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Os áudios que implicaram Marçal em esquema de fraudes bancárias

O UOL teve acesso aos grampos telefônicos da investigação da Polícia Federal que levou à prisão de Pablo Marçal (PRTB), em 2005, por participação em um esquema de fraudes bancárias em Goiás.

Nos áudios, obtidos por meio de acesso à íntegra do processo na 11ª Vara da Justiça Federal de Goiânia, o coach e candidato à Prefeitura de São Paulo conversa com o líder da quadrilha, Danilo Oliveira, que também era pastor de uma igreja frequentada por Marçal.

Ele confirma ao chefe que está capturando emails para os golpistas ("o negócio tá bom hoje"), recebe críticas pelo trabalho ("muito ruim, tem que prestar atenção nisso aí") e é repreendido por usar o apelido "Delegado Federal" em conversas de MSN Messenger ("tira essa p***!").

Em outro diálogo, pede dinheiro ("uns quarenta conto") a Danilo.

O teor de duas dessas conversas, em que o pastor reclamava da qualidade do trabalho de Marçal, foi publicado em 21 de agosto pelo jornal O Globo, mas sem os áudios.

As gravações obtidas pelo UOL também indicam apreensão de Marçal com as primeiras prisões que atingiram o grupo criminoso, na Operação Pégasus, deflagrada em agosto de 2005, quando ele tinha 18 anos.

Em uma das conversas interceptadas, ele recebe um puxão de orelha do pai por ter se envolvido com "hackers".

"Já saí daquilo", diz Marçal. "Já saiu?", insiste o pai. "Eu não quero nunca que você mexa com aquele troço. Honra teu pai e tua mãe."

Em 31 de agosto de 2005, Marçal foi preso em casa e solto em dois dias, depois de contar à PF como o esquema funcionava e de entregar integrantes da quadrilha.

Ele foi condenado em primeira instância a quatro anos e cinco meses de prisão por furto qualificado, em abril de 2010, mas não chegou a cumprir a sentença. Em 2018, teve a pena prescrita.

A reportagem procurou a campanha de Pablo Marçal por meio da assessoria de imprensa na sexta-feira (30) e no sábado (31), mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

Em uma entrevista à GloboNews na semana passada, o candidato admitiu ter errado quando foi confrontado com uma pergunta sobre a condenação. Mesmo assim, relativizou o episódio.

"Queria ser uma pessoa que nunca foi processada, um menino que nem peida. Mas não foi assim. Infelizmente, fui injustiçado. Muitas coisas na minha vida foi bobeira mesmo que eu fiz, todo mundo erra. A gente tem um presidente que fez a maior quadrilha e vocês tão pegando em coisa que eu peguei R$ 350 para ajudar na minha casa?", disse.

A confissão de Marçal

De acordo com seu depoimento à PF, Marçal captava endereços de email para que a quadrilha enviasse mensagens com o intuito de capturar os dados bancários dos usuários.

Marçal disse aos investigadores que Danilo Oliveira lhe explicou como funcionariam as fraudes.

"Danilo disse que 'Paco' (integrante da quadrilha) inicialmente iria subtrair emails de certos hackers para repassá-los a Danilo e também iria fazer programas invasores (SPAM), que simulariam páginas de instituições bancárias para com isso capturar os dados dos correntistas", afirmou em depoimento.

O coach admitiu, no interrogatório, que "passou a operar" um programa usado para capturar emails, que seriam alvo das tentativas de fraudes bancárias.

"Os emails capturados eram enviados a Danilo através do email do interrogado", disse.

Os diálogos gravados pela polícia, aos quais o UOL teve acesso, comprovam sua atuação no grupo criminoso.

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Imagem: 19.ago.2024-Danilo Verpa/Folhapress

CRONOLOGIA DOS ÁUDIOS

Em 3 de agosto, Danilo Oliveira, apontado como chefe do esquema e pastor de uma igreja, liga para a casa de Pablo Marçal o procurando.

Priscila: Alô.

Danilo: Quem fala?

Priscila: É a Priscila.

Danilo: Cadê o Pablo?

Priscila: O Pablo tá trabalhando lá no Danilo. Quem é?

Danilo: Danilo (risos).

Priscila: Ah, é você? Ah, ele não tá aqui, não.

Danilo: Ele tá com outro celular lá, não?

Priscila: Ele deixou o celular aqui ontem para carregar.

Danilo: Sei. Então tá bom. Ele tá sem celular, né?

Priscila: Tá.

Danilo: Tá bom, obrigado.

*
Em 16 de agosto, Marçal pede dinheiro a Danilo.

Danilo: Alô?

Marçal: Fala, pastor!

Danilo: E aí, garoto?

Marçal: Bom? Tá longe?

Danilo: Não, tô chegando em casa pra almoçar.

Marçal: Posso passar aí?

Danilo: Tô até meio sem dinheiro, do que você precisa?

Marçal: Ah, de uns 40 conto tá bom.

Danilo: Oi?

Marçal: Uns 40 conto tá bom.

Danilo: Só uns 40? 40 é muito... Tem que ser só uns 20...

Marçal: Então só arruma 30 e aí nós fica feliz.

Danilo: Chega aí pra nós ver o que que faz.

Marçal: Falou, então.

*
Em 19 de agosto, Danilo chama Marçal para 'trabalhar' na sua casa.

Danilo: Garoto, preciso de você urgente.

Marçal: Pó falar.

Danilo: Não, trabalhar, ué. Cê tá onde?

Marçal: Tô em casa.

Danilo: Então desce aqui para minha casa urgente.

Marçal: Então falou.

Danilo: Para nós organizar uns trem ali. Porque eu vou viajar domingo e preciso organizar uns trem e conversar com você.

*
TIRO NA BARRIGA

Em 20 de agosto, Marçal conta para a namorada que estava 'brincando' com um revólver.

Marçal: Eu estava brincando agorinha de atirar com revólver.

Namorada: Ah, é? Que brincadeira sem graça.

Marçal: Ele colocou o revólver em mim, e eu com colete. Aí ele tava fingindo um assalto. E eu fui tirar minha carteira, e ele pensou que eu estava dando uma de bobo. E eu arrumei a mão no revólver. Ele meteu bala. Ele pegou lá dentro da igreja. Aí eu fui atirar nele. Ele pensou que era esperto demais, né? Na hora que ele deu qualquer movimento, eu meti um tiro na barriga dele. Aí ele caiu para trás, porque é pesado levar um tiro no colete. Foi massa. Os meninos ficou doidinho.

*
CAPTURANDO EMAILS

Diálogo de 21 de agosto de 2005 entre Marçal e Danilo.

Marçal: Tô capturando aqui, chefe. Negócio tá bom. Negócio aqui em casa tá bom. Capturei hoje o dia inteiro.

Danilo: Mas tem que prestar atenção nas listas. Você vê, aquela lista que você fez, com o JC (software) aqui em casa, muito ruim. A minha que eu fiz, muito boa, tudo bom, quase tudo bom, entendeu? Tem que prestar atenção nisso aí, ver como que tá fazendo. O que é e tal. O segredo é olhar os webmail direitinho.

*

Após algumas prisões de integrantes do grupo, as interceptações telefônicas mostram como Marçal reagiu.

Ainda em 21 de agosto, Marçal é cobrado pela qualidade dos e-mails que está 'capturando'.

Danilo: Quero ver a produção de email capturado. Aquele email que você capturou no primeiro dia não tava bom, não.

Marçal: Da primeira vez?

Danilo: É.

Marçal: Os que eu tô pegando não tem como eu enviar de lá, não?

Danilo: É mais para capturar, filho.

Marçal: Então tá.

*
'PRIMOCORRERIA'

Diálogo de 24 de agosto de 2005 entre Marçal e Danilo.

Marçal: Faz o seguinte, eu coloco os que eu for enviar pra depois você entrar e enviar depois... Você fez dois emails, não fez? Eu entro no seu email, com a senha daquele 'primocorreria', mando dele pro meu, só que fica salvo dentro do seu. Aí esse 'primocorreria' é o que eu vou mandar. Agora os que eu for mandar pro 'primocorreria2' é pra você enviar. Entendeu?

Danilo: Beleza. Então se for mandar hoje já manda pro 'primocorreria2'.

Marçal: Eu vou mandar agora pro 'primocorreria2'.

*
BRONCA DO CHEFE

O usuário de Pablo no MSN Messenger era "Delegado Federal", o que provoca uma discussão entre ele e Danilo em uma das conversas.

Diálogo também de 24 de agosto de 2005 entre Marçal e Danilo sobre o nickname.

Marçal: Tô mandando seu trem aqui agora. Zipado, aqui. (...) Os capturados. (...)

Danilo: Tira essa porra de 'Delegado Federal' aí, pô.

Marçal: Ué, por causa de quê?

Danilo: Cê é doido.

Marçal: Vou tirar aqui, só por sua causa, então.

Danilo: Eu chego aqui e vejo essa porra de 'Delegado Federal' no meu MSN, rapaz.

Já em outra ocasião, Marçal é censurado por Danilo por ter enviado uma lista de emails que o chefe do grupo considerou ruim, o que quer dizer que o envio para esses endereços teria sido mal-sucedido ao coletar dados de vítimas.

*

CADÊ O CHEFE?

Em 25 de agosto de 2005, Marçal conversa com a mulher de Danilo sobre prisões efetuadas pela PF.

Vaneska: Tá sabendo de alguma coisa?

Marçal: Tô sabendo... que foi preso um monte de gente.

Vaneska: É?

Marçal: É.

Vaneska: O Jony tá no meio?

Marçal: Não tô sabendo, não.

Vaneska: Me falaram agora que o Jony tá. Me ligaram aqui pra não ir embora pra casa, a mulher do Nené.

Marçal: O Danilo tá bem?

Vaneska: Não sei, o celular dele tá cortado.

*
Ainda em 25 de agosto, Pablo conversa com pessoa não identificada sobre a ação da PF.

Interlocutor: Cê sabe da bomba, né?

Marçal: Não.

Interlocutor: A Polícia Federal arrombou a porta do apartamento lá.

Marçal: Mesmo?

Interlocutor: Mesmo.

Marçal: Nó.

*
Também em 25 de agosto, Danilo diz a Marçal que foi ruim o 'estouro' do apartamento dele.

Danilo: E aí, meu filho. Tá de boa?

Marçal: De boa, nada.

Danilo: Por quê?

Marçal: Cê não tá sabendo, não?

Danilo: Lógico que eu tô. Mas e aí? Por que que não é de boa?

Marçal: Uai, lá no Centro. Cê ficou sabendo?

Danilo: Mas fazer o quê? Tem que dar graças a Deus que não tem envolvimento. Entendeu?

*
'HONRA TEU PAI E TUA MÃE'

Em 26 de agosto, dias antes de ser preso, Marçal também conversou com seu pai, que falou para ele não se envolver com hackers.

Marçal: Já saí daquilo.

Pai de Marçal: Já saiu?

Marçal: Já

Pai de Marçal: Graças a Deus. Eu não quero nunca que você mexe com aquele troço. Mesmo que você trabalhe de servente, honra teu pai e tua mãe. O nome vale mais que ouro fino, prata fina, liga a televisão pra você ver.

O candidato à Prefeitura de São Paulo Pablo Marçal (PRTB), em caminhada pela avenida Paulista
O candidato à Prefeitura de São Paulo Pablo Marçal (PRTB), em caminhada pela avenida Paulista Imagem: YURI MURAKAMI - 28.ago.24/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO



Crime pela metade

O Ministério Público Federal denunciou Marçal pelos crimes de furto qualificado, associação criminosa e quebra de sigilo indevido de instituições financeiras.

Condenado em 2010 por furto qualificado, ele não chegou a cumprir pena.

Em fevereiro de 2018, o TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) reconheceu a prescrição da pena de Marçal: como ele era menor de 21 anos na época do crime (tinha 18 anos), o prazo prescricional é contado pela metade.

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Imagem: Arte/UOL

Os outros acusados

O MPF denunciou, ao todo, nove pessoas. À exceção de Marçal, todos foram condenados por furto qualificado e formação de quadrilha.

Em junho de 2010, a Justiça Federal em Goiás reconheceu a prescrição da pena por quadrilha de seis dos condenados, mantendo as penas por furto.

Ainda há recursos pendentes de julgamento pelo TRF-1.

Chefe entregou Marçal

Em seu depoimento antes de ser solto, Marçal confessou sua participação no esquema.

Depois, mudou de versão e passou a dizer que só fazia manutenção dos computadores da quadrilha.

Sua participação, porém, foi comprovada nos grampos e pelo depoimento de Danilo, que entregou a participação do coach no esquema.

"Eu falei que capturava emails — que não era eu, no caso, era outra pessoa que fazia pra mim", contou Danilo.

Seguiu, em outro trecho:

"Eu não cheguei a fazer [captura de emails]. Eu tinha uma pessoa, que é o Pablo, que tá sendo indiciado, que fazia pra mim. Ele capturava emails. Isso aí é bom falar mesmo, porque quando eles me prometeram vender o programa, falou 'ó, cê vai capturando emails aí, que quando você tiver uma lista boa de emails, eu vou mandar um programa pra você'. Então eu peguei, coloquei dois computadores na [casa na rua] Pouso Alto e pus o Pablo para capturar pra mim, que ele tinha maior conhecimento de informática."

Depois, o próprio Pablo se confundiu e acabou se entregando, quando disse que, a partir de uma senha, outro integrante da quadrilha passou a ter acesso "a todas as contas bancárias que seriam fraudadas por Danilo e Nenê".

Em outro momento, ele chamou a atividade do grupo de "esquema montado por Danilo".

As derrapadas foram usadas pelo juiz para rejeitar a tese da defesa de Marçal, de que ele era apenas um prestador de serviços.

"Até porque, com os conhecimentos que [Pablo Marçal] detinha em informática, possibilitava-lhe claramente compreender a perfeita dimensão do que ocorria, ainda mais com os programas maliciosos existentes nos computadores, não sendo razoável capturar tantos emails para fazer simplesmente a publicidade de um médico que viajava com frequência, conforme afirmado por ele", concluiu o magistrado.

O que diz Marçal

A campanha de Pablo Marçal não respondeu aos pedidos de comentário feitos pela reportagem por WhatsApp na sexta (30) e no sábado (31), mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

Em ocasiões anteriores, Marçal disse a jornalistas que "não teve lucro" com sua participação no esquema.

"Ano que vem, que é 2025, vai fazer 20 anos disso. Eu ganhava R$ 350 trabalhando para esse cara. Ele me colocava para consertar computador e pedia algumas coisas. Lá na sentença está escrito que eu não auferi lucro nenhum", afirmou.

No processo, a defesa de Marçal argumentou que baixar listas de emails não configura infração penal.

"[Ele] era unicamente encarregado de promover a manutenção dos computadores de Danilo e arrecadar listas de endereços eletrônicos, trabalhando, assim, como prestador de serviços", argumentou a defesa.

A defesa ainda afirmou que Marçal nunca efetuou quebras de sigilo bancário indevidas e que inexistiam provas do cometimento de crime.

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