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Medo e glamour: por que vemos poucas denúncias de assédio sexual na música?

A reação ao caso P. Diddy, rapper e produtor musical norte-americano acusado de ser o mentor de um esquema de tráfico sexual e extorsão, escancara o ambiente de abuso na indústria musical e pode quebrar o pacto de silêncio, inclusive no Brasil.

Uma pesquisa da UBC (União Brasileira de Compositores), divulgada em 2023 com 250 artistas, aponta que 76% das profissionais da música disseram já ter sofrido assédio sexual.

"O assédio não vem só do artista, vem da cadeia toda. Quanto mais poderosa é a figura da indústria, mais suscetível fica a vítima", diz a produtora musical Mila Ventura, coordenadora do estudo.

"Os abusadores querem te fazer acreditar que, se você disser 'não' para um abuso, ou se denunciar, é o fim da sua carreira. Não pode ser mais assim", afirma a cantora Paula Lima, presidente da UBC.

Art Popular e Twister

O caso de maior repercussão recente no Brasil é o de Leandro Lehart, do grupo de samba Art Popular, condenado por estupro em segunda instância em setembro de 2024. Ele nega a acusação.

A denúncia de Rita de Cássia Corrêa, 42, se tornou pública em 2022. Ela diz que era fã de Lehart, fez elogios ao trabalho dele nas redes sociais e começou a trocar mensagens com o cantor.

Luciana Terra, advogada que representou Rita, relata ao UOL que Lehart cometeu a violência sexual aproveitando-se de uma relação de admiração artística.

"Ela era pianista amadora e ele a convidou para o estúdio dele", diz a advogada. O estupro pelo qual ele foi condenado aconteceu em 2019.

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"No meio artístico há um esforço de se naturalizar o abuso, fazer parecer normal. A solução é trazer informação para mais vítimas aparecerem e mostrar que é inaceitável."

Sander Mecca, ex-Twister
Sander Mecca, ex-Twister Imagem: Reprodução/Instagram

Quando a vítima é homem

Homens, especialmente jovens, também são vítimas silenciosas dos abusos na indústria musical.

Sander Mecca, ex-líder da boy band Twister, diz ter sofrido violência sexual aos 16 anos.

O Twister foi formado em 1999, quando Sander tinha 15 anos. Ele conta que um empresário foi à casa de seus pais e os convenceu de que iria investir e realizar o sonho do adolescente.

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Sander diz que ficava preso na casa do empresário e não podia falar com ninguém sem a presença dele. "Ele me dava bebida aos 15 anos. Eu não sabia o quanto isso era bizarro."

Segundo o cantor, o empresário lhe dizia que, para ser famoso, é preciso "pagar o preço". "Ele dizia que já tinha transado com os caras dos Menudos, para que eu achasse que isso era normal, mas eu fugia."

O dia fatídico foi quando a banda assinou o contrato com a gravadora.

Só faltava a minha assinatura. Ele disse que era a hora de eu 'pagar o preço' ou ficaria fora desse sucesso. Sander Mecca ex-Twister

Sander nunca fez uma denúncia formal e hoje tem medo de dizer o nome do empresário, pois o crime prescreveu.

"Naquela época, dos anos 1990, o abuso era um tema que não se abordava", diz.

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Quando o abuso é a regra

A dificuldade de entrar no mercado faz aumentar o medo de denunciar. No Reino Unido, por exemplo, 81% das vítimas de assédio sexual apresentaram denúncia. O medo do impacto negativo na carreira é uma constante.

Entre a minoria que não se calou, 63% das vítimas ficaram insatisfeitas com o resultado da denúncia. E o pior: 39% disseram que o próprio trabalho foi prejudicado após a queixa.

A maioria não quer dizer nada porque tem medo de isso destruir completamente sua carreira Cassandra Jones criminologista inglesa, coautora do estudo

"O abuso na música não é só normal como é o esperado. Ele é a regra. As vítimas só tentam lidar com ele", diz sua colega, a psicóloga britânica Kallia Manoussaki.

Vem aí #MeToo, o musical?

O movimento #MeToo derrubou o produtor de filmes Harvey Weinstein, o ator Kevin Spacey e outros do cinema e TV a partir de 2017.

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A diferença leva à dúvida: por que predadores sexuais da música foram menos afetados do que os de outros setores do entretenimento?

O ambiente de festas e eventos noturnos da indústria musical se baseia em uma rede de casas de shows, selos, estúdios e produtoras em que há pouco controle e regulação, explica Kallia.

Não tem um escritório de RH onde a pessoa possa ir e pedir para tomar uma atitude. Abusos ainda são vistos como parte do "estilo de vida" do artista ou do executivo visionário que vai decidir. Kallia Manoussaki pesquisadora

Outra razão para a impunidade crescente na música: contratos de confidencialidade (NDAs, na sigla em inglês) para quem trabalha ou vai a eventos com grandes artistas. A ameaça de multa e retaliação assusta artistas.

O processo contra P. Diddy apontou que ele forçava pessoas ao seu redor a assinar NDAs que as proibiam de fazer qualquer crítica ao cantor enquanto ele estiver vivo e até 20 anos depois de ele morrer.

P. Diddy: possível ponto de virada

Sean Combs, conhecido como P. Diddy ou Puff Daddy, foi preso em setembro de 2024 em Nova York, acusado de tráfico sexual, extorsão e transporte para fins de prostituição. O julgamento deve acontecer em 2025.

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P. Diddy era famoso por promover grandes festas no fim dos anos 1990 e início dos 2000, com famosos como Mariah Carey, Paris Hilton, Jennifer Lopez (sua ex-namorada), Jay-Z e Beyoncé.

A principal acusadora é sua ex-namorada, a cantora Cassie Ventura. Ela tinha contrato com o selo de Diddy e descreveu uma relação de mais de dez anos de violência e controle.

Ela diz que Diddy a drogava, forçava a praticar atos sexuais degradantes e a ameaçava caso tentasse fugir ou denunciar.

P. Diddy
P. Diddy Imagem: Paras Griffin/Getty Images

A Promotoria de Nova York não diz quantas pessoas além de Cassie denunciaram o rapper, mas um único advogado diz representar mais de cem vítimas.

'Estava na cara'

O excesso de teorias da conspiração sobre o caso P. Diddy pode ter um efeito ruim, de ampliar a naturalização do abuso neste mercado, alerta Paula Lima

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"As pessoas podem pensar: 'Eu sentia isso e é muito pior do que eu imaginava. Não tem jeito", diz Paula.

Mesmo assim, ela considera que o risco é menor que o avanço na luta contra o abuso, caso P. Diddy seja condenado em 2025.

"Surreal como rolava há décadas e só vazou agora. Não pode mais ser normal alguém seguir a carreira assim. Que outros vejam e saibam que uma hora a casa cai", diz Mila.

"Estava na cara de todo mundo, assim como muitos casos menores estão, todos os dias. Pense em quanto potencial se perde, pois essas pessoas vão embora do mercado. Precisamos melhorar os mecanismos de denúncia", entende Kallia.

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