Missionário diz curar estudantes dentro de escolas em nome de Jesus
Lucas Teodoro nasceu em Goiânia, tem 21 anos, é evangelista, influencer e fundador de uma organização missionária que prega para crianças e adolescentes no ambiente escolar em 15 estados.
Mas não é só isso. Ele também afirma operar milagres.
"Você vai voltar a enxergar normalmente, em nome de Jesus", promete a um aluno da rede estadual de Goiás que aceitou ser "curado" durante culto promovido na escola onde estuda.
O momento foi gravado e faz parte da galeria publicada em sua conta do Instagram, que reúne 449 mil seguidores.
No vídeo, Lucas coloca as mãos sobre o olho direito do garoto e garante que ele voltará a enxergar normalmente. Não fica claro qual era a dificuldade do aluno, que, após responder a "testes de visão", afirma ter melhorado.
A cena ocorreu em setembro de 2023, diz a publicação. Desde então, outros três vídeos foram postados sugerindo milagres em cultos promovidos por Lucas em igrejas evangélicas. Ele é fiel da Assembleia de Deus.
Em publicação postada em março de 2024, o missionário afirma "devolver a audição" ao ouvido direito de uma jovem. Em outro, "declara cura" sobre o pulso de uma garota que dizia sentir dores. Tudo em nome de Jesus.
Em entrevista ao UOL, Lucas Teodoro afirma que as curas são possíveis mediante fé e oração.
Nós oramos e eles são curados. Tivemos um aluno que voltou a enxergar, outro que tinha problema na perna e voltou a andar. Temos vivido esses milagres dentro das escolas, o que fortalece ainda mais a fé dos alunos
Lucas Teodoro, missionário evangélico
Segundo o Código Penal, a prática do curandeirismo é crime, com pena prevista de seis meses a dois anos. Mas Lucas nega.
"Não sou curandeiro. Não falei que curei. Quem cura é Cristo. Se a pessoa tiver fé, ela pode ser curada", afirma o influencer, que diz frequentar também escolas da rede municipal de Goiânia.
"Retórica inadequada"
Para a advogada constitucionalista Adriana Cecilio, a retórica de Lucas é absolutamente inadequada e deveria ser impedida pela direção da escola.
"O crime de curandeirismo ocorre quando se vende a ideia da cura a partir de expedientes místicos. A escola deveria impedir esse tipo de fala, que é preocupante", afirma.
Procurado, o Ministério Público de Goiás afirmou não ter nenhum procedimento aberto para apurar a realização de cultos em escolas públicas nem a conduta de Lucas Teodoro.
A Secretaria de Educação de Goiás afirmou não ter parceria com a Aviva School, organização missionária fundada por Lucas, para promoção de palestras nas escolas da rede, mas informou que os gestores podem atender a demandas específicas da comunidade escolar.
A Prefeitura de Goiânia não respondeu à reportagem.
Culto começa como palestra motivacional
Apesar de jovem, Lucas diz já ter sete anos de experiência na função de evangelizar, que encara como uma profissão.
"Aos 14 anos, entendi o que Cristo fez por mim naquela cruz, e foi aí que nasceu em mim o desejo de anunciar o evangelho", conta. A lista inclui a cura de um câncer.
Nesses sete anos, Lucas diz ter pregado em mais de cem escolas e visitado 21 países com o mesmo intuito. Em seu perfil no Instagram, há vídeos dele com um megafone nas mãos nas ruas de Roma, Valência, Paris, Milão e Lausanne (Suíça).
Fundador da Aviva, que afirma ser uma organização missionária para evangelização global, Lucas tem os jovens como foco de seu trabalho.
Ele diz ter alcançado mais de 10 mil alunos desde setembro de 2022 via Aviva School —braço dedicado à pregação em escolas.
"O trabalho não funciona como um culto religioso. Entramos por meio de uma palestra motivacional, que vai ajudar os alunos que estão com depressão e ansiedade, por exemplo. Não falo só da palavra de Deus. Porém, como resposta, eu trago uma mensagem de fé", conta.
Estratégia de pregar em escolas é incentivada por pastores
A estratégia de se apresentar como palestrante e não como pastor para pregar em escolas é seguida por outros influencers evangélicos, como Guilherme Batista, Nicole Abiel Duarte, Milena Amorim e Douglas Borges.
"A escola é o nosso maior campo missionário", afirma Douglas, que é cantor e pastor da Assembleia de Deus.
"Virou uma febre. Os pastores, líderes religiosos, estão conversando com seus jovens e dizendo para eles que, durante os intervalos, façam movimentos bíblicos cristãos. O movimento não é novo, mas está crescendo por causa da internet."
Lucas e Guilherme vão além. Ambos já oferecem treinamento a jovens interessados em acessar escolas para evangelizar. As turmas costumam ter até 50 inscritos, que são orientados sobre como abordar crianças e adolescentes.
"Fazemos o contato com os diretores e assim vai acontecendo. Não existe um roteiro determinado. Tudo é bastante informal e gratuito", afirma.
Guilherme Batista, no entanto, tem uma associação filantrópica e pede doações via Pix pela internet. Também promove rifas pelas redes sociais.
Segundo Douglas, a cidade de Goiânia hoje é referência nesse tipo de pregação, apesar de os intervalos bíblicos terem virado notícia em Pernambuco, após o Ministério Público do estado apurar eventuais excessos na prática.
O promotor Salomão Ismail Filho, responsável pelo caso, afirmou ao UOL que a intenção não é proibir os encontros, mas garantir que não haja excessos.
Ele cita como exemplos disso o uso de música alta e a participação de convidados externos, além de qualquer tipo de proselitismo (ação de catequizar o próximo), que é vetado pela Constituição.
A laicidade nas escolas públicas é assegurada pela Constituição Federal e também pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que regulamenta o ensino religioso, mas determina matrícula facultativa e diversidade religiosa.
Bíblia nas escolas vira bandeira política
Enquanto fiéis e pastores promovem intervalos bíblicos em escolas, parlamentares e governantes da direita à esquerda prometem e até sancionam leis que incluem a Bíblia no rol de livros a ser estudado nas redes pública e privada.
Em novembro passado, o prefeito de Rio Branco, Tião Bocalom (PL), promulgou um projeto de lei que prevê a disponibilização da Bíblia nas bibliotecas municipais das escolas.
Conforme o texto, o uso do livro contribui para o "desenvolvimento de valores éticos, morais e culturais" e deve ser praticado de forma facultativa, com respeito à diversidade de crenças e à laicidade do Estado.
A lei não trata de outros livros considerados sagrados, como o Alcorão (islamismo) ou o Torá (judaísmo).
O UOL tentou falar com Bocalom, mas o prefeito está em recesso. No dia da sanção da proposta, ele afirmou ser "regido pelos princípios cristãos".
A Procuradoria da República no Acre entrou com ação na Justiça pela inconstitucionalidade da lei.
No Ceará, a Assembleia Legislativa aprovou projeto semelhante em agosto de 2024 com o apoio do governador Elmano Freitas (PT). Nesse caso, porém, uma alteração no texto original assegurou a compra pelo estado de outros livros sagrados.
Ambas as legislações foram propostas por pastores evangélicos.
Assegurar em lei que a Bíblia seja consultada por alunos da rede pública de ensino é estratégia comum entre parlamentares cristãos de todo o país.
Essas tentativas têm sido combatidas pelos Ministérios Públicos Estaduais e pela Procuradoria da República.
Só no ano passado, o Tribunal de Justiça de São Paulo considerou inconstitucionais três projetos de lei aprovados nas cidades de Assis, São José do Rio Preto e Sorocaba que obrigavam escolas públicas a oferecerem a Bíblia em suas bibliotecas.
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