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Exclusivo: Cariani rebate detalhes de acusação e se diz vítima de fraude

Em fevereiro deste ano, o influenciador e empresário Renato Cariani se tornou réu na Justiça de São Paulo.

A Polícia Federal o acusa de ser um dos líderes de um esquema de desvio de produtos químicos para o processamento de cocaína pelo tráfico de drogas.

Ele, entretanto, tem outra versão.

Em entrevista exclusiva ao UOL, Cariani diz que ele e sua sócia Roseli Dorth são vítimas de um grupo que montou um esquema sofisticado, operando às escondidas dentro da sua empresa, a Anidrol.

"Imagina uma empresa de 41 anos, que tem 50% dos seus clientes multinacionais, que tem sede própria, com funcionários bem estabelecidos, que nunca atrasou um imposto. Vai se envolver com o crime organizado por R$ 3 milhões ao longo de nove anos?", questiona.

Segundo a investigação, a Anidrol vendeu, entre 2014 e 2021, 12 toneladas de produtos controlados para falsos representantes de farmacêuticas — a principal delas era a AstraZeneca.

Os pagamentos por esses produtos, que são usados na produção e processamento de cocaína, eram feitos em dinheiro e à vista, usando CPFs fraudados.

As retiradas na sede da Anidrol foram realizadas por caminhões com placas fraudadas, dirigidos por motoristas que usavam documentos falsos.

A Polícia Federal identificou o falso representante da AstraZeneca, que dizia se chamar Augusto Guerra, como Fabio Spinola Mota, um amigo do influenciador.

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Renato Cariani
Renato Cariani Imagem: Reprodução

UOL - Como você e a Anidrol tiveram contato com Augusto Guerra, o falso representante da AstraZeneca, e começaram a vender produtos que acabaram desviados?

Renato Cariani - Para mim, a AstraZeneca era um cliente como qualquer outro. [Augusto Guerra] teve um primeiro contato na Anidrol entregando documentos. O nível de segurança que ele trouxe foi o mesmo de todas as empresas sérias. Ele entregou licenças, cópia de contrato social, uma documentação que é padrão para registro como cliente".

A PF identificou Augusto Guerra como Fabio Mota, empresário de Diadema e seu amigo. Um homem que não era o Fabio esteve pessoalmente na Anidrol? Como ele era?

Eu levantei isso em depoimentos para lembrar do que eu vi na época. Porque hoje eu juro para você, hoje não tenho noção de como ele era. Aparentemente, ele parecia ser um homem de meia-idade, alto e meio calvo, mas isso eu levantei em cima de documentos que foram levantados de depoimento.

Ele era uma pessoa desconhecida?

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Absolutamente. A pessoa que se apresentou como Augusto Guerra era uma pessoa absolutamente desconhecida para mim.

Nessa época, você já tinha amizade com o Fabio?

O Fabio é um empresário de Diadema, que atua há uns 25 anos na cidade. Nós temos um grupo de empresários do ABC, ali tinha networking, troca, conversa. Às vezes, há encontros aos fins de semana em casas no condomínio. Além disso, o Fabio prestava serviço para nossa fábrica. Ele fazia a manutenção dos nossos caminhões e dos carros de alguns funcionários da diretoria.

Qual foi sua reação quando a polícia apontou que Fabio, um amigo seu, era responsável pela identidade de Augusto Guerra?

Já havia certo afastamento, porque para minha surpresa e a do nosso grupo de empresários, o Fabio foi preso [em maio de 2023]. Isso foi uma notícia muito chocante. Ele era bem sucedido, tinha uma rede automotiva, trabalhava com imóveis, totalmente condizente com o padrão de vida que ele apresentava. Meu último contato foi antes de ele ser preso.

NOTA DA REDAÇÃO: A Polícia quebrou o sigilo de celulares de Fabio, e um deles estava logado no email de Augusto Guerra. A defesa de Fabio diz que ele é inocente, e que o celular apreendido pertencia à empresa e era usado por mais de 10 pessoas. A prisão de Fabio em maio de 23 não é relacionada a esse caso: ele também é investigado em outra operação, chamada Down Fall. Nela, é apontado como um intermediário e corretor de imóveis informal do megatraficante Marcos Silas Neves de Souza, ex-PCC.

Vocês emitiam nota em nome da AstraZeneca, mas esses produtos eram pagos à vista, em depósitos em dinheiro. Você acha isso normal para uma multinacional?

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Todos os pagamentos foram feitos na conta corrente da Anidrol. Da forma que isso foi interpretado, parece que o cliente chegava com uma mala de dinheiro. Não, era feito na conta. A condição comercial ajustada foi pagamento à vista. É uma prática muito comum com vários clientes nossos. Produto químico é uma commodity. Quando você vende o produto químico, você vende o custo financeiro dele. Se você quiser pagar em 30 dias, ele é um preço, à vista é outro, em 45 dias é outro. Muitos clientes multinacionais optam por pagar à vista por ser um sistema mais atraente.

NOTA DA REDAÇÃO: A Polícia Federal quebrou os sigilos financeiros e identificou que os pagamentos, feitos em dinheiro, partiam de CPFs de pessoas físicas, e não da AstraZeneca. Vários eram fraudados: foram usados documentos de políticos de três estados diferentes, incluindo um prefeito.

Fabio Spinola Mota e Renato Cariani
Fabio Spinola Mota e Renato Cariani Imagem: Redes sociais/Reprodução

Mas os pagamentos eram em depósitos de dinheiro, e depois a polícia descobriu que vinham de CPFs de pessoas físicas?

O rapaz do financeiro baixando, entre 150, 200 lançamentos diários, não entendeu a malícia daquele lançamento em dinheiro. Há multinacionais, que eu não posso mencionar para não expor, que pagam em dinheiro. A conciliação do financeiro é valor e data. Em 90% das vezes, vinha escrito [nos documentos bancários] "depositante AstraZeneca". Nas poucas vezes que não vieram, o financeiro conciliou por ser o valor exato".

NOTA DA REDAÇÃO: ao quebrar o sigilo das transações, a Policia Federal constatou que os pagamentos pelos pedidos eram feitos via depósitos em nome de CPFs de pessoas físicas. A maioria envolvia fraudes: foram usados CPFs de políticos de três estados diferentes.

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Cariani e sua sócia Roseli Dorth dizem que, para a Anidrol, os pagamentos vinham identificados como sendo da AstraZeneca. Eles apresentaram documentos: em pelo menos 40 das 60 notas alvo de investigação o banco Bradesco, responsável pela conta da Anidrol, informou à empresa que os pagamentos vinham da AstraZeneca. Há, entretanto, casos em que aparecem os CPFs de pessoas físicas sem relação com a farmacêutica e que passaram pelo financeiro da Anidrol.

Além dos problemas nos pagamentos e das vendas para um representante falso, também houve fraude na retirada desses produtos. As placas dos caminhões eram frias e os documentos dos motoristas, falsos. Vocês não fiscalizavam?

Nenhuma empresa faz isso. Eu garanto para você: nenhuma empresa para o caminhão e entra no site do Detran para levantar a placa. A gente anota a placa, anota o endereço, anota os dados do motorista e manda [o produto]. Não tem logística para isso, é impossível.

Mas é normal vender produtos químicos controlados e permitir que o comprador retire?

É absolutamente normal. Existem várias empresas, eu acho que quase todas, que têm caminhão próprio para fazer o sistema de coleta e reduzir o custo de frete. Nós perdemos dinheiro hoje por não permitir mais isso.

NOTA DA REDAÇÃO: Além da Anidrol, outras duas empresas também aparecem na investigação: a Anid Labor e a Qumietest. As duas ficam em Diadema e, segundo a Polícia Federal, são braços da Anidrol. As duas já tiveram como sócia Tatiane Cariani, esposa de Renato. Durante a maior parte do período investigado, eram geridas por Danilo do Couto Rosa e Elen do Couto Rosa.

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Elen e Danilo são um casal. Ambos já trabalharam na Anidrol — ela como representante comercial, ele na logística. A PF os coloca como subordinados a Cariani e Roseli no suposto esquema. O casal é investigado em um inquérito separado: interceptações telefônicas apontam que Danilo teria negociado produtos da Anidrol diretamente com um homem ligado ao tráfico de drogas chamado 'Zinho'.

Qual é sua relação e a da Anidrol com Elen e Danilo, sócios da Quimietest e Anid Labor, respectivamente?

O Danilo trabalhou em 2018 na Anidrol para organizar a logística. Depois ele saiu da empresa e, com a Elen, montaram a Anid Labor. A Elen era, antes disso, representante comercial como pessoa jurídica. Ela tinha uma carteira de clientes, recebia comissão e continuou depois de abrir a empresa.

Danilo aparece em 2021, quando não era mais funcionário, vendendo produtos da Anidrol para um homem chamado Zinho. A PF aponta que Zinho é uma potencial ligação direta com o tráfico de drogas e com o PCC.

Eu sei o que a gente recebeu do relatório [de quebra de sigilo de Danilo pela Polícia Federal]. A gente só teve acesso a um relatório, anexado ao nosso processo, mas que deixou a gente assustado.

Mesmo sem ser funcionário, nessa época ele tinha trânsito na Anidrol?

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Total, sim. Ele tinha uma relação de confiança, porque ele era marido de uma representante importante e antiga. E ele era um cliente da Anidrol, porque a Anid Labor comprava produtos da Anidrol para revender para o mercado. Então ele tinha com certeza livre acesso.

NOTA DA REDAÇÃO: A maioria das transações alvos da investigação envolve vendas para Augusto Guerra, o falso representante da AstraZeneca. Há, entretanto, desvio de produtos em volume menor para representantes falsos de outras duas farmacêuticas: a LBS Laborasa e a Cloroquimica. Um funcionário de Fabio Spinola Mota chamado Rodrigo Pereira aparece envolvido nas transações no relatório policial.

Em duas vendas, uma para AstraZeneca, outra para a LBS Laborasa, quem pagou pelos produtos foi um funcionário do Fabio, chamado Rodrigo Pereira. Ninguém percebeu?

Não tenho ideia. O Fabio tinha muitos funcionários. Não me recordo de vir uma pessoa física com o nome de Rodrigo.

Em uma venda em nome da AstraZeneca, a PF diz que os produtos foram retirados na Anidrol pelo carro da esposa de Fabio Mota, um Renault. Segundo eles, isso é fora do padrão.

Não tem como você conciliar a placa na hora. O que nós vemos no carro: se é fechado, porque produto químico para fins farmacêuticos você só pode receber com carro fechado, se o motorista é habilitado, se ele tem o kit de segurança que faz parte do produto químico e anotamos os dados. Não é na entrega do produto que você fiscaliza o cliente. O momento de checar e fiscalizar o cliente é o de vender.

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Você é vítima do Fabio? Hoje você afirma que foi enganado por ele.

Uma coisa que eu aprendi é não julgar as pessoas. Porque, para muitas, eu já sou responsável. A forma com que muita coisa foi veiculada e a forma com que eu fui julgado foi muito chocante. Qual foi a minha atitude: me isolar totalmente dele, fazer questão de não me aproximar dele, de não ter contato com ele. Acima de tudo para preservar as investigações, as evidências que foram mostradas de verdade. Ele vai ter que se explicar tecnicamente sobre isso, mas ele tem que se explicar com a Justiça, não é comigo. Hoje nós não somos mais amigos.

*Colaborou Juliana Sayuri, do UOL, em São Paulo

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