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O excêntrico engenheiro por trás da badalada casa de swing 2a2 no Rio

Marcos Entrenós na 2a2, um casarão em Botafogo que abriga uma das casas mais "tradicionais" para troca de casais na zona sul do Rio de Janeiro - Lucas Landau/UOL
Marcos Entrenós na 2a2, um casarão em Botafogo que abriga uma das casas mais 'tradicionais' para troca de casais na zona sul do Rio de Janeiro
Imagem: Lucas Landau/UOL

Colaboração para o TAB, do Rio

24/09/2022 04h01

Em uma rua tranquila em Botafogo, zona sul do Rio, cercada por bares tradicionais, casais heterossexuais formam uma grande fila para entrar em um casarão amarelo do fim do século 19 em uma noite de sábado, alheios ao burburinho a poucos metros dali. Estão em busca do prazer e da liberdade.

Ao entrar no casarão, a sensação é de se estar em uma casa-casa. Escadaria de madeira, pilastras de tijolos aparentes, um bar iluminado e decoração rock'n'roll. "Bem-vindos", diz um simpático funcionário, loiro, alto, trajando um blazer preto, ao oferecer uma pulseirinha numerada e um saco de pano aos casais — os clientes são gentilmente convidados a deixar os celulares na entrada. A partir dali, nada de registros. O que vale é a imaginação.

A casa é a 2a2, endereço exclusivo para casais no Brasil onde o swing ainda é a atração principal. Inaugurada há 26 anos por Marcos Entrenós, 62, a boate é referência quando o assunto é fetiche, fantasias sexuais e troca de casais. Até hoje, ele é quem comanda a administração do empreendimento, com olhar atento às tendências.

Quando foi inaugurada, na década de 1990, a boate ocupava uma loja de 240 m² ao lado de um tradicional hospital de Copacabana, também na zona sul do Rio. Foi na época em que o Viagra desembarcou no Brasil e o mercado dos desejos andava ouriçado com a pílula azul. "O medicamento era novo, o povo queria usar, mas não sabia como. Nossos seguranças cansaram de levar clientes que extrapolaram na dose direto para o hospital vizinho", lembra Entrenós.

Viagra à parte, o endereço vingou. Fez sucesso entre casais de 20 a 60 anos, das classes média e média alta cariocas, paulatinamente formando um público, veja só, fiel ao swing. Até que, por volta de 2013, Entrenós sentiu que era preciso expandir o negócio e se mudou para Botafogo, o casarão amarelo de 480 m².

Casa 2a2, no Rio - Lucas Landau/UOL - Lucas Landau/UOL
O lounge da casa 2a2, um Fusca vermelho onde os mais ousados transam aos olhos de todos
Imagem: Lucas Landau/UOL

Se meu Fusca falasse

No térreo, há um quadro de Amy Winehouse feito com retalhos de fotos pornográficas, pole dances e gaiolas de ferro brilhante (recentemente inauguradas). O lounge conta com um Fusca vermelho original, onde os mais ousados transam aos olhos de todos, e o que sobrou de um Aero Willys que ficava exposto na primeira 2a2 — de tanto que os casais treparam em cima do carro, a suspensão arriou completamente e só restou o capô.

Há uma pista de dança e, no fundo, uma vitrine discreta abriga uma cadeira que lembra macas ginecológicas ou cadeiras de engraxate dos centros das grandes cidades. A cadeira foi invenção de Entrenós. "Eu estava engraxando meu sapato no centro e, quando levantei as pernas, percebi na hora que aquilo poderia ser adaptado ao negócio. Liguei pro meu arquiteto e pedi que ele desenhasse algo parecido, de ferro", lembra o empresário.

A cadeira e a vitrine são um convite aos adeptos do exibicionismo e do voyeurismo. "Criei coisas que nem os casais sabiam que precisavam."

Casa 2a2, no Rio - Lucas Landau/UOL - Lucas Landau/UOL
A cadeira 'de engraxate' elaborada por Entrenós
Imagem: Lucas Landau/UOL

No segundo andar é onde as trocas de fato acontecem: um labirinto bem escuro, com cabines e camas de couro onde cabem duas, cinco ou até sete pessoas. Dos quartos se ouve de tudo, inclusive orgasmos um tanto inusitados que ficaram famosos, como o de uma cliente que gozava com um vocabulário próprio: "vou orgasmar, vou orgasmar!"

Num dos pontos mais sombrios do andar, para atrapalhar o mínimo possível o vaivém, foi colocada uma iluminação tipo estroboscópia. Certa vez, um casal subiu e, em menos de dez segundos, um dos cônjuges desceu esbravejando por imaginar que o pisca-pisca era um fotógrafo escondido registrando a intimidade deles. Privacidade, aliás, é assunto sério: é proibido fotografar os quartos e seus visitantes e não foi feita exceção para o TAB.

Teve também quem saiu da 2a2 com uma história de amor. Há alguns anos, a analista de marketing Priscila* foi à boate com um parceiro que havia conhecido no Tinder semanas antes. Não estava muito empolgada e, lá pelas tantas, deu de cara com um gaúcho que estava de passagem pelo Rio e resolveu aproveitar a única noite da boate em que homens solteiros podiam entrar. Trocaram telefones e beijos e o romance durou meses na ponte aérea.

"Gosto de levar amigos mais conservadores, para desmistificar. O ambiente é democrático e, sempre que estou lá, sinto que estou livre de julgamentos. Você pode ser quem você é e fazer o que quiser: pode trocar de casal, pode transar somente com seu parceiro ou, simplesmente, dançar e beber", diz.

Marcos Entrenós na 2a2, casa de swing em Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro, uma das mais antigas da cidade - Lucas Landau/UOL - Lucas Landau/UOL
'Faltava uma festa organizada para casais 'swingers' no Rio. Fui atrás da Private e comecei a ligar para os casais'
Imagem: Lucas Landau/UOL

Cá entre nós

Casado há quase quatro décadas e pai de dois filhos, Marcos Entrenós trabalhava como engenheiro em uma companhia de energia, quando, no fim da década de 1980, um colega lhe jogou um verde de uma proposta "indecente": a revista Private trazia uma espécie de classificados em que casais procuravam outras duplas dispostas a experiências sexuais. Entrenós se interessou pelo assunto.

Um tempo depois, "por acaso", o engenheiro foi a um bar no Leblon, zona sul do Rio, com um casal de amigos praticantes de swing, onde ocorria "uma mistura de encontros clandestinos e troca de casais".

"Logo percebi que faltava uma festa organizada e bem-feita para casais 'swingers' no Rio de Janeiro. Fui atrás das revistas Private e comecei a ligar para os casais, convidando-os para irem até o bar", explica o empresário.

Em pouco tempo, havia fila na porta do bar do Leblon e Entrenós era nome conhecido por ali. Com tanta adesão, viu a necessidade de ampliar as fronteiras do negócio. Nasceu então a "Festa do Marcos". A primeira edição, realizada em 1995, em uma academia de ginástica alugada em Jacarepaguá, na zona oeste da cidade, levou mais de 40 casais dispostos a se aventurar num troca-troca entre aparelhos de musculação.

Depois de alguns anos de festa, com uma lista de 900 casais na agenda, Entrenós abriu a 2a2. De lá para cá, o empresário emplacou carro para voyeur, cadeira, um livro ("Um Casal Entrenós", publicado pela editora ZL Books, com última edição em 2015). O empresário não é swinger e conta que desenvolveu muito jogo de cintura para erguer a casa e se adaptar às mudanças comportamentais e sociais ao longo de mais de duas décadas.

Marcos Entrenós, da casa 2a2, no Rio - Lucas Landau/UOL - Lucas Landau/UOL
De olho nas tendências, o engenheiro viu crescer a procura por 'hotwife' e 'cuckold' no Brasil
Imagem: Lucas Landau/UOL

Elas no topo

Entrenós viu crescer, nos últimos anos, a procura por "hotwife" e "cuckold" — fantasias dentro da BDSM (sigla para o conjunto de práticas consensuais envolvendo "bondage", disciplina, dominação e submissão e sadomasoquismo).

A prática consiste em humilhar o parceiro. A mulher transa com outro homem e menospreza o marido (que está assistindo a tudo), falando da qualidade da transa e do tamanho avantajado do pau do homem com quem está transando. Esse é o ápice para o "cuckold", como são chamados os homens que têm a fantasia de ver as mulheres transando com outros — às vezes, o "corno" engole o gozo deixado na cônjuge. As quintas-feiras da boate são dedicadas a esse tipo de experiência e, apenas nesse dia, homens solteiros são bem-vindos para o deleite delas.

No futuro, ele pretende incluir uma noite para casais homossexuais. "Há dez anos, era um tabu falar de gays em troca de casais. Hoje, já se fala mais abertamente sobre isso nos fóruns e recebemos cada vez mais ligações, assim como de mulheres que nos procuram para ter informações", diz. "Antigamente, era somente o homem que tomava a iniciativa."

A 2a2 também é um negócio familiar. Arquiteta, a esposa de Entrenós foi a responsável por tornar a casa um ambiente aconchegante e, ao mesmo tempo, convidativo. A aposentadoria também está nos planos futuros do empresário. Para que a transição seja feita aos poucos, a sobrinha, Bárbara Balduf, 35, assumiu há três anos as funções administrativas do negócio. "Estamos sempre atentos às novidades e às tendências, pois estamos lidando com seres humanos, sonhos e fantasias", explica ela.

A boate fechou as portas por dez meses durante a pandemia. O negócio não foi muito afetado e segue firme, com dez funcionários, abrindo de quarta-feira a sábado, sempre com discrição e regras. Cá entre nós, diz, a maior delas é: ninguém é obrigado a nada.

Segundo Entrenós, antes de sair de casa o melhor é combinar com o(a) parceiro(a) o que se pode e o que não se pode fazer no swing. Dizer "não, muito obrigado" a quem por ventura lhe abordar nos corredores da casa é absolutamente normal — swingers entendem e entendedores entenderão. E vale a regra de ouro: "Use camisinha sempre. Nunca vá sem ela."

Há casais de todos os tipos que se possa imaginar. Há quem vá para dançar como se ninguém estivesse olhando (como a mulher que se despe toda na pista de dança para o marido e quem mais estiver observando, como observou a reportagem). Há quem desfile tranquilamente seminu(a) nos corredores, como um convite para potenciais parceiros para troca de casais.

Mas talvez a regra mais importante seja implícita, e não especialmente explícita. Palavra de quem está no negócio há décadas. "Jamais vá a uma boate para casais com uma parceira [ou um parceiro] por quem você não tenha afeto e cuidado", destaca ele, Entrenós. "Caso contrário, você não aproveitará as sensações do swing."

* Nome trocado a pedido da entrevistada