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Suplente de vereadora sobrevive com faxina e doações em Curitiba

Andreia Lima, integrante do Mandato Coletivo das Pretas na Câmara de Vereadores de Curitiba (PR) - Theo Marques/UOL
Andreia Lima, integrante do Mandato Coletivo das Pretas na Câmara de Vereadores de Curitiba (PR)
Imagem: Theo Marques/UOL

Vinicius Konchinski

Colaboração para o TAB, de Curitiba

08/08/2021 04h00

Pouco depois das 8h30 da manhã de uma segunda-feira de inverno em Curitiba, Andreia Lima, 45, aparece na porta da casa humilde que divide com sua irmã, no Parolin, favela encravada numa região central da capital paranaense.

Vestida com roupas coloridas, de cabelo longo e solto, Lima cruza um pequeno jardim com diversas espécies de folhagens em direção ao portão do imóvel. Cumprimenta com um toque um pé de manga plantado no centro desse mini oásis privado e dá as caras numa rua esburacada, onde o movimento de vizinhos já é intenso. Nos primeiros segundos fora de sua casa, começa a fazer política.

"Dona Francisca, eu estava precisando falar com a senhora", diz ela, a uma idosa sorridente que passava por ali. "Aquela ideia de distribuir pães para os meninos deu certo, viu? Já estou falando com o pessoal para a gente repetir ainda esta semana."

Francisca e outros moradores do Parolin fazem parte da base de apoio político de Lima. Com ajuda dos votos da comunidade, ela foi eleita vereadora suplente em Curitiba na última eleição, em 2020, integrando um mandato coletivo, — a Mandata Coletiva das Pretas. Sua candidatura, compartilhada com a da fotógrafa Giorgia Prates, recebeu 3.582 votos e foi a quinta com mais eleitores do PT na capital do Paraná.

Integrante do Mandato Coletivo das Pretas na Câmara de Vereadores de Curitiba, Andreia Lima divide seu tempo entre compromissos políticos e sociais e o trabalho de diarista - Theo Marques/UOL - Theo Marques/UOL
Integrante do Mandato Coletivo das Pretas na Câmara de Vereadores de Curitiba, Andreia Lima divide seu tempo entre compromissos políticos e sociais e o trabalho de diarista
Imagem: Theo Marques/UOL

Como suplente, no entanto, Lima não recebe nenhum salário ou auxílio da Câmara Municipal. Por isso, quando deixa sua casa logo cedo, não o faz só para falar com potenciais eleitores ou mobilizar apoiadores. A política sai de casa para ganhar a vida como diarista — a única atividade que lhe rende algum dinheiro no momento.

"É meio louco pensar num político brasileiro trabalhando com faxina", diz ela. "Mas eu estou aqui para quebrar paradigmas mesmo. E hoje, graças às diárias, é que eu sobrevivo."

Andreia Lima em sua casa - Theo Marques/UOL - Theo Marques/UOL
Andreia Lima em sua casa
Imagem: Theo Marques/UOL

PhD em enchente e treteira

Após combinar ações com dona Francisca, Andreia Lima caminha por cerca de 30 minutos para tomar o ônibus que a leva para a casa onde trabalha uma vez por semana. Sai praticamente das margens do Rio Guaíra, que corta e eventualmente inunda o Parolin, até um ponto de ônibus na Linha Verde, uma estrada convertida em avenida. No caminho, conta sua história ao TAB.

Nascida em Terra Boa, cidade com pouco mais de 17 mil habitantes do interior do Paraná, ela é a caçula de uma família com 16 filhos — dos quais cinco morreram ainda crianças e outros dois já adultos. Não manteve contato com o pai durante a infância. Aos 7 anos, mudou-se para Curitiba com a mãe e parte dos irmãos. Criaram raízes no Parolin.

"Passei por muita enchente aqui. Mas aqui é nosso lugar", lembra. "Minha mãe sempre foi de ajudar os outros. Minha casa sempre foi 'posto de atendimento' da vizinhança. Ela já morreu, mas isso daí ficou em mim."

Também colaboraram na formação da personalidade de Lima os resultados de brigas que se meteu — algumas, inclusive, contra sua mãe. Um dia, ela foi castigada por atrasar-se na volta da escola e, de birra, resolveu dormir do lado de fora de sua casa.

"Quase congelei. Mas isso daí me fez ter uma sensibilidade com a população de rua. Passei a ajudar", complementa, apontando para a frente de uma loja vazia que, de noite, vira ponto de pouso de quem não tem onde dormir.

Mais alguns passos e Lima chega à parada de ônibus.

Andreia Lima no Parolin, Curitiba (PR) - Theo Marques/UOL - Theo Marques/UOL
Andreia Lima no Parolin, Curitiba (PR)
Imagem: Theo Marques/UOL

Marielle inspira candidatura

Enquanto espera o transporte rumo ao bairro do Xaxim, na região Sul, Lima volta à política, desta vez pelo WhatsApp. Nos 20 minutos que passa esperando a condução, no ônibus e numa baldeação, ela responde a dezenas de mensagens e se manifesta em outra dezena de grupos, sempre falando sobre ações e mobilizações. Ou melhor, quase sempre.

"Estava ótima, amiga. Guardei um pouco para tomar durante a semana", diz a uma colega que lhe presenteou com uma garrafa de Amarula caseira, um tipo de licor.

Segundo Lima, essas amizades e a sua rede de contatos a incentivaram a buscar um mandato como vereadora: "Eu nunca me achava preparada para assumir um cargo, disputar a eleição, mas diziam: 'se você não está, quem está?'."

Em agosto de 2019, Andreia Lima participou de um almoço com políticos locais para lembrar os 500 dias do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco. Mônica Benício (PSOL), viúva de Marielle e hoje vereadora, estava no evento. Disse a Lima que também acreditava no seu potencial político. Surgiu a ideia do mandato com Giorgia.

"Nós duas somos mulheres e negras, como Marielle", disse. "Fizemos história como uma das primeiras candidaturas conjuntas de Curitiba e ela foi a mais votada na eleição."

A suplente de vereadora a caminho de uma diária como faxineira - Theo Marques/UOL - Theo Marques/UOL
A suplente de vereadora a caminho de uma diária como faxineira
Imagem: Theo Marques/UOL

Faltou de tudo

Apesar do resultado considerado positivo, a campanha de Andreia Lima e Giorgia Prates em busca de uma cadeira no legislativo curitibano não foi tão bem organizada. "Faltou dinheiro, faltou apoio do próprio partido", lembra Lima, após desembarcar já no Xaxim e iniciar uma nova caminhada até a casa em que trabalha.

A Mandata Coletiva das Pretas recebeu R$ 40 mil em doações, de acordo com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Cerca de R$ 27 mil vieram do partido. Acontece que aproximadamente 70% disso só foi investido na candidatura 15 dias antes do primeiro turno, realizado em 15 de novembro. O efeito da doação, então, acabou limitado.

"Já não dava mais tempo de fazer muita coisa. O partido subestimou", explicou Lima. "A gente teve chance de aceitar outras doações, mas não queria ficar na mão de doador."

Sem mandato, sem salário e em plena pandemia, a alternativa foi voltar às diárias como faxineira. Voltar, aliás, às poucas diárias, na casa das poucas pessoas que, durante a crise econômica, ainda podem contar com uma diarista.

"Subiu o preço de tudo, do alho ao óleo, mas o salário de quem ainda tem salário ficou na mesma. Está difícil conseguir trabalho", desabafa Andreia, ao chegar em frente à casa de Adriana Mion Martins, 51, uma amiga e eleitora que lhe dá serviço.

"Eu conheço a Andreia muito antes dela fazer faxina pra mim", disse Martins. "Compartilhamos de muitos valores. Conversamos muito sempre que ela vem."

Antes da pandemia, Lima fazia entre dez e 15 diárias como faxineira no mês, fora os bicos como cabeleireira. Hoje, faz quatro diárias no mês e olhe lá. Sua situação financeira piorou tanto que, em julho, ela compartilhou em seu perfil no Twitter um pedido de emprego e seu código Pix para receber doações em dinheiro.

Lima também se candidatou ao cargo de ouvidora externa da Defensoria Pública do Paraná. O salário? Mais de R$ 10 mil, segundo ela — pelo menos cinco vezes sua maior remuneração mensal já obtida em toda vida. Na quarta-feira (4), ela participou da sabatina com outros concorrentes à vaga. Em sua apresentação, chorou de tão nervosa. "Não tenho formação acadêmica, mas muita vivência na rua."

De olho em 2022, Lima também articula uma nova candidatura conjunta com outras duas mulheres negras, desta vez a deputada estadual. A "mandata" já tem nome: Pretoria. Neste momento, porém, o foco é "sobreviver" até a próxima eleição.

"Vou viver o hoje para conseguir ter o amanhã", finaliza, antes de entrar num sobrado confortável, seu local de trabalho. "Agora, deixa eu ir que preciso começar."