'Nós nos politizamos': como o Bar do Omar virou reduto de esquerda no Rio
Com carisma e uma cerveja na mão, Omar Monteiro Jr, 32, de camisa branca entreaberta, recebia a clientela na calçada do Bar do Omar, estabelecimento de sua família no morro do Pinto, no bairro de Santo Cristo, no Rio de Janeiro, na tarde de sábado (28).
O bar abriu pouco antes das 15h, mas às 16h já não tinha mais mesa disponível. Quem não encontrou onde sentar, ficou em pé. À noite, depois das 19h, teve quem não conseguiu entrar e ficou do lado de fora; quem por um milagre conseguiu logo entrou na fila para tirar selfies: ao entrar no bar da rua Sara, vê-se o rosto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pintado na primeira parede com flores nos cabelos e na barba.
Outra arte traz a frase "meu voto é secreto" com uma estrela gigante do PT, entre outros símbolos que escancaram a posição política da casa. Recentemente, Omar Jr se viu alvo de críticas no Twitter — "herdou o bar e tá pagando de playboy", dizia uma delas. "Isso é inveja", tuitou-se em defesa dele, junto a uma fotografia do casamento de Lula com a socióloga Rosângela Silva, a Janja, uma festa reservada que ele prestigiou como convidado.
Nascido no morro do Pinto, Omar Jr é o filho caçula do casal Ana Helena Machado dos Santos, 59, e Omar Monteiro, 57. Ele e a irmã, Mariana Monteiro, 34, cresceram ali e seguiram suas vidas: ele cursou administração e trabalhou na área de planejamento financeiro e comercial; ela estudou enfermagem e foi para a área de estética.
Entretanto, nenhum deles se distanciou dos negócios da família. Em 2012, Mariana largou a profissão para se dedicar exclusivamente ao bar. Em 2019 foi a vez do caçula, que mergulhou de vez no negócio após o pai sofrer um infarto. "Estudava, trabalhava e à noite vinha fechar o bar, que funcionava de segunda a segunda", relata.
Omar pai, um senhor bem-humorado, hoje trabalha no operacional e no controle do fluxo de bebidas. Ana Helena e Mariana ficam mais nos bastidores: coordenam os funcionários, fazem as compras e, sem pestanejar, vão parar na cozinha para ajudar nos petiscos se necessário. Omar filho faz papel de RH, relações públicas e social media, além de gerenciar o financeiro e, como o TAB acompanhou, circular nos salões conversando com os clientes ao som de Alcione, Cartola e Jair Rodrigues.
Diante da calçada lotada, já às 19h, Omar Jr ri e diz: "Aqui costuma encher a ponto de a rua ficar tomada e interditada".
Lula com chuchu e polvo
Fundado em 2000, o Bar do Omar tem um cardápio típico de boteco carioca. Nos bebes, destaca-se o "omaracujá", uma alusão a Omar pai, uma tradicional batida com cachaça que custa entre R$ 5 e R$ 50, a depender da dose. Nos comes, os mais pedidos são os bolinhos — a novidade é o de lula com chuchu e polvo, uma brincadeira com a chapa composta por Lula e Geraldo Alckmin (PSB) para disputar as eleições de 2022.
Nem sempre o bar foi assim, um badalado reduto da esquerda no Rio. "Nós nos politizamos com o tempo", conta Omar Jr. Dois momentos marcaram a história do boteco: o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, e a prisão de Lula, em 2018. Na época, o ex-presidente enviou uma carta ao bar, agradecendo o apoio do carioca.
Isso porque Omar Jr passara a se posicionar nas redes sociais e redecorou o bar, decisões que afastaram antigos clientes e atraíram novos ao endereço. O cardápio também foi personalizado com um design inspirado no famigerado PowerPoint do então procurador Deltan Dallagnol, um slide com todas as setas apontando para Lula.
"À medida que via o que acontecia no país, eu ficava cada vez mais indignado. Isso porque saímos da ilegalidade e registramos um CNPJ a partir de políticas públicas do governo PT, que fomentaram os pequenos negócios", lembra.
Em 2019, ele lançou no bar uma nota fiscal com a frase "Um bar pode ter uma opinião política; um juiz, não. Moro lesa-pátria" — a nota viralizou e despertou muitas mensagens de apoio, de um lado, e insultos e "cancelamentos", de outro.
"O povo brasileiro é muito sacrificado no dia a dia, tem uma vida difícil e a minha função como comunicador é tornar a política um espaço agradável", diz, justificando as ações temperadas com humor.
00h13 em ponto
Aos 10 anos, Omar Jr ia para a escola de manhã e passava o resto do dia ajudando os pais no bar estilo mercearia, que vendia bebidas, frutas e pães, além de itens de papelaria. Ele era o responsável por buscar o que faltava no supermercado quando a geladeira esvaziava, já que não tinha estoque.
Omar pai era vigilante de banco e decidiu abrir o estabelecimento como uma alternativa de trabalho. Ficaram dez anos em um local minúsculo, a poucos metros dali, na rua João Cardoso, até se mudarem para o atual endereço. Inicialmente pequeno, o bar foi sendo reformado ao longo dos anos até se tornar uma laje com três salões, uma cozinha e áreas de vendas de bebidas.
O boteco não ia bem, porém. Em dias de escassez, não vendia nem R$ 20. "Os brasileiros com mais poder aquisitivo não têm noção do abismo que existe entre uma classe social e outra no país", diz Omar Jr, ao lembrar dos momentos mais difíceis do negócio.
A maré começou a virar, em 2013, depois que a família participou do "Comida di Buteco", concurso gastronômico nacional onde bares são avaliados por jurados e frequentadores. O tira-gosto escolhido para a competição foi o "omaravilha", uma mistura de linguiça suína, picanha, queijo de coalho e pão de alho. Já no primeiro dia, o bar encheu.
"Lembro de ter comentado com a minha mãe: 'Nossa, só a conta de um cara deu R$ 50'. Nós choramos emocionados."
Atualmente, o Bar do Omar conta com trabalhadores na cozinha, no bar e garçons — todos, segundo Omar Jr, têm registro na carteira de trabalho. Na pandemia, foi um dos primeiros bares famosos a fechar as portas e o último a reabrir após as flexibilizações das ações contra covid-19. Como o bar abre apenas de quinta-feira a domingo, os funcionários folgam nos outros três dias da semana. Já a família aproveita o tempo para receber as mercadorias, fazer as compras e organizar as contas.
Conforme a noite caía no sábado, o endereço de Santo Cristo ficava ainda mais lotado. Os clientes se aglomeravam na calçada e os bares vizinhos absorviam a clientela que sobrou. Mas a bebedeira não ultrapassa a madrugada. À 00h13 (os minutos são mais uma referência petista), a porta do número 114 fecha. Toda noite, os donos precisam praticamente expulsar, pelo menos, cem pessoas.
"Aqui não tem essa de saideira, respeitamos o horário de trabalho dos nossos funcionários."
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