Gretchen, Joice Hasselmann e Rita Cadillac: como nasce um 'estático gay'
Existem certos fenômenos na internet que são rapidamente assimilados por quem a frequenta, mas é difícil explicá-los para alguém que está fora dela. O estático gay é um desses fenômenos quase inexplicáveis: é preciso ver para entender.
Para quem não está online todos os dias, os estáticos parecem um amontoado de imagens de baixa qualidade publicadas sem contexto. Mas seu surgimento e sua consagração como forma de comunicação começaram há mais de uma década, principalmente por causa da forte presença da comunidade gay na internet. E é por isso que é quase impossível descolar o estático do mundo gay.
Você pode não ter percebido, mas provavelmente já deve ter visto um estático. A causa disso é que tudo o que acontece no mundo, seja real ou virtual, pode se tornar um estático. Já abriu uma publicação e deu de cara com uma foto da Gretchen fazendo alguma tarefa mundana? Isso é um estático.
Para entender a origem e o uso de um estático gay, o TAB conversou três pessoas que atuam quase como uma central de consolidação de estáticos na internet.
Tudo e nada, ao mesmo tempo
Não há regras claras e, muito menos, pétreas para se criar um estático, mas normalmente ele tem algumas características em comum. Em geral, envolve um momento ou alguém que viralizou na internet e a qualidade da imagem ou do vídeo tem que ser baixa, de preferência quase pixelada.
Exemplos de estáticos: um print de uma publicação da ex-deputada federal Joice Hasselmann desejando "bom dia" para os seguidores; um trecho curto de um vídeo em que Rita Cadillac aparece tragando um cigarro nas ruas; a foto de Henrique Meirelles pixelado fazendo o L durante a campanha de 2022; a vilã Silvia, interpretada por Alinne Moraes, fazendo uma cara intrigada com a legenda "que mecanismo!"; Gretchen atrás de uma cortina, aguardando ser chamada para o palco.
"Um estático originalmente é uma imagem de baixa qualidade de alguma celebridade ou momento que traduz um sentimento da pessoa. Nem sempre traduz um sentimento, às vezes é uma coisa mais dadaísta, é um 'feeling' da pessoa", explica Aparecida, 29, conhecida no Twitter como Escriba do Umbral.
O exemplo favorito de Aparecida é uma reportagem sobre o Carnaval de rua em Belo Horizonte, onde uma foliã reclama da quantidade de gays e da dificuldade de encontrar um homem hétero pra beijar na boca.
Para se tornar um estático, além da aleatoriedade, é preciso focar ao máximo na mesma imagem. "[É] a coisa mais aleatória que você já viu na sua vida, de preferência que não tenha nada a ver com a publicação em que está sendo utilizado. Pode ser também de um vídeo famoso, de um meme em vídeo. Aí o ideal é o usuário hiperfocar, repostar aquilo à exaustão, até que seja difundido", explica Matheus Marques, 31, conhecido como Tania Tumulto na internet.
Por se apoiar na força da imagem, o estático costuma ser confundido com um meme. Apesar de ter uma função parecida com a do meme de transmitir e difundir um evento social e cultural, o estático não precisa viralizar para ser considerado um estático. "O que dá sentido ao estático é a maneira do uso desenfreado dele, ele não pede conexão entre sentido e imagem", reforça João Gabriel, 22, community manager baiano conhecido como Claudette Gregótica no Twitter.
Para que serve?
O uso mais prático do estático é reforçar o teor da mensagem que você quer passar na internet. Está triste e quer falar sobre isso para seus seguidores? Sempre haverá um estático da Gretchen para ilustrar sua tristeza. No entanto, segundo João, o estático não só funciona para fortalecer a mensagem que você deseja passar para o mundo, mas atua como um código de identificação de grupos.
Se você usou um estático ou entende o porquê de ele estar ali, muito provavelmente você conhece um pouco da cultura gay. "É uma forma de identificação mútua dentro de um grupo", resume. "Quando eu tô conversando com amigos e é interessante a gente ter códigos que não fariam sentido para um outsider. [...] É uma coisa que seria engraçada pra minha mãe, mas quando você leva isso para a internet é quase como um contrato social, uma forma de estabelecer na conversa uma coisa meio 'eu sei e você sabe o que significa'."
Mas o estático só faz sentido dentro da comunidade LGBTQAI+? Para Aparecida e João, todos os nichos têm um estático para chamar de seu, inclusive entre os fanáticos por futebol.
A própria Aparecida elegeu uma imagem pixelada de Abel Ferreira, treinador do Palmeiras, para hiperfocar nas suas redes sociais. "Tem a galera do futebol com seus próprios estáticos, eles falam mal de estático da Gretchen mas não conseguem ver que eles também têm seus próprios ícones", afirma. Já Matheus é mais sucinto quanto à existência de estáticos héteros: "Não existe, lamento!"
Divas do estático gay
Ainda que qualquer pessoa esteja sujeita a se tornar um estático em algum momento da vida online, há algumas que reinam invictas como rainhas do estático. Grande parte são celebridades brasileiras femininas, como Gretchen, a youtuber Tulla Luana, Mulher Pepita e, recentemente, Rita Cadillac.
Gretchen, cantora e rainha do rebolado, inclusive, está nas origens do estático gay. Mais de uma década atrás, quando as redes sociais ainda estavam engatinhando na internet brasileira, lá estavam os membros da comunidade gay fã de música pop desbravando esse estranho território com um intuito em comum: discutir sobre cultura pop.
"O estático é muito usado pelos gays na internet porque é um lance que vem lá do MSN e Orkut, onde tinha comunidades para discussão de música e divas pop e começaram a utilizar essas imagens nas comunidades. Na comunidade da Jovem Pan — que não tinha nada a ver com a rádio — tinham muitos gays usando imagens para discutir música e divas pop", relembra Aparecida.
A partir da falecida comunidade Jovem Pan do Orkut surgiu uma comunidade essencial para o fenômeno dos estáticos: o fórum Pandlr, que hoje opera em um site independente para milhares de usuários. Foi nos milhões de tópicos discutindo música e cultura pop que Gretchen, no formato de GIF, ascendeu como diva do estático.
Até hoje, mesmo com outras celebridades disputando o pódio, Gretchen segue sendo uma unanimidade. "Gosto muito dos estáticos da Gretchen, porque temos registros dela vivendo todas as situações possíveis e imagináveis, e ela é muito carismática e expressiva", justifica Matheus.
O que faz do estático especial é também a exaltação de figuras obscuras ou consideradas rasteiras para a cultura. Dificilmente, segundo João, imagens de baixa qualidade de celebridades globais são dignas de serem difundidas como estáticos gays. O que importa são momentos únicos do entretenimento brasileiro. "Tem que ser uma Nicole Puzzi e não Nicole Kidman."
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