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Meu cirurgião é um ET: como são as operações espirituais com alienígenas

Parecia mesmo uma mudança de dimensão: o carro deixou para trás uma tarde quente em São Paulo e entrou em uma névoa espessa e fria quando se aproximou de Riacho Grande, bairro de São Bernardo do Campo próximo à Serra do Mar.

Diante da casa, o terapeuta Rafael Diniz, 36, me recebeu para tratar uma insistente dor nas costas com o método "cura multidimensional arcturiana". Tirei a roupa e deitei em um colchonete. Ele sentou ao lado e cochichou uma frase, convocando seres extraterrestres para participarem da sessão.

Passada uma hora de "reiki estelar" (massagem energética e cósmica), confesso que me senti bem, e as pontadas na região lombar sumiram.

"Agora seu portal com arcturianos está aberto. Sempre que precisar é só acessar", avisou Rafael.

Alguns dias depois, o mau jeito voltou. Mentalizei e fiz meu pedido ao meu novo seguro saúde astral. A dor diminuiu, logo ressurgiu, até ficar oscilante como antes. E pior que não dá para reclamar com nenhum SAC (serviço de atendimento ao consumidor), afinal, a estrela de Arcturo está a mais de 36 anos-luz da Terra.

'Contato imediato'

Ex-professor de skate, o paulistano Rafael mudou-se para Limeira (SP), onde se formou como massoterapeuta. Segundo ele, sua vida deu uma reviravolta em 2019 quando teve seu primeiro "contato imediato" com esses seres azuis de 2,5 metros de altura.

"Todas as luzes da casa apagaram. Senti uma mão subindo dos meus pés até a cabeça, abrindo meu rosto, entrando no meu crânio e colocando uma chave dourada lá dentro."

Ele conta que sua filha estava ardendo em febre. Na escuridão, ela molhou a cama toda de suor e ficou bem em um instante. Teria sido a primeira cura alienígena. "Desde aquele dia, eu sinto e vejo a presença deles. Mesmo sem boca, eles se comunicam comigo."

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Rafael Diniz diz canalizar seres alienígenas para desbloquear energias
Rafael Diniz diz canalizar seres alienígenas para desbloquear energias Imagem: Gabriela Di Bella/UOL

Rafael fez dois cursos online de "curas alienígenas" e começou a atender, misturando massagem e "canalização" de inteligências espaciais. Ele cobra R$ 250 pela sessão presencial e R$ 150 para mandar energia a distância (a mais longa foi para uma garota que estava deprimida no Japão). "Marcamos uma hora, nos concentramos juntos, e ela se acalmou e melhorou o humor."

Para essa linha mística, o encontro entre humanos e arcturianos acontece na quinta dimensão, a mais alta para nós e a mais baixa para eles (o conselho de Arcturo habitaria a nona dimensão).

Além de curar as pessoas, esses seres teriam outra missão: usar "sua tecnologia de luz" para reequilibrar as forças planetárias para "o despertar da Terra".

Sincretismo sideral

O próximo passo foi ser submetido a uma "cirurgia bioestelar". Dessa vez, os astros são os andromedanos, que revelam os aparelhos que "criaram para acabar com as doenças em sua civilização".

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Quem aprende e aplica é Eliel Israel, 35, que largou as franquias de alimentação que tinha em Ribeirão Preto (SP) para dar giros interestaduais e espalhar essa ajuda intergalática dos moradores de Andrômeda, Sirius, Plêiades e outros.

"Eu não acreditava em Deus nem em extraterrestres. Por isso, achei que estava doido quando começaram a passar instruções para mim", lembra.

Eliel conta que tinha labirintite e sofria com os efeitos colaterais dos remédios. Foi a um centro espírita e recebeu uma sessão de reiki (medicina alternativa japonesa baseada na imposição de mãos para transferir "energia vital universal").

Melhorou, decidiu aprender a técnica e ser voluntário no local. Chegou a atender 80 pessoas por dia. Enquanto realizava as sessões, ele começou a sentir comandos estelares.

Eliel Israel usa luz roxa para 'limpeza áurica' antes de realizar sua 'cirurgia bioestelar'
Eliel Israel usa luz roxa para 'limpeza áurica' antes de realizar sua 'cirurgia bioestelar' Imagem: Carlota Viña/UOL

"Aparecem dispositivos na minha mente, e eu desenho. Eles têm visores, braços mecânicos e lasers", conta. "Não sou médico, não posso fazer diagnóstico. A pessoa me fala seu problema, e durante a cirurgia espiritual uma equipe se apresenta. Só na hora eu descubro quem vem para ajudar."

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Durante o procedimento, eu deitei em um sofá e relaxei tanto que tirei um cochilo.

Ao final, Eliel me contou que a inocente soneca foi uma viagem pelo universo: eu teria deixado "medos e crenças limitantes" em um buraco negro, teria dado "um reset" e feito "um download de coisas boas".

Na sessão, primeiro borrifou um spray de lavanda, passando uma luz roxa sobre mim. Depois colocou cristais da minha cabeça até a barriga para "alinhar os chakras". Tudo ao som de uma playlist de frequências lemurianas. Por vezes, ele também coloca símbolos arcturianos sobre as pessoas.

Na sequência, ele recebeu sua "junta médica das estrelas". "Veio uma galera. Mas os que mais atuaram foram os sirianos."

Segundo Eliel, esses seres são especialistas em operar o "corpo sutil", que seria a projeção translúcida e espiritual do corpo humano.

Presencial ou não, cada sessão sua custa R$ 300. Ele pede repouso por três dias, ingerindo comida leve e muita água. Como acabei não podendo obedecer esse resguardo, talvez não tenha aproveitado todos os benefícios da cirurgia. De qualquer forma, a sensação foi de alívio depois da operação.

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Eliel largou carreira de empresário do ramo alimentício para trabalhar com 'cirurgia bioestelar'
Eliel largou carreira de empresário do ramo alimentício para trabalhar com 'cirurgia bioestelar' Imagem: Rodrigo Bertolotto/UOL

Eliel quer se especializar no atendimento de atletas de alta performance. Diz que mandou uma cura a distância para Neymar (sem o próprio saber) e que graças a isso o jogador teria se recuperado a tempo da lesão no pé direito para poder jogar a Copa do Mundo de 2018.

São famosas as cirurgias espirituais a que se submeteram vários ídolos brasileiros diante de contusões nas proximidades de grandes eventos, como confessaram Gustavo Kuerten (tênis), Magic Paula (basquete) e Giovane e Ana Moser (ambos do vôlei). Ao que se sabe, nenhuma delas teve auxílio dessas civilizações do espaço.

Extraterreiros

Apesar de testemunhos sobre a comunicação com seres extraterrestres existirem desde a ocultista russa Madame Blavatsky (1831-1891), que escreveu inspirada por "mestres iluminados de Vênus", os relatos sobre esses contatos se multiplicaram durante a Guerra Fria (1945-1989), quando era cotidiano o medo de uma hecatombe nuclear destruir a humanidade.

Nesse período, além da ufologia "fisicalista", que relatava aparições de óvnis e abduções para dentro das naves, havia a versão "espiritualista", com o surgimento de médiuns interpretando sabedorias cósmicas e criando até religiões, como a raeliana, que misturava crenças milenares com descobertas da astronomia. Essa onda foi reforçada nos anos 1970 com o movimento New Age.

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Na virada do século 20 para 21, esse espiritualismo ufo ganhou nova propulsão graças aos temores com as mudanças climáticas e o futuro da humanidade. Surgiram nos EUA vários "canalizadores" de sabedorias alienígenas, vendendo cursos e livros.

Entre os mais conhecidos está Darryl Anka, um especialista em efeitos especiais da indústria cinematográfica (trabalhou em filmes de ficção científica como "Jornadas nas Estrelas" e "Eu, Robô"). Ele incorpora Bashar, um ser da constelação de Orion, em palestras cheias de conselhos de vida para os participantes.

Símbolos arcturianos usados nos pacientes submetidos aos procedimentos com ETs
Símbolos arcturianos usados nos pacientes submetidos aos procedimentos com ETs Imagem: Rodrigo Bertolotto/UOL

Já David K. Miller há mais 15 anos canaliza os arcturianos, ensinando um método de cura para a Terra e seus habitantes a partir da meditação coletiva, energização e ampliação da consciência. Entre seus seguidores estão muitos brasileiros, entre eles o influencer Renan Capeluppi, 29.

Os pais não gostaram nada quando Renan deixou a carreira de engenheiro civil e seu emprego público para fazer operações para a remoção de "larvas astrais". De formação católica, Renan frequentou casas espíritas, terreiros de umbanda e templos budistas em sua busca espiritual.

Até que um dia ele teve uma experiência paranormal. "Ouvi uma voz dentro da minha cabeça que disse: 'Queremos trabalhar com você'. Fiquei em estado de choque. Só depois soube que eram extraterrestres", relata.

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A descoberta se deu após fazer um curso de "cura multidimensional arcturiana" de Clarindo Melchizedek, um dos principais divulgadores no Brasil. Hoje, Renan faz atendimento (a sessão pode custar até R$ 188) e também dá cursos (R$ 549).

Essas intervenções alienígenas foram parar no Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) em 2010, quando houve uma denúncia contra Mônica de Medeiros, médica formada pela Unicamp que também é médium e que dá voz a Shellyana, ser das estrelas Plêiades.

Segundo o Cremesp, o caso foi investigado e encerrado sem conclusão e, "no momento, a médica encontra-se sem nenhum processo ou sindicância em apuração". Casos que não envolvem profissionais de saúde não são apurados pelo órgão porque entram na classificação de "terapia alternativa".

No site atual de Mônica, há um recado "lembrando que os tratamentos espirituais não excluem ou substituem os tratamentos médicos, são um complemento".

Junto com as Filipinas, o Brasil é o país onde mais se arraigaram na cultura popular as chamadas cirurgias espirituais.

O mais célebre foi José Arigó (1921-1971) que fazia operações que incluíam cortes e extrações sem assepsia ou anestesia. Ele dizia incorporar Doutor Fritz, que teria sido um médico alemão na Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

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Esse espírito frequentou outros médiuns, incluindo João de Deus. Ele atraiu para Abadiânia (GO) a atenção de personalidades e mídia internacional (incluindo a apresentadora norte-americana Oprah Winfrey) até que foi preso em 2018 após centenas de denúncias de abuso sexual de mulheres que buscaram sua ajuda.

Na concorrência com forças xamânicas, entidades de origem africana, almas de médicos europeus mortos e mestres orientais, os seres alienígenas se destacam nesse mercado por deter uma tecnologia de ponta, vinda diretamente do futuro. É o que se chama "diferencial".

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