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'PMMA é lixo atômico', diz pesquisadora sobre uso estético da substância

Autoras de um estudo sobre riscos do PMMA (polimetilacrilato), atualmente em fase de revisão por pares, as dermatologistas Mayra Ianhez e Eliandre Palermo afirmam que a substância representa um perigo no mercado da estética.

"De tudo que existe hoje no mercado, o PMMA é o lixo atômico, porque não degrada. É como uma substância radioativa: está quieta lá e, daqui a alguns anos, o problema aparece", afirma Palermo, conselheira do Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo).

Ela se refere ao fato de o produto não ser absorvido pelo corpo e causar complicações sérias no longo prazo. Se o corpo rejeitar, toda a região onde foi feita a aplicação deve ser removida. Por isso, há casos de pacientes que perdem parte de músculos, dos lábios e de pele.

Problemas relacionados ao PMMA são raros: ocorrem em até 3% dos procedimentos, segundo artigo publicado em 2019 na Revista Brasileira de Cirurgia Plástica, assinado por cinco pesquisadores do Hospital das Clínicas, da USP (Universidade de São Paulo).

"Mas, quando complica, é grave, a ponto de ter que operar", explica Ianhez, professora assistente de dermatologia da Universidade Federal de Goiás.

"A maioria dos dermatologistas não usa o PMMA justamente por isso. Nosso objetivo é bani-lo do Brasil."

Ao lado de outros quatro especialistas, o grupo de Ianhez analisou 236 casos de complicações por PMMA entre maio e agosto de 2024.

  • 19% apresentaram níveis de cálcio no sangue acima do normal;
  • 16% tiveram problemas renais;
  • 4,2% apresentaram sepse, conhecida popularmente como infecção generalizada;
  • 1,3% apresentou algum tipo de embolia (obstrução de vasos sanguíneos).

Onde ele é permitido

O PMMA é um tipo de plástico bastante utilizado na área de saúde. É empregado, por exemplo, na fabricação de lentes de contato.

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No caso de preenchimentos estéticos permanentes, o produto usado é semelhante a um gel, segundo a Anvisa.

O produto é registrado para uso no Brasil há mais de dez anos.

Atualmente, o PMMA está autorizado pela Anvisa para uso em apenas dois casos:

  • Correção de perda de gordura provocada pelo uso de remédios em paciente com HIV;
  • Preenchimento de irregularidades e depressões faciais e corporais.

A agência condiciona o uso a médicos treinados e não indica a aplicação para aumento de volume, como no caso do uso nos glúteos.

Segundo as especialistas, o procedimento de aumento de volume corporal com PMMA, conhecido como bioplastia, é bastante comum no mercado brasileiro, mas não é recomendado pela Anvisa. Quanto maior a quantidade de produto, maior o risco, afirmam.

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Imagem: Arte/UOL

Ilusão de segurança

Para as pesquisadoras, a falta de ética dos profissionais que aplicam a substância fica evidenciada nos números: 43% dos pacientes disseram não saber que estavam recebendo PMMA — o que prova a falta de transparência nas ações.

Ianhez afirma que há clínicas que chegam a mostrar a caixa de ácido hialurônico para o paciente enquanto aplicam PMMA, uma grave violação ética e legal.

Em 80% dos casos de insuficiência renal, a aplicação havia sido feita por médicos.

"Significa que o problema não é quem aplica, mas sim o produto", diz Ianhez.

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Reunião com Anvisa e briga com CFM

Em julho, Eliandre Palermo participou de uma reunião com diretores da Anvisa e apresentou números preliminares do estudo. O objetivo, disse ela, era alertar para os riscos já presentes e por problemas que poderão aparecer no futuro. Nódulos e complicações causados pela substância podem aparecer até dez anos depois da aplicação.

No encontro, não houve decisão sobre uma possível proibição do produto em âmbito federal.

Dias antes, o Cremesp havia emitido uma nota pedindo à Anvisa que proibisse a venda de PMMA. A ação veio na sequência da morte de uma influenciadora de 33 anos, em Brasília, após aplicação do produto nos glúteos.

Mas o CFM não gostou. Enviou um ofício ao Cremesp criticando o pedido por ser um "ato unilateral e desprovido de consulta prévia".

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Solicitou que o órgão regional não quisesse tomar para si atribuições que seriam de uma entidade nacional, como é o CFM.

Nódulos e rosto deformado dez anos depois

A aposentada Leila Alves queria tirar algumas rugas da região dos olhos em 2001. Procurou um médico e soube de um produto novo.

"Ele disse que não precisava cortar a pele e que era um procedimento interessante. Fui convencida. Paguei R$ 2.300 na época."

Dez anos depois, sentiu o primeiro nódulo ao lado do olho. "Parecia uma espinha."

Em 2012, a situação piorou, e seu rosto começou a deformar. "O material caiu pelo meu rosto, veio para o queixo", conta.

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Fora do lugar, o produto encapsulava e formava nódulos. "E o médico dizia que era normal."

Depois de procurar outro médico, decidiu retirar todo o material. A cirurgia durou cinco horas. "Estava entranhada na musculatura. O médico fez sete cortes e tirou 80% do PMMA. Depois disso fiquei um lixo, não conseguia segurar alimentos nem água na boca. Também perdi um pouco da sensibilidade."

Leila processou o médico e ganhou R$ 20 mil em indenização, em 2020.

Moradora de Brasília, Poliana Ferraz, 35, conta ter sido convidada a fazer um preenchimento na região conhecida como bigode chinês (laterais da boca) com uma enfermeira de sua cidade.

"Já tinha feito um procedimento na papada com ela, deu tudo certo. Ela viu que eu tinha um número considerável de seguidores e me procurou perguntando se eu tinha vontade de fazer alguma outra coisa, em troca de eu marcá-la em uma postagem", relembra.

Na consulta, a profissional, diz Poliana, foi listando os supostos problemas em seu rosto e aplicando injeções no queixo, no nariz e nas linhas verticais no bigode chinês.

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Até então, tudo bem. Cerca de dois meses depois, fez um retoque nesse último ponto. "Já saí do consultório com dor de cabeça."

No dia seguinte, seu nariz estava roxo. A dor era fulminante. Dias depois, voltou à clínica com a pele necrosada.

Encontrou um médico que pudesse cuidar do seu caso e começou o processo de reconstrução. Passou por uma operação em que foi colocado um enxerto de pele na lateral esquerda do nariz. "Já me senti muito feia, monstruosa. Ainda tenho dificuldade para respirar", diz Poliana, que processou a profissional recentemente.

"Hoje eu sei que esse bigode chinês é algo normal. Não precisava mexer. Então meu conselho é para cada um aceitar sua anatomia. A gente vê defeito onde não tem e por aí há muitos picaretas querendo tirar nosso dinheiro."

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