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Vítima ou chefe? As versões de Cariani e da PF sobre esquema de tráfico

A Polícia Federal coloca o empresário e influenciador fitness Renato Cariani como um dos líderes, e não vítima, como ele afirma, de um esquema de desvio de produtos químicos para tráfico de drogas.

Cariani, 48 anos, virou réu em fevereiro acusado de tráfico de drogas, associação para o tráfico e lavagem de dinheiro.

Em entrevista exclusiva ao UOL, o influenciador diz ter sido enganado por criminosos que usaram sua empresa para abastecer o esquema.

"Quero ser julgado, ter justiça, receber minha honra de volta, devolver meu nome e ter paz", diz.

Segundo a PF, a empresa da qual Cariani é sócio, a Anidrol, simulava vendas de produtos químicos para desviá-los para o processamento de cocaína e crack.

O UOL teve acesso a todos os documentos da investigação com informações inéditas sobre o caso.

O que diz a PF

  • O esquema era operado por três empresas: a Anidrol e duas empresas ligadas a ela, a Quimietest e a Anid Labor -- Tatiane Cariani, mulher do influenciador, foi sócia de ambas;
  • As fraudes tiveram participação de falsos representantes de farmacêuticas, e a maior parte das vendas é em nome da AstraZeneca;
  • O pagamento pelos produtos era feito com depósitos em dinheiro vivo, usando até CPFs de pessoas mortas e políticos;
  • Fabio Spinola Mota e Danilo Couto, amigos de Cariani, aparecem na investigação como peças-chave no esquema: Fabio teria usado nome falso para se identificar como representante da AstraZeneca, e Danilo é apontado como possível elo com traficantes do PCC.

Cariani e sua sócia na Anidrol, Roseli Dorth, apresentaram à Justiça trocas de emails com os falsos representantes de farmacêuticas, as notas fiscais emitidas no período e documentos dos bancos identificando pagamentos.

O que diz Cariani

  • A Anidrol emitiu nota fiscal e informou as vendas no sistema usado pela Polícia Federal para monitoramento de produtos controlados -- a própria PF só percebeu irregularidades após mais de 40 transações;
  • Os representantes falsos das farmacêuticas apresentaram documentos exigidos por lei para a compra dos produtos e enganaram a Anidrol;
  • Comprovantes de depósitos bancários suspeitos chegaram a trazer o nome da AstraZeneca (a investigação da PF confirma que a farmacêutica multinacional é vítima de fraude).

O caso tramita na 3ª Vara Criminal de Diadema (SP) e nas próximas semanas vai para Brasília. Cariani contratou como advogado o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, que entrou com um habeas corpus para anular o processo.

O pedido foi negado, mas Cardozo recorreu ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).

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Imagem: Arte/UOL

Possível elo com PCC

Interceptações telefônicas feitas pela PF mostram que Danilo Couto, amigo e subordinado de Cariani, negociou produtos da Anidrol com um homem identificado como Zinho.

Zinho é apontado pelas autoridades como um possível elo com o PCC. Danilo é sócio da Anid Labor, uma das três empresas investigadas no esquema, e ex-funcionário de logística da Anidrol.

Sua mulher, Elen Maria Couto Rosa, era sócia da outra empresa envolvida, a Quimietest, e trabalhou como representante comercial da Anidrol.

Nas conversas interceptadas pela polícia, Danilo e Elen tratavam Cariani como chefe.

Os dois aparecem buscando orientações sobre fiscalizações e retiradas de produtos com os sócios da Anidrol. Cariani admite as relações com as duas empresas, que segundo ele eram distribuidoras da Anidrol.

O influenciador nega, entretanto, conhecimento de irregularidades cometidas pelo casal.

"Eram pessoas excelentes, evangélicos. Nunca imaginei (...) O Danilo trabalhou um período na Anidrol para organizar o sistema de logística. Depois, saiu da empresa, e ele e a Ellen montaram um braço de distribuição da Anidrol", completa.

A polícia pediu o prosseguimento das investigações e instaurou um segundo inquérito policial para investigar Elen e Danilo.

Cariani e Roseli dizem que podem ter sido enganados pelo casal. Desde o último dia 8 de agosto, eles pedem à Justiça acesso ao inquérito que investiga Danilo e Elen, mas os pedidos foram negados.

Danilo e Elen foram procurados três vezes pelo UOL por meio de seus advogados, mas não se pronunciaram.

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Imagem: Arte/UOL

Placas frias e documentos falsos

Sediada em Diadema (SP), a Anidrol emitiu 60 notas fiscais entre 2014 e 2019 pela suposta venda de produtos químicos para as farmacêuticas AstraZeneca, LBS Laborasa e Cloroquimica.

Segundo as autoridades, mais de 12 toneladas de produtos químicos foram desviadas.

Essas empresas nunca fizeram pedidos, pagamentos ou receberam a mercadoria. Mas os produtos foram retirados na sede da Anidrol, segundo a investigação, por veículos com placas frias e motoristas com documentos falsos.

Cariani e Roseli Dorth, sócia da Anidrol, admitem que não checaram os veículos e motoristas que retiraram os produtos.

"Nenhuma empresa faz isso. Imagina o setor de expedição, tem um caminhão atrás do outro. Nenhuma empresa para o caminhão, entra no site do Detran para levantar a placa. Tem que despachar 150 notas por dia", diz Cariani ao UOL.

As defesas de Cariani e Roseli afirmam que não havia como saber que os pagamentos pelos produtos não eram feitos pela AstraZeneca.

Documentos fornecidos pelo Bradesco, banco da Anidrol, mostraram a multinacional como autora dos pagamentos, e não os CPFs fraudados de pessoas físicas.

Em duas ocasiões a Anidrol perguntou diretamente ao banco quem era autor dos pagamentos — o banco indicou a própria farmacêutica em ambas.

A tese da defesa é de que tanto a Anidrol quanto o banco e a própria AstraZeneca foram vítimas de fraude dos criminosos.

 Fabio Spinola Mota e Renato Cariani
Fabio Spinola Mota e Renato Cariani Imagem: Rede sociais/Reprodução

Amigo é pivô no esquema

Outra peça-chave no esquema, segundo a investigação, é Fabio Spinola Mota.

Fabio era amigo de Cariani, que o chamava de "Fabinho", em conversas interceptadas pela PF. Eles fizeram viagens juntos a Cancún, no México, com as esposas e mantinham contato.

Ele também é réu no caso junto de sua esposa, Andreia Domingues, e de um funcionário deles, Rodrigo Gomes Pereira.

Fábio é acusado de forjar a identidade "Augusto Guerra" como representante da farmacêutica AstraZeneca para, junto com Andreia e Rodrigo, articular o desvio de produtos para o tráfico de drogas e movimentar dinheiro no esquema.

Mota chegou a ser preso em maio de 2023. Ele é alvo de outra investigação da PF, também sobre tráfico de drogas, numa operação que o liga a um ex-chefe do PCC.

A defesa do casal diz que ambos são inocentes e que Mota não tem ligação com o tráfico. Segundo a advogada deles, Maria Carolina Ruiz, o celular apreendido pela PF e usado para ligar Mota à identidade de Augusto Guerra não pertencia a ele, mas à sua loja de veículos, e ficava à disposição de funcionários

Cariani apresentou à Polícia Federal trocas de email nas quais negociava produtos com Augusto Guerra, que dizia representar a AstraZeneca com o email augustoguerra@astrazenecabrasil.com.br.

Além do email corporativo, Guerra apresentou material publicitário, contrato social e licenças em nome da farmacêutica.

O influenciador diz que foi induzido ao erro. A AstraZeneca jamais teve um Augusto Guerra em seu quadro de funcionários.

O domínio do email (astrazenecabrasil.com.br) não pertence à empresa. O endereço foi registrado em 2014 por meio do CPF de um homem que morreu em 2007.

A Polícia Federal apreendeu um celular que pertencia a Fabio Spinola Mota e descobriu que o email de Augusto Guerra era operado por ele.

Cariani, entretanto, diz que o homem que se apresentou na sede da Anidrol como Augusto Guerra era outra pessoa.

"Ele parecia ser um homem de meia idade alto e meio calvo. Eu já conhecia o Fabio, e a pessoa que se apresentou como Augusto era absolutamente desconhecida para mim", disse.

Cariani se apoia nas trocas de emails para reforçar a tese de que não tinha conhecimento de que Fabio e Augusto eram a mesma pessoa.

A reportagem teve acesso às conversas. O influenciador chega a pedir que Augusto agende uma visita na sede da AstraZeneca, negocia preços e oferece outros produtos que não são usados no processamento de drogas.

A pedido de Augusto, a Anidrol chega a preencher um questionário de fornecedores da AstraZeneca.

A rede de Fabinho

A investigação também encontrou movimentações financeiras suspeitas entre Mota e a empresa de Cariani.

Em março de 2020, a Anidrol emitiu uma nota fiscal vendendo 200 litros de acetona e 300 litros de éter etílico à farmacêutica Laborasa.

O valor era de R$ 38,7 mil. A quantia foi depositada na conta da Anidrol por Rodrigo Pereira, um funcionário de Mota.

Pereira não tem relação com a Laborasa. Esse valor foi transferido na mesma semana pela Anidrol a uma segunda empresa, chamada CCJ Trading, que depois repassou R$ 24 mil para Andreia, a esposa de Mota. Cariani explicou essa transação e forneceu documentos que corroboram sua versão.

A Laborasa chegou à Anidrol por meio de um representante falso chamado Fernando Alves.

A exemplo do que aconteceu com Augusto Guerra e a AstraZeneca, o falso comprador fez pedidos. Cariani não participou dessa operação, que foi conduzida pelo departamento de vendas. Na época, a Anidrol já era alvo de investigação devido às vendas à falsa AstraZeneca.

Por isso, quando recebeu o depósito de Pereira, vetou o negócio. O valor foi devolvido a Pereira por meio de um cheque, que depois foi repassado à CCJ Trading.

O influenciador fitness Renato Cariani
O influenciador fitness Renato Cariani Imagem: Reprodução / Instagram

Cariani afirma que não conhece Pereira, a CCJ trading ou qualquer pessoa envolvida com ela.

A operação não é a única venda feita pela Anidrol paga com depósito de Rodrigo Pereira.

O valor total de operações envolvendo o funcionário de Fabio Mota foi de R$ 95,7 mil, com notas emitidas para a AstraZeneca e para a Laborasa. As duas farmacêuticas afirmam que não tiveram conhecimento das operações.

"A gente não consegue verificar uma atividade criminosa nessa movimentação. Na verdade, a gente nem teve acesso a esses depósitos no curso na investigação", diz Marcos Jesuíno, advogado de Pereira.

O advogado não confirma que esses depósitos tenham sido feitos pelo seu cliente. Há outras operações suspeitas.

Uma conversa gravada em fevereiro de 2018 flagrou Danilo Couto operando, segundo ele, sob ordens de Cariani.

Ele orientava pessoas sobre a retirada de produtos vinculados a uma nota fiscal falsa emitida em nome da AstraZeneca. A proprietária do veículo Renault que iria buscar os produtos era Andreia Domingues, a esposa de Mota.

"Isso é aquela situação que eu falei da placa, né? Não tem como você conciliar a placa na hora. O que que nós vemos no carro: se o carro é fechado. Produto químico para fins farmacêuticos você só pode receber com carro fechado. Se o motorista é habilitado, se ele tem o kit de segurança que faz parte do produto químico", justifica Cariani.

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