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Tantra com dominação sexual mistura cordas e massagens para ampliar prazer

Para o horror dos puristas (e o prazer dos praticantes), duas artes eróticas estão emprestando suas práticas uma para a outra.

O tantra, ténica indiana que busca intensificar o prazer e orgasmo nas relações, e o BDSM, acrônimo em inglês que reúne práticas de amarração, disciplina, dominação e sadomasoquismo, se sincretizaram — e surgiram técnicas como o dark tantra, o tantra fetichista ou o bondassage (massagem com amarração).

"Sempre falo para alunos e clientes respirarem forte para sentir mais enquanto eu massageio. A maioria não obedece. Com dois prendedores nos mamilos, todos ficam ofegantes na hora", resume Mari Roman, precursora da tendência no Brasil.

De olhos vendados, a pessoa se concentra nas delicadezas do tato. De mãos amarradas, se rende aos jogos de sensações feitos por quem domina a cena.

A partir daí, a mão que afaga é a mesma que arranha e estapeia — tudo combinado antes da sessão e com palavras de segurança para parar ("vermelho"), reduzir ("amarelo") ou aumentar a intensidade ("verde").

A dor não é obrigatória, e ser atado e ficar submisso está longe de envolver sofrimento. Estão vetados objetos pontudos, serrilhados ou afiados. Mas a maioria da clientela não sai sem dar a mão (e outras partes do corpo) à palmatória.

"No começo, eu achei que não ia conseguir. Vinha do tantra e não conseguia bater nas pessoas. Mas, quando entendi que tinha que incorporar a personagem da dominadora, tudo ficou mais fácil", conta a terapeuta Maya Valente.

Hoje ela mostra destreza amarrando com a mesma corda as mãos nas costas, as genitais e o pescoço dos clientes. Tudo engatado, ela puxa o cabo como se fosse um arreio, e um arrepio sai dos testículos e percorre o corpo todo.

O mesmo chicote que ela desliza pelo corpo como uma carícia, depois aplica um castigo suave na bunda e nas pernas.

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A sessão começa com os dois em pé, muita massagem suave e olho no olho. Se o cliente se assanha e toca a massagista, logo é vendado, amarrado e castigado — na lógica "só alguns tapinhas não doem".

Depois, o cliente fica de joelhos em posição subalterna. No final, ele é deitado e liberto das cordas para receber uma massagem com muito óleo e fricção.

Tudo isso ao som de uma trilha sonora sexy com músicas de Beyoncé e Annie Lennox — nada dos mantras e cítaras do tantra tradicional.

Sessão de dark tantra inclui massagem, amarra, venda, palmatória e algema
Sessão de dark tantra inclui massagem, amarra, venda, palmatória e algema Imagem: Rodrigo Bertolotto/UOL

Sagrado e urbano

Para quem vê de fora, o BDSM pode parecer assustador. Mas, na realidade, o submisso está no comando e determina os limites da ação.

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Já o tantra ficou com fama de um sexo lento que leva horas, algo impraticável para seres das grandes metrópoles que não dispõem de tanto tempo para sua endorfina e seu orgasmo.

Para desmistificar esses estereótipos, a sexóloga norte-americana Barbara Carrellas criou o urban tantra, com as sessões de até 20 minutos, mesclando héteros com o povo LGBTQIAPN+ e adicionando ferramentas fetichistas à escola tântrica.

"A mistura de tantra e BDSM pode ser uma deliciosa dança de toque consciente e relacionamento íntimo. É tudo sexo sagrado, e o estilo; intensidade e componentes dessa criação vão mudar a cada dia", escreveu Carrellas no livro "Urban Tantra: Sacred Sex for the Twenty-First Century" (Celestial Arts, 2007).

A festa Dark Secrets mistura decoração com deuses indianos e jogos eróticos com influência do tantra e BDSM
A festa Dark Secrets mistura decoração com deuses indianos e jogos eróticos com influência do tantra e BDSM Imagem: Rodrigo Bertolotto/UOL

A autora vê muita correlação entre esses universos, como a negociação, a consciência, o compromisso e o estado de presença dos pares, além da alta voltagem sexual das duas práticas "vastas e complexas, indo do mais suave ao mais selvagem".

Mari Roman fez uma dessas imersões em Nova York e voltou para o Brasil disposta a montar seu próprio curso e criar uma sessão que reunisse todas as ideias que a educadora sexual dos EUA defende em seus livros.

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"Um pessoal que eu chamo de 'Igreja Universal do Tantra' ficou puto comigo, porque nas minhas sessões não tem meditação e choradeira. Eles falam que meu método não é terapêutico, mas muita gente que vem aqui se liberta de bloqueios e traumas e consegue deixar para trás problemas como disfunção erétil e anorgasmia. Fora superar medos, vergonhas e vulnerabilidades", diz ela.

Junto e misturado

O tantrismo surgiu a cerca de 1.500 anos atrás na Índia e se fundiu com o hinduísmo e o budismo. Após a colonização europeia da região, um aspecto dele chamou a atenção dos ocidentais. Ao contrário do cristianismo, que separa o físico do espiritual, o tantra vê o corpo e o sexo como um caminho para o sagrado.

O chamado neotantra ganhou impulso a partir dos anos 1980 com a ida de muitos gurus indianos (o mais famoso foi Osho) para os EUA e Europa, ficando cada vez menos religioso e mais pragmático.

Já o BDSM é uma sigla que surgiu 30 anos atrás para um conglomerado de práticas de diversas procedências. Anteriormente, o termo mais usado era sadomasoquismo e remetia a obras da literatura europeia que descreviam histórias sobre sexo e dor de autores como Marquês de Sade (1740-1814) e Leopold von Sacher-Masoch (1836-1895).

O lema principal do BDSM é que a prática deve ser "sã, segura e consensual". Tudo é feito de comum acordo, deve haver precaução contra riscos físicos e mentais e não se pode consumir álcool ou drogas que mudem a percepção do ato que é quase um ritual.

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Na primeira década do século 21, as duas escolas estavam tão difundidas nos EUA que começaram a conviver em festivais e workshops sobre sexualidade. Não demorou para surgirem as primeiras experiências de fusão entre elas. E foi Barbara Carrellas quem primeiro escreveu em livro sobre essa aproximação.

Deuses e couro

As paredes estão decoradas com telas de deuses do hinduísmo Ganesha e Shiva, mas as pessoas estão cobertas de capas, botas e máscaras de couro.

O dark tantra também inspira uma festa noturna promovida por Mari Roman. Os formatos são comuns em vivências tântricas, mas a música e as roupas têm inspiração sadomasô.

Convidados de festa inspirada no dark tantra posam com roupas fetichistas diante de pôster do deus indiano Krishna
Convidados de festa inspirada no dark tantra posam com roupas fetichistas diante de pôster do deus indiano Krishna Imagem: Rodrigo Bertolotto/UOL

Entre os jogos, está uma ciranda de troca de pares. Primeiro, as mulheres são vendadas e recebem massagem. A cada 5 minutos um parceiro aplica sua sedução até completar a roda. Depois é a vez dos homens.

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A dinâmica seguinte se chama Dark Pulsation, e os convidados ficam encostados uns aos outros, dançando e respirando profundamente até formar uma massa humana. "As pessoas sentem a energia dos outros participantes. Quando fica pele na pele, a galera vai se pegando", resume a promotora da festa.

O evento tem também dark room e performances fetichistas. "Pode tudo, menos sexo. Se quiserem, combinam outro dia em outro lugar", sentencia a terapeuta festeira.

Sarau sensual

Os terapeutas Guilherme Poyares e Ana Kimaya também se inspiraram no urban tantra de Barbara Carrellas para formar turmas de massagem e promover saraus tântricos em que práticas com shibari (arte da amarração japonesa), velas e chicote são apresentadas aos convidados.

"É um trabalho de investigação corporal. São experiências sensoriais na busca pelo êxtase e seus limites. O prazer, na verdade, está na cabeça, e devemos andar por outros caminhos corporais para fugir das rodovias que levam só aos genitais", resume Poyares.

Os terapeutas Guilherme Poyares e Ana Kimaya se inspiram no urban tantra para suas sessões, cursos e saraus eróticos
Os terapeutas Guilherme Poyares e Ana Kimaya se inspiram no urban tantra para suas sessões, cursos e saraus eróticos Imagem: Rodrigo Bertolotto/UOL

Para Kimaya, esses saraus servem para apresentarem sensações novas para os tântricos. "Primeiro vem o estranhamento, mas logo o bizarro vira prazeroso", diz ela.

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Uma das ênfases do urban tantra também é congregar as várias orientações sexuais e identidades de gênero, tirando importância dos conceitos indianos da figura da shakti (o feminino) e do shiva (o masculino) .

Os cursos e atendimentos de Poyares e Kimaya estão abertos para pessoas trans e não binárias, mas a procura ainda é pequena. "A quantidade de gêneros é gigante, e com cada corpo é um aprendizado. Mas o meio tântrico no Brasil ainda tem pouco espaço para eles", lamenta a terapeuta.

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