmente e com broche monarquista.

"O que o rei sempre fez foi olhar para o povo, e é isso o que Bolsonaro faz: ele tem a visão de trazer a monarquia para o presente, com o hino, a bandeira, faz estradas", justifica a filha, Teresa. "Tenho certeza [de que a monarquia voltará], porque somos cristãs, e porque o rei é um enviado de Deus."

Para Dom Bertrand, que conversou com o TAB no dia do bandeiraço, Bolsonaro foi ao encontro de um sentimento nacional: "Multidões saíram às ruas em 2016 dizendo 'minha bandeira é verde amarela e jamais será vermelha'", disse. "Ele [Bolsonaro] está mantendo a família, a propriedade privada, diminuindo a máquina estatal."

Também presente no bandeiraço, o economista Paulo Kogos se declara "anarcocapitalista" e defende Bolsonaro como um "remédio de curto prazo às ameaças comunistas no Brasil". Contra o comunismo, vale anarquismo, monarquia e Jesus: segundo Kogos, a forma de governança que melhor reflete a ordem do universo é a monarquia, "porque Jesus é rei, ele criou o universo, e todas as governanças da Terra devem ser um reflexo do reino que existe no céu".

Kogos ficou conhecido há dois anos por carregar um falso caixão, de papelão, na avenida Paulista — gesto que foi criticado como desrespeito às mortes na pandemia de covid-19. À época, declarou à revista Veja que o caixão simbolizava "o enterro político do João Doria, do nazismo, do comunismo e do 'psdbismo'". O monarquismo, por outro lado, continuaria vivo.

Não era só o discurso dos palestrantes em tom monótono que lembrava uma missa católica no encontro monárquico na sala de luz fria do Clube Português. Havia ainda terços à venda e palestras entremeadas de narrativas e simbologias católicas.

O próprio convite encerrava com o seguinte texto: "Na expectativa dessa justa homenagem e preciosa oportunidade de, reunidos em torno da Casa Imperial e sob as bênçãos da Senhora Aparecida, renovarmos o nosso propósito de reconduzir o Brasil às vias da grandeza cristã".

A religião, a moral e os bons costumes fazem parte do discurso monarquista. Alguns dos membros dos movimentos citam nominalmente a tríade "tradição, família e propriedade", marcada na história do país pela fundação da organização homônima de inspiração católica, fundada em 1960 pelo paulista Plínio Corrêa de Oliveira. O monarquista Rodrigo Cavalcanti Mendes de Carvalho Barbosa, 30, psicólogo piauiense e morador de São Paulo, por exemplo, considera o regime "disparado o melhor sistema" para se preservar a tríade.

O próprio Dom Bertrand foi membro da TFP desde o início, e hoje integra a Associação de Fundadores e o rol de diretores do IPCO (Instituto Plínio Corrêa de Oliveira), que se define como uma associação civil para "preservar os pilares básicos da civilização cristã que estão ameaçados pela revolução anticristã". Nas palavras de Dom Bertrand, "graças a Deus o governo está freando isso, essas agendas inaceitáveis, o aborto, 'a ideologia de gênero'".

"Os saudosistas da monarquia são os mesmos saudosistas da ditadura, que defendem no discurso esses valores conservadores da família (heteronormativa), da religião (cristã), da pátria (dos brancos e ricos) e da liberdade (de matar e mentir impunemente)", critica o historiador Jurandir Marlerba, professor da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). "É pura ideologia barata."

"Hoje em dia a maioria dos brasileiros se pergunta: valeu a pena a República? Não era o caso de restaurar o único regime que deu certo neste país, que foi a monarquia?", questiona Dom Bertrand. "A monarquia mais nada é que uma grande família, não há rivalidades, brigas, todos querem o bem da família."

Dom Bertrand e o historiador Jurandir Malerba concordam em um ponto: a ideia de monarquia é ainda muito forte entre brasileiros.

Aqui, manteve-se a unidade do território e se inventou a única nação monarquista da América do Sul. Monarquistas, acrescenta Malerba, autor de "Almanaque do Brasil nos Tempos da Independência", sempre estiveram por aí, desde a queda do Império, mas "saíram do armário" mais recentemente.

Mesmo com a implantação da República muitos elementos que remontam à época imperial se perpetuaram em forma de nostalgia monárquica, que ganhou novo gás diante da efeméride do bicentenário da Independência, neste 7 de Setembro. "Conhecendo o processo de independência, conhecemos as grandes figuras da monarquia brasileira e o quanto elas cultivaram os valores tradicionais e as raízes lusitanas do Brasil", diz Kogos.

O TAB acompanhou grupos de Telegram com integrantes monarquistas, entre eles o do deputado Luiz Philippe, com 26 mil membros. A página do Facebook do grupo organizador do evento de 5 de junho tem 100 mil seguidores, e a do Instagram, 58 mil. Não há um levantamento sobre o número de grupos (ou círculos monárquicos, como são chamados), mas uma rápida busca na internet indica que não é difícil encontrá-los. Ainda assim, o encontro no Clube Português reuniu menos de 60 pessoas, e o bandeiraço no Ipiranga, poucas dezenas.

"Se os monarquistas tivessem entrado de cabeça na política após o plebiscito de 1993 ao invés de brigar entre si, creio que hoje teríamos uma bancada considerável de monarquistas no Congresso", afirmou um dos membros do grupo "Monarquia Constiucional, SIM!" num debate acalorado no dia 24 de maio. "Já fiz parte do Círculo Monárquico, mas me retirei porque a galera não queria agir fora do Whats", acrescentou, em outro momento.

"Esse é o grande problema. Muita gente falando nas redes e no WhatsApp, mas quando há um evento, momento importante para dar visibilidade e mostrar força, ninguém aparece", comentou um segundo. Um terceiro complementou: "O pessoal tem que entender que o mundo não é apenas as redes sociais".

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