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'Palácio da memória': estudante de 17 anos quebra recorde de memorização

Morador de Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, o estudante Maike Anthony, 17, entrou para o Guinness Book como recordista mundial de memorização - Marcus Desimoni/UOL
Morador de Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, o estudante Maike Anthony, 17, entrou para o Guinness Book como recordista mundial de memorização
Imagem: Marcus Desimoni/UOL

Nina Rocha

Colaboração para o TAB, de Belo Horizonte

06/10/2022 04h01

No século 18, o suíço Leonhard Paul Euler dedicou sua vida aos estudos matemáticos, do cálculo a conceitos importantes da matemática moderna. Parte destes esforços resultaram no e, um número que, assim como o π (pi), possui uma sequência decimal infinita.

O número de Euler é usado em diferentes áreas: economia, física, astronomia, biologia, engenharia, mas não só. Foi com essa sequência de decimais que um estudante belo-horizontino de 17 anos quebrou um recorde mundial de memorização e entrou para o Guinness Book.

Além de acolher os aprendizados das disciplinas dos cursos de ensino médio e técnico, as salas do Campus 1 do Cefet-MG (Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais), na zona oeste de Belo Horizonte, hospedaram o feito de Maike Anthony Silva: por 2 horas e 20 minutos, o estudante de eletrotécnica citou 10.122 casas decimais do número de Euler. Antes, o recorde era de um indiano que conseguiu anunciar 4.500 casas.

A conquista se deu em fevereiro, mas a preparação de Maike é de antes. Em 2021, ele decidiu que aplicaria técnicas de memorização para tentar um novo recorde. A metodologia surgiu enquanto o estudante buscava formas para se sair melhor na OBMEP (Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas): para os cálculos mentais, feitos sem calculadora, uma boa memória é mais que bem-vinda.

O empenho trouxe ao estudante uma medalha de ouro além do interesse por técnicas de memorização conhecidas como como "palácio da memória", "PAO" e "Major System": utilizando-as, Maike aprendeu 3.141 algarismos do pi, o nome de todos os países do mundo, os estados brasileiros e os elementos da tabela periódica.

Para se lembrar de todos os itens, ele trabalha com blocos de quatorze unidades. Preparando-se para o recorde, treinou para memorizar 1.008 dígitos por nove dias consecutivos e 1.050 no décimo, o que corresponde a, consecutivamente, a 72 e 75 blocos de numerais.

Maike conta que, para tentar um recorde mundial, é preciso se inscrever no Guinness e aguardar para que as instruções cheguem. No caso da memorização numeral, o participante deve estar vendado, e a tentativa deveria ser gravada e fotografada.

O tempo máximo entre um número e outro não poderia ultrapassar 15 segundos e erros até eram passíveis acontecer, mas se não houver correção antes do próximo dígito, a tentativa seria anulada.

Não foi o caso: a sequência seguiu correta e os hiatos temporais entre os dígitos foram respeitados.

O estudante mineiro Maike Anthony, 17, que entrou para o Guinness como recordista mundial de memorização - Marcus Desimoni/UOL - Marcus Desimoni/UOL
Imagem: Marcus Desimoni/UOL

Matemática filosófica

O cálculo mental e a memorização já trouxeram boas conquistas a Maike, mas seu interesse maior está em outro aspecto da matemática. Na verdade, o estudante escolheu memorizar o número de Euler por considerá-lo uma das "fórmulas mais bonitas" da matemática e se interessa muito pela filosofia que está por trás de somas, divisões e casas decimais.

"A matemática é dividida na parte pura e aplicada. Gosto muito da parte pura; a aplicada envolve mais aplicações de teoremas no dia a dia, em alguma máquina ou indústria. A pura é mais sobre desenvolver os teoremas em si, estudar a filosofia", conta ele, que também se interessa pela leitura de temas como psicologia e meditação.

Essa predileção o levou a determinar a área que deseja seguir: a pouco menos de um ano de concluir o ensino médio e técnico, já definiu que irá tentar cursar matemática em uma universidade americana — sua vontade é seguir a carreira de pesquisador.

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Imagem: Marcus Desimoni/UOL

A meta vem com uma rotina que exige equilíbrio entre estudo, lazer e descanso. Morador de Betim, na região metropolitana de BH, Maike gasta uma média de 3h diárias de deslocamento de ônibus entre casa e escola, onde as aulas ocorrem em tempo integral.

O trânsito é aproveitado no celular, mas nada de TikTok ou outra rede social: um de seus aliados para revisar as matérias é o Anki, um aplicativo que permite criar cartões com os conteúdos que aprendeu em aula. Focado, Maike também destaca a importância (mental e fisiológica) do descanso. Diante da carga pedagógica intensa, ele observa colegas que costumam virar a noite estudando e se esforça o máximo para não fazer o mesmo.

"Já tentei dormir menos para estudar mais, mas ficava muito acabado na aula no dia seguinte. Se não tiver dormido o suficiente, não consigo prestar atenção na aula tão bem a ponto de ouvir o que o professor está falando, memorizar enquanto ele fala e guardar até chegar em casa", conta.

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Imagem: Marcus Desimoni/UOL

Com aulas que podem ir das 7h às 18h, é o hábito de fazer revisões constantes que o ajuda a conseguir ter uma relação mais equilibrada com os estudos: as recapitulações dos conteúdos ensinados, facilitadas pela tecnologia, acontecem diariamente, mas os estudos mais intensos ficam reservados para os fins de semana.

"Não costumo estudar todos os dias. Ou você estuda todo dia e dorme pouco, ou presta atenção na aula e dorme bem e não estuda". O sono colabora tanto na concentração quanto na memória.

Fora o recorde mundial e a memória impressionante, Maike se confunde com outros estudantes de sua idade: é fã de indie rock (Tame Impala, Arctic Monkeys e Easy Life são algumas de suas bandas favoritas), ele tem um canal no YouTube e se adaptou sem muitas dificuldades ao ensino presencial e aos novos colegas — quando ingressou no Cefet, durante a pandemia, as aulas ainda eram remotas.

O estudante mineiro Maike Anthony, 17, que entrou para o Guinness como recordista mundial de memorização - Marcus Desimoni/UOL - Marcus Desimoni/UOL
Imagem: Marcus Desimoni/UOL

Ficou feliz com a entrada no Guinness, mas não celebrou com nada especial: conta que, quando souberam do seu feito, outros alunos e professores tiveram uma reação positiva e seus pais comemoraram, mas nada extraordinário.

Por ora, Maike não pretende quebrar o próprio recorde, mas focar em exames de proficiência de inglês — idioma em que é autodidata — que possam facilitar seu ingresso em uma universidade fora do Brasil.

O recorde de memorização do pi, no entanto, não é algo que o estudante descarta a longo prazo. "Talvez eu tentaria, mas é coisa pra vida. Depois ou durante a faculdade. É algo que levaria dois ou três anos de treino. Demora bastante."