Com TikTok e paredão do funk, Eduardo Godoy faz 'agronejo' estourar no país
No país do sertanejo, uma geração de novatos tem levado o gênero a um outro patamar, liderando a agenda de festivais e shows no interior, monopolizando a lista das mais ouvidas nas plataformas de streaming e cravando seus versos no ouvido de um público cada vez mais jovem — tudo através do TikTok.
É o chamado "agronejo", novo momento do sertanejo, mais pop e eletrônico, sem deixar de fazer uma ode à vida rural e ao agronegócio. Até aí, falar de fazenda, bota e cabeça de gado não era necessariamente uma novidade, em especial na região de Londrina (PR), onde o "estilo bruto" canta com voz grave a vida no campo nas rádios e festas locais.
"Sempre predominou aqui. Assim como o funk que fala em 'senta, levanta e empina', a música do agro tinha que falar do estilo de vida, reproduzir os bordões e os gritinhos", explica o produtor musical Eduardo Godoy, que há 12 anos trabalha na construção desse sertanejo 3.0. "Mas eu achava que era um estilo muito regional, que não ia longe, até a chegada dessa nova geração."
Godoy está falando dos artistas que surgiram logo após o período mais grave da pandemia, como as duplas Us Agroboy e Léo e Raphael e os cantores Luan Pereira e Ana Castela — essa última, a maior expoente do movimento.
Em comum, eles abraçam de vez a estética rural — hoje em dia, é bom dizer, impresso muito mais nas roupas do que na música, cada vez mais distante das referências caipiras e mais inspirada no eletrônico, funk e até no reggaeton. Foi uma estratégia de Godoy e dos artistas para abrir outras porteiras. "As pessoas nos grandes centros não falam tanto sobre esse assunto", ele nota.
Se, na primeira música, "Boiadeira", Ana Castela contava a história da garota que deixava a cidade rumo ao interior — "o cabelo chanel deu lugar pro chapéu / 'Tá cheia de terra a unha de gel" —, agora a artista se aventura sem medo por outros mares.
O grande estouro veio mesmo com "Pipoco", uma música que, fora o toque do berrante no primeiro segundo, é completamente eletrônica. A letra, apesar de lembrar o ouvinte que quem está cantando é "a boiadeira", está mais preocupado em falar em sedução e beijos.
O resultado em atenuar as referências ao agro, pelo menos nas letras, deu certo. Hoje Godoy tem quatro músicas com sua assinatura nas paradas: seja o funk em "Ela pirou na Dodge Ram", de Luan Pereira e MC Ryan Sp, a pisadinha de "Roça em Mim", a balada sertaneja "Dona de Mim" e o reggaeton de "Nosso Quadro", que está há quatro semanas entre as músicas mais ouvidas no Brasil no Spotify - as três últimas são singles de Ana Castela.
"Agora é uma pitadinha de agro, uma lambida. Não é mais todo tempo falando do porco e das galinhas. Tem uma reduzida no linguajar. A gente queria achar um jeito de não segmentar tanto esse papo", ele revela. "Por isso que esse som chegou tão longe assim. Abriu a porteira do mundo", conclui, usando uma referência típica do seu universo.
Abrindo a porteira
Eduardo Godoy tem 31 anos e nasceu em Ibiporã (PR). Cresceu ouvindo muita música, sem restrição de gênero, mas especialmente apegado em dois sons: "Gosto muito de Guns N' Roses e sei cantar todas do Racionais MC's", diz, sentado em seu estúdio em Londrina, onde seu sobrenome estampa uma das paredes.
Apesar de seus parceiros virem de outras direções (Luan Pereira é de Suzano, interior de São Paulo; já Ana Castela é de Sete Quedas, na fronteira do Mato Grosso do Sul com o Paraguai), Londrina passou a ser o ponto de encontro da produção musical. Hoje, a maior parte desses artistas se mudou de mala, cuia e empresários para a região.
O primeiro contato de Godoy com a música foi por ali, na aula de coral da escola. Logo ganhou um teclado de doação de um vizinho. "Dali por diante, minha família tinha que tolerar. Era dia e noite e eu ali tocando. Acabei aprendendo sozinho, não tinha internet e eu ficava explorando. Levava o teclado pra escola, mas não deixavam eu tocar, porque eu era bagunceiro", lembra.
Tinha apenas 12 anos e a escola logo descobriu que tinha um prodígio nas mãos. Ele passou a dar aulas para outros alunos e, em troca, ganhou bolsa de estudos e cursos. Aos 17, foi ter aulas de piano clássico em Londrina. "Não parei mais."
Começou a tocar com artistas em barzinhos, mas mantinha sempre uma visão musicalmente crítica. "Eu sempre pensava: 'putz, o produtor poderia ter feito desse jeito, né? Nossa, mas que arranjo ruim.' Aí eu comecei a ter curiosidade de como era produzir. Comprei meu primeiro computadorzinho ali, minha plaquinha de som."
O sertanejo esteve presente desde o começo, mas nunca da forma clássica. "Eu já fazia 'funknejo' na época, olha que engraçado", ri. "Tem coisa que é meio 'chá com pão', que não precisa de coisas mirabolantes, mas toda produção minha lá de trás tinha de ter uma pitada diferente, seja um beatbox, um berrante remixado, um toquezinho de celular que aparecia no meio da música", explica. Ele admite que a explosão do funk o inspirou a abrir a cabeça sertaneja. "Foi o funk que deu uma modernizada nisso."
Estar por trás dos maiores sucessos do novo filão tem feito Godoy dormir tarde e acordar cedo. Festa mesmo, só quando ele vai ao show dos próprios artistas que produz. Os pedidos no seu estúdio triplicaram, todos querem um "hit". "Às vezes nem querem falar de agro, só querem uma pitada diferente."
Só hoje, com as quatro músicas entre as dez mais ouvidas do país, é que ele repara que talento não é a única coisa a entrar em campo. "Essas pessoas são muito boas, mas é um jogo. A gente tem que saber também como agir em determinadas situações, fazer bons negócios, saber conversar."
Empresários e jornalistas especializados em sertanejo têm opinião unânime: o "agronejo" tem dominado a venda de shows em 2023 — ele é apontado, após o sertanejo universitário, como a maior evolução do gênero nos últimos anos.
"A maior artista do mercado é a Ana Castela e, consequentemente, é o estilo que está mais em ascensão. Tem muito artista que está chegando e já fazendo grandes cachês. É um movimento que sem dúvida nenhuma veio pra ficar", defende Godoy. "Eles se conectam muito com o público jovem que está na balada, que está no TikTok. Os mais velhos não vão ficar fazendo dancinhas, não é verdade?"
Quando os primeiros sucessos surgiram, muito se questionou se as letras não estavam servindo de pura propaganda para o agronegócio. Na letra e no clipe de "Os Menino da Pecuária", de Léo e Raphael, uma das primeiras músicas do movimento, tudo era bem mais explícito. Enquanto a letra dizia: "De ponta a ponta o Brasil tem boiadeiro movimentando a parada / Não é à toa que o PIB começa com P, de pecuária", o clipe exibia informações e cifras sobre a força econômica do agronegócio no país. O agronejo também não tem vergonha de citar marcas e ostentar.
Godoy, no entanto, minimiza a relação: "Lógico que, como qualquer outro outro estilo, vai haver muita parceria. Já apareceram coisas de máquinas e produtos do campo, mas agrega marca como qualquer outro, seja Coca-Cola, seja Pepsi. Não chega a ser uma propaganda, não."
Fato: com ou sem ajuda desses parceiros, Ana Castela, logo nos primeiros meses do mega sucesso "Pipoco", chegou a fazer 28 shows em um mês — número impressionante até mesmo para quem até pouco tempo reinava no meio, como Gusttavo Lima.
"A Ana pega os jovens, as crianças. Ela vai ficar muito tempo no mercado porque os fãs vão crescer junto com ela. E isso vai revolucionar os papos, a forma de falar", ele explica. "Você não está falando do adulto fazendeiro. É o jovem que quer ser fazendeiro. Mas, mais do que isso, é a batida que o povo quer ouvir explodir no paredão. Aí acabou, é prato feito."
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