O lobista e empresário Andreson de Oliveira Gonçalves, 45, que fez fortuna em Brasília na última década, está no centro de um esquema de venda de decisões que atingiu ao menos cinco gabinetes no STJ (Superior Tribunal de Justiça).
As suspeitas levaram ao afastamento de sete desembargadores de dois tribunais de Justiça.
A Polícia Federal cumpriu, na última quinta-feira (24), um mandado de busca e apreensão nos endereços do empresário em Cuiabá e Brasília por suspeita de corrupção de desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
As suspeitas vieram a público após a apreensão do telefone celular de um advogado de Cuiabá, Roberto Zampieri, assassinado no fim de 2023 em Mato Grosso.
Investigadores encontraram no aparelho diálogos em que Andreson, parceiro de Zampieri, demonstra ter relação próxima com diversos funcionários de gabinetes do STJ.
Ele antecipa o teor de decisões de ministros e se gaba de cobrar valores milionários para obter êxito nos processos.
As investigações apontam que o mandante do assassinato de Zampieri é um produtor rural prejudicado pelo esquema de venda de decisões.
Para a PF, Andreson ganha dinheiro vendendo decisões judiciais. Em mensagens interceptadas, o lobista cita faturas milionárias pelo serviço.
Com a descoberta das mensagens, o caso passou a ser investigado pela PF.
Cuiabano, Andreson já foi preso por porte ilegal de arma de fogo no início dos anos 2000, mas não foi condenado. Ele também é investigado pela Polícia Civil por lavagem de dinheiro.
Recentemente, segundo fontes ouvidas pelo UOL, ele se apresentava em Brasília como advogado, mesmo sem ter a carteira da OAB.
Procurada, a defesa de Andreson afirmou que não teve acesso à investigação e, por isso, não pode comentar.
Vida em mansões e compra de aviões
O UOL levantou documentos que demonstram como Andreson tem ostentado uma vida luxuosa e viu seu patrimônio e de sua esposa, a advogada Mirian Ribeiro Rodrigues de Mello, crescer recentemente.
Os dois compraram em 2022 uma casa no Lago Sul, bairro nobre de Brasília, por R$ 2,95 milhões, e a venderam no ano seguinte por R$ 3 milhões.
No mesmo ano, também compraram um terreno de 776 m² no Lago Sul por R$ 4,5 milhões.
Havia uma residência no local, mas eles decidiram demoli-la para construir duas casas de dois andares, onde estão erguendo um novo escritório de advocacia.
O terreno foi pago à vista, por meio de transferências bancárias para os antigos donos.
Diversos jatinhos também compõem o patrimônio do casal.
Em agosto deste ano, Andreson comprou, como pessoa física, um avião Cessna de sete assentos por R$ 10,3 milhões. Logo depois, revendeu a aeronave para sua própria empresa por R$ 6 milhões.
Nos últimos dois anos, sua empresa de táxi aéreo comprou três jatinhos por R$ 4,3 milhões.
O casal também é dono de uma frota de caminhões, de postos de gasolina, de um resort próximo à usina de Itaipu, no Paraná, e de um grupo agropecuário.
'Ganso' na polícia civil
Em 2008, Andreson foi investigado por participar de uma quadrilha que fez uma operação policial falsa em região de conflito de terras em Mato Grosso.
Acusado de usurpação de função pública, peculato e associação criminosa, Andreson não foi julgado porque os crimes prescreveram.
Segundo a denúncia do MP-MT (Ministério Público de Mato Grosso), o grupo atuava em Vila Bela de Santíssima Trindade para retirar produtores rurais da região.
Esses produtores estavam assentados em terra cobiçada por fazendeiros. De acordo com o MP, o grupo de Andreson teria se apoderado do gado deles.
Para os promotores, Andreson fazia o papel do que, entre policiais, é chamado de "ganso" — um civil que interpreta um policial e faz "bicos" junto a delegados e policiais de verdade, o que é ilegal.
A falsa operação policial teria ocorrido em setembro de 2007.
Andreson de Oliveira Gonçalves pegou emprestado um uniforme de policial e uma escopeta calibre 12 de um delegado que também foi denunciado.
Segundo os promotores, o hoje lobista chegou a assinar um relatório policial falso.
"Após várias incursões dos denunciados executores na área, praticando inúmeros atos de vandalismo, sendo que estavam aparentemente amparados por um 'mandado judicial' e se dizendo policiais, a situação estava caótica", relata o MP.
Mudança para Brasília
Andreson se mudou para Brasília no início dos anos 2010 e passou a se apresentar como estudante de direito. Ele dizia estudar na Faculdade Alvorada.
Em 2013, essa instituição recebeu uma ordem de despejo de sua sede e foi descredenciada pelo Ministério da Educação. Por isso, não é possível checar se ele estudou lá.
Sua atuação consistia principalmente em intermediar contatos entre clientes do agronegócio em Mato Grosso e advogados que atuavam em cortes superiores, segundo pessoas ouvidas pelo UOL.
Mesmo sem ter carteira de advogado, ele atuou de 2009 a 2015 como administrador em um escritório "acompanhando processos, fazendo relatórios (e) indicando clientes", na condição de "acadêmico de direito", indica uma declaração apresentada no inquérito.
Em 2014, ele se aproximou de um ex-funcionário do STJ, Alexsander Martins da Silva, hoje sócio de Mirian Ribeiro.
Alexsander foi assessor de Vasco Della Giustina, que atuou como magistrado convocado na Corte entre 2009 e 2011.
Ele afirmou que não é sócio-administrador do escritório em que é sócio de Mirian Ribeiro, que sua atuação é separada dela no STJ e que está tomando conhecimento do material da investigação.
"Estou muito chateado com essa situação. Tenho meu trabalho como advogado e não sou lobista", afirmou Alexsander, acrescentando que trabalhou só três meses na Corte. "Ele [Andreson] é muito mais conhecido que eu em Brasília. Quando nos conhecemos ele já estava na cidade."
Andreson chegou a ocupar por alguns meses de 2014 um cargo de subsecretário de Desenvolvimento na Casa Civil do Distrito Federal, na gestão de Agnelo Queiroz (PT), com salário de R$ 10 mil.
Procurado pela reportagem, Agnelo disse não saber quem é o lobista e que ele foi nomeado por um subordinado seu.
A Polícia Civil de Mato Grosso detectou movimentações financeiras atípicas nessa época para o seu rendimento, o que levou à abertura de um inquérito em 2016 para apurar lavagem de dinheiro, que se estende até hoje.
Ele teve um "grande volume de movimentações bancárias suspeitas" em Tangará da Serra (MT) e Cuiabá nesse período, segundo a Polícia Civil, incluindo saques e depósitos em espécie somando R$ 1,8 milhão e, em outra conta, uma movimentação suspeita também de R$ 1,8 milhão.
As autoridades detectaram ainda que Andreson havia recebido recursos de uma empresa paulista que estava sob investigação por suspeita de participar em atividades criminosas do PCC.
A polícia ainda identificou que, entre 2007 e 2009, seu patrimônio aumentou 2.000%. Ele adquiriu à vista um imóvel comercial de R$ 1,5 milhão e uma fazenda de R$ 10 milhões.
Em 2017, em depoimento à polícia, Andreson afirmou que as movimentações atípicas de R$ 1,8 milhão em sua conta ocorreram em decorrência de um processo judicial no STJ em que estava atuando.
Nesse depoimento, ele se apresenta à polícia como bacharel em direito, mas não como advogado.
Disse, também, que recebeu R$ 2 milhões de uma cliente devido a "envolvimento de terra" por seu trabalho em tribunais superiores junto ao escritório de sua esposa. Ele já estava casado com Mirian Ribeiro.
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