Crise Silvio-Anielle expõe influência de Janja e disputa de poder
A primeira-dama Janja está no centro da crise envolvendo os ministros Silvio Almeida (Direitos Humanos e Cidadania) e Anielle Franco (Igualdade Racial), que culminou com denúncias de assédio sexual contra o ex-chefe da pasta de Direitos Humanos nesta quinta-feira (5).
O presidente Lula exonerou Almeida nesta sexta-feira (6).
Trata-se de uma disputa de poder anterior à crise atual.
Janja é amiga de Anielle e, segundo fontes, foi uma das primeiras pessoas a saber das supostas importunações sexuais cometidas pelo ex-ministro contra a colega.
A assessoria de Janja não retornou o contato do UOL.
A primeira-dama é apontada como a responsável pela indicação de Anielle ao ministério, bem como pelo ingresso dela no PT.
Após as denúncias, ela postou no Instagram uma foto beijando a ministra.
A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, outra aliada de Janja na Esplanada, também publicou foto ao lado de Anielle.
A ONG Me Too afirma que recebeu denúncias de mulheres acusando Silvio Almeida de assédio sexual.
A luta contra a violência sexual é uma das bandeiras de Janja. Ela exerce influência sobre as pastas comandadas por Anielle e Cida.
Mas, distante de Silvio Almeida, não tem força no Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.
Uma pessoa ligada ao Planalto disse ao UOL que esta "é a maior crise, a mais delicada deste governo".
"Envolve duas figuras negras e duas pastas sensíveis."
Silvio Almeida estava isolado no governo desde o começo da gestão e enfrenta resistência do PT e do PSB de São Paulo.
Articulação
Fontes relatam que Almeida atribuiu as denúncias a uma "articulação política" da qual fazem parte membros do Prerrogativas, grupo liderado pelo advogado Marco Aurélio de Carvalho.
Marco Aurélio é um dos melhores amigos de Janja.
Procurado pela reportagem, o coordenador do Prerrogativas não quis comentar.
Fontes indicam que ele tem dito ao grupo que aguarda as apurações dos fatos.
Em vídeo postado nas redes sociais após as denúncias virem à tona, Sílvio Almeida mencionou um grupo interessado em atacá-lo.
Ele teria se referido ao fato de que a advogada Marina Ganzarolli, também integrante do Prerrogativas, é diretora da Me Too Brasil.
Almeida acusa a ONG de tentar interferir no resultado da licitação para o Disque 100.
O Me Too Brasil afirmou em nota que o ministro tenta "desviar o foco e atacar o mensageiro".
O ex-ministro tem falado a interlocutores que as denúncias têm relação com discordâncias quanto à condução da agenda racial e à luta pela influência junto ao presidente, mediada por Janja.
Ele sustenta que as denúncias de assédio moral na pasta, reveladas nesta semana pela reportagem do UOL, têm a mesma motivação.
A relação entre Silvio e Anielle
Anielle Franco também integra o Prerrogativas.
A entrada dela no grupo ocorreu em 21 de setembro de 2023, horas depois da saída de Almeida, na sequência de um desentendimento entre os integrantes no grupo de WhatsApp.
Na tarde daquele dia, a jurista Gisele Cittadino, professora de Direito da PUC-Rio, criticou o governo Lula.
Ela reclamava da ideia de privatização de presídios, mencionando uma "elite racista, sem nenhum compromisso nacional", que só "enxerga o próprio bolso".
Na mensagem, marcou Almeida.
"A forma como me marca dá a entender que somos 'irresponsáveis' por não pronunciarmos sobre algo que sequer sabemos do que se trata", escreveu o ex-ministro.
Na sequência, ele deixou o grupo.
Embora atuem no mesmo campo, as duas pastas — Direitos Humanos e Igualdade Racial — não trabalham de forma conjunta.
As discordâncias entre os dois ministros, segundo fontes do governo ouvidas pelo UOL, começaram a se aprofundar em meados de 2023, antes do episódio no grupo de WhatsApp do Prerrogativas.
Há uma disputa por importância política na esquerda.
Almeida se considera a maior autoridade em questões raciais no Brasil, ao passo que Anielle Franco é irmã de Marielle Franco, principal símbolo contra o bolsonarismo.
Em julho de 2023, cogitou-se em Brasília a saída de Almeida do ministério. Ele era chamado pejorativamente de "acadêmico demais" para o cargo, além de ser acusado de não ter proximidade com movimentos sociais.
Na época, pessoas próximas a ele diziam que o PT de São Paulo e o PSB queriam aproveitar o momento de reorganização ministerial para conquistar a pasta.
O ministério, apesar do orçamento limitado, tem visibilidade e é cobiçada por políticos progressistas.
Em setembro, uma servidora da pasta comandada por Anielle fez uma postagem debochando da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) durante voo em avião da FAB (Força Aérea Brasileira).
A atitude da servidora, que foi exonerada, foi criticada no ministério de Silvio. O comentário era de que aquele era o comportamento padrão na pasta de Anielle.
Em novembro, a pasta dos Direitos Humanos foi alvo de críticas por custear a ida de Luciane Barbosa Farias, casada com o homem apontado como líder da facção Comando Vermelho no Amazonas, a um evento oficial na capital federal.
"Começaram ali as comparações entre os estilos dos dois ministros", disse uma fonte do governo, ao UOL, reservadamente.
A reportagem apurou que a situação se agravou no final de 2023. Foi quando começou a circular em Brasília a informação de que o ex-ministro teria importunado sexualmente a colega de Esplanada.
Membros do primeiro escalão do governo já sabiam da denúncia. Procurada desde maio pela reportagem, a ministra nunca confirmou nem negou a informação. Também não deu entrevista.
A convivência dos dois no governo se restringia apenas a agendas públicas, sempre distantes. A última delas foi no final de agosto, na Bahia, na Conferência da Diáspora Africana nas Américas.
Durante o discurso de Silvio, Anielle passou boa parte do tempo olhando para outro lado.
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