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Mundial de cards, prêmio de US$ 25 mil, troféu Pikachu: o fenômeno Pokémon

O futuro está nas cartas — ao menos para o fenômeno Pokémon. Ícone da cultura pop há mais de 25 anos, a marca conquistou novas gerações com o Pokémon TCG (Trading Card Game), uma espécie de um jogo de "super trunfo" mais complexo, em que cartas decoradas com as criaturas são utilizadas em batalhas de um-contra-um.

Foi no mais importante torneio de TCG, ocorrido em agosto último, no Japão, que dois jogadores brasileiros alcançaram consagração internacional. Gabriel Fernandez, de 13 anos, foi o campeão da categoria "sênior", enquanto seu xará Gabriel Torres, 11, ficou em segundo lugar na divisão "júnior". Os feitos dos dois adolescentes são raros: anteriormente, o Brasil só havia chegado a uma única final de campeonato mundial, em 2011.

Ambos ganharam taças decoradas com o personagem mais famoso da franquia, o Pikachu, um deck (como são chamados os conjuntos de cartas) com itens promocionais raros, prêmios de US$ 25 mil para o primeiro lugar e US$ 15 mil para o segundo, além de brindes exclusivos, como bolsa de "melhor treinador", moletom, boné e tabuleiro de campeão. "E se eles quiserem vender as cartas, e até mesmo o troféu no Ebay ou em lojas, podem até levar mais do que o valor do prêmio", explica Dalton Acchetta, competidor que também atua como "treinador" de Gabriel Torres.

A parceria entre o mestre e o aprendiz começou há mais ou menos um ano, depois que os pais de Gabriel viram que sua paixão por TCG era algo a ser levado mais a sério. Com isso, procuraram Dalton, 21 anos, praticante desde 2017, para preparar o filho para as competições. "Basicamente, o que fazemos é ficar jogando com os decks que usaremos no campeonato e avaliamos as melhores estratégias", comenta o mentor, sobre o treinamento.

"É até engraçado, porque eu pensava na próxima jogada que o Gabriel ia fazer e ele ia lá e executava", diz Dalton, exaltando a performance do pupilo nas partidas do mundial. "Foi emocionante. O esforço, no fim, valeu a pena."

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Brincadeira levada a sério

Os pais de Gabriel Torres sempre incentivaram o filho a praticar esportes: além do jogo de cartas, ele também treina judô e natação. O hábito de Pokémon TCG, porém, começou como brincadeira.

"Em 2019, quando ele fez sete anos, fomos a uma loja trocar alguns brinquedos repetidos. Lá, ele escolheu um monte de caixas de cartas Pokémon", conta Raymundo Torres, 40 anos. O que parecia uma simples coleção de criança tornou-se algo além quando um amigo da família ensinou as regras ao garoto e montou um deck improvisado para ele compreender melhor as nuances do jogo.

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O processo de aprendizado se intensificou quando Gabriel passou a frequentar a Chuck TCG, uma loja em São Caetano do Sul (SP) que abriga uma ativa comunidade de jogadores. "Fomos muito bem recepcionados, todo mundo foi acolhedor conosco e deram dicas iniciais para o Gabriel", diz o pai, que começou a levar o filho a pequenos campeonatos "só pra brincar". A cada dia, o garoto ficava mais apaixonado e dedicado. "Daí passei a levá-lo aos Challenges e Cups, que são os primeiros torneios que valem pontos para o mundial."

A primeira grande competição foi o Latin America International Championship de 2019. Raymundo conta que "ali ele já deu um sinal de que levava jeito". Porém, a carreira foi pausada por causa da pandemia e só foi retomada no ano passado: "Fomos atrás de um treinador para ele, para ajudar nessa transição do retorno". Foi assim que Dalton entrou na vida da família. A estratégia deu tão certo que Gabriel alcançou a quarta colocação no ranking da América Latina na temporada, conquistando a vaga para o torneio no Japão. O menino não estava na lista dos favoritos, mas surpreendeu mais uma vez, chegando à final.

"Falei: 'Olha, talvez ele vá realmente conseguir o top 8'. Daí ele foi avançando, parece que ligou o turbo", conta o pai, orgulhoso. Gabriel acabou derrotado na partida final, pelo taiwanês Shao Tong Yen, mas valorizou a oportunidade de visitar o Japão para jogar, e não apenas isso: "A melhor parte foi estar com meus amigos todos os dias", diz.

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Imagem: Arte UOL

Simples só na aparência

Sediado pela primeira vez na Ásia, o Pokémon World Championships 2023 aconteceu na cidade de Yokohama, de 11 a 13 de agosto, com disputas em quatro categorias: Pokémon Scarlet & Violet (jogada no console Nintendo Switch), Pokémon GO (no celular) e Pokémon UNITE (no computador), além da citada TCG, a única cujas disputas não ocorrem dentro de um ambiente digital. Nesta, cerca de 1,4 mil inscritos competiram presencialmente, em sua maioria do sexo masculino.

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O Worlds, como o evento é conhecido, representa o ápice do cenário competitivo de TCG. O circuito, organizado pela The Pokémon Company, é dividido em seis competições - League Challenge, League Cup, Special Event, Regional, Internacional e Mundial - e separado em três divisões etárias: júnior, para jogadores até 12 anos; sênior, entre 13 e 15 anos; e master, acima de 16 anos.

No Brasil, a COPAG, empresa pioneira na fabricação de baralhos, é responsável pela operação deste circuito, organizando torneios em várias cidades do país que oferecem championship points (CPs) aos competidores. É o acúmulo desses pontos que determina os jogadores que ganham as sonhadas vagas para o mundial.

Simples apenas na aparência, o TCG é um jogo que requer estratégia e planejamento, ainda que o fator sorte também faça a diferença. Cada jogador utiliza um baralho de 60 cartas, decoradas com estampas de Pokémon, energias e poderes de treinadores. No início da partida, cada um escolhe seis cards de criaturas para ficarem disponíveis para a batalha. A partir daí, em rodadas alternadas, cria-se combinações de cartas para confrontar as do adversário.

O objetivo é reduzir a zero os pontos de saúde (HP) dos monstros do oponente ou obrigá-lo a ficar sem opções de jogo. Para isso, é preciso utilizar os ataques descritos nos cards de Pokémon, arranjados com as energias e os poderes de treinadores. Já que cada jogador pode montar o baralho da maneira que quiser, os especialistas recomendam um deck bem equilibrado entre os três tipos de cartas, de modo a prever as infinitas variáveis que ocorrem durante uma partida.

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Imagem: Arte UOL

Entre monstros e polêmicas

O TCG representa uma fatia importante do gigantesco apelo da franquia Pokémon (abreviação de pocket monsters, ou monstros de bolso), que inclui animações, videogames, o famoso Pokémon Go (o aplicativo para "caçar" Pokémon pela cidade), brinquedos, colecionáveis e até mesmo filme em Hollywood. Em 2019, a produção norte-americana "Pokémon: Detetive Pikachu", estrelado por Ryan Reynolds, que emprestou a voz ao rato elétrico amarelo, faturou R$ 2,2 bilhões nas bilheterias.

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Mas as intenções iniciais de Pokémon não eram tão ambiciosas. A primeira aparição foi em 1996, na forma de "Red" e "Green", jogos de RPG elaborados por Satoshi Tajiri e Ken Sugimori para o console portátil Game Boy, da Nintendo. Com uma aventura instigante de pano de fundo e os apelos das batalhas entre os monstros e da troca entre jogadores, os títulos foram sucesso quase instantâneo por todo o mundo, inspirando um mangá e um anime conhecido globalmente. No Brasil, o desenho começou a ser exibido em 1999 e serviu como o principal propulsor da febre entre crianças e adolescentes.

Porém, apesar do sucesso, a animação também carregava a fama de "fazer mal às crianças". O rumor tinha certo fundamento: em 16 de dezembro de 1997, foi ao ar no Japão o episódio "Soldado Elétrico Porygon", que mostrava o Pikachu soltando intensos raios coloridos pelos olhos. Após a exibição, mais de 600 pessoas - a maioria crianças - foram hospitalizadas com sintomas de convulsões. E essa foi apenas uma de várias controvérsias envolvendo a franquia ao longo dos anos.

Percalços à parte, é um universo que se mantém em franca expansão e não dá sinais de decadência. Segundo dados do portal japonês Gamebiz.jp, a empresa dos monstrinhos registrou em 2022 um ano fiscal recorde, com lucro em vendas de 204 bilhões de ienes (US$ 1,6 bilhão), um aumento de 70,15% ano a ano. Parte desse faturamento está relacionado a games exclusivos para o console Nintendo Switch, como Sword & Shield, Brilliant Diamond & Shining Pearl, Legends: Arceus e os recentes Scarlet & Violet.

Mas o potencial do TCG não pode ser ignorado. A Pokémon Company não divulga cifras exatas, mas revela que 53 bilhões de cartas já foram vendidas desde a estreia do jogo, em 1996. Outro fator que contribui para tamanha popularidade é o colecionismo. As cartas são vendidas em baralhos completos ou em pacotinhos fechados, cujos preços variam de R$ 50 a R$ 800, dependendo da série. Versões brilhantes são mais raras e costumam valer mais, assim como as "promocionais", distribuídas de maneira limitada em eventos especiais.

Essa escassez é o principal combustível de um mercado paralelo conduzido pela comunidade de entusiastas, sem influência direta da fabricante e sempre envolto em valores astronômicos. Em 2022, o youtuber norte-americano Logan Paul pagou US$ 5,275 milhões (cerca de R$ 26 milhões) em um card japonês "Pikachu Illustrator", no que ficou conhecida como a mais cara negociação de uma carta de Pokémon em todos os tempos.

E assim como em todo ambiente de colecionadores, existem falsificações. "Cansei de ver aqui criança que trocou com o amiguinho e ganhou uma carta falsa. Dá um aperto no peito, mas a gente acaba ensinando a diferença", conta uma vendedora de uma loja especializada no bairro da Liberdade (SP), que dá a dica: "Você joga uma lanterna no card: se não passar nenhuma luz, significa que é oficial. Agora, se passar um feixe de luz, as chances de ser falsa são bem grandes."

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Definitivamente, não é brincadeira só de criança.

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'A melhor parte foi estar com meus amigos todos os dias', diz Gabriel Imagem: Arquivo pessoal

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