Ninguém explica o destino dos 99 imóveis do doleiro Alberto Youssef
Dez anos depois de o doleiro Alberto Youssef delatar um esquema de corrupção entre as maiores empresas do país e a Petrobras, não se sabe ao certo o que foi feito dos 99 imóveis entregues por ele no acerto da colaboração:
- Quantos e quais desses imóveis já foram leiloados?
- Quem foram os compradores?
- Qual foi o valor arrecadado?
- Aonde foi parar esse dinheiro?
Os questionamentos partem do próprio ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin, que desde 2022 trava um vaivém de ofícios com a juíza da 12ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, Carolina Lebbos, responsável pela execução do acordo de delação e pela venda do patrimônio do doleiro.
As respostas da juíza têm sido consideradas insuficientes e desencontradas pelo ministro do STF, que é relator do processo em que Youssef pede relaxamento de sua pena — atualmente de 30 anos.
Segundo pessoas com conhecimento do caso, nunca foi feita perícia judicial para saber quanto valiam os imóveis no momento da entrega por Youssef.
O UOL somou os valores depositados nas contas judiciais citadas nos autos do processo e chegou a R$ 29 milhões (já corrigidos pelo IPCA).
Mas não há como saber se os bens foram vendidos pelo valor correto, já que, de acordo com essas mesmas fontes, ninguém registrou o estado deles no momento da entrega pelo doleiro.
Outra questão é se o dinheiro resultante das vendas dos imóveis cabe à União ou à Petrobras, que foi sangrada com o esquema de corrupção delatado por Youssef.
Procurada pelo UOL, a juíza Carolina Lebbos disse que não pode se manifestar sobre a execução dos bens de Youssef porque alguns dos processos ainda correm em sigilo.
Ela tampouco respondeu ao questionamento feito pela reportagem se os bens foram ou não submetidos a avaliação de peritos antes de serem vendidos.
Respostas incompletas, segundo o STF
Fachin exige detalhes sobre o caso pelo menos desde o final de 2022.
Carolina Lebbos já foi intimada pelo menos três vezes para dar essas informações.
Em maio deste ano, o ministro do STF pediu a Lebbos que explicasse o que foi feito com os imóveis.
A juíza respondeu enviando uma lista de todas as contas judiciais ligadas aos casos de Youssef na Lava Jato.
Ela informou também que o dinheiro havia sido transferido para a Petrobras, em obediência a uma decisão do ministro de março de 2023 que ordenava o ressarcimento da vítima (a estatal) com a quantia.
Fachin respondeu à juíza em 17 de setembro dizendo que as explicações "ressentem de maior precisão".
Os esclarecimentos enviados não deixavam "tão clara" a relação entre os imóveis e as contas judiciais listadas por ela, nem sobre a origem do dinheiro que estava nessas contas e que teria sido enviado à Petrobras.
A resposta da juíza chegou ao Supremo em 26 de setembro: uma lista dos processos separados por imóvel, as contas em que o dinheiro foi depositado e uma série de documentos com mais de 50 páginas cada um com os extratos da arrematação dos imóveis.
No entendimento de Fachin, a réplica não forneceu os detalhes exigidos.
O Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, enviou parecer ao ministro avisando que a juíza "não especificou sobre quais bens relacionados no acordo já houve execução, o montante recolhido e a destinação efetivada".
O parecer de Gonet foi para que ministro do STF expedisse nova ordem à magistrada. Ainda não houve decisão.
Carolina Lebbos recusou o pedido de entrevista feito pelo UOL por não poder falar publicamente sobre alguns dos processos, que correm em sigilo.
Em nota, disse já ter respondido a Fachin por meio de ofício enviado ao Supremo no dia 26 de setembro.
O que e quem Youssef entregou
Em 2014, Alberto Youssef forneceu à Polícia Federal informações sobre como grandes construtoras pagavam propina a funcionários da Petrobras e a agentes públicos em troca de contratos superfaturados com a estatal.
O acordo de colaboração previa que, em troca de ter as penas por seus crimes reduzidas de 122 para 30 anos, Youssef revelaria tudo o que sabia sobre crimes financeiros e de corrupção envolvendo a Petrobras.
Ele também entregaria à Justiça todos os bens que, segundo ele, foram "produtos ou proveitos de crimes".
Alberto Youssef delatou 206 pessoas e 109 pessoas jurídicas, entre empresas e partidos políticos, em mais de 300 depoimentos.
Nas semanas seguintes aos primeiros depoimentos, 17 executivos de grandes empreiteiras foram presos.
A defesa dele contabiliza que "pelo menos" 15 fases da Lava Jato decorreram diretamente de sua delação.
O destino do dinheiro
A Petrobras reivindicou o dinheiro arrecadado com o leilão dos imóveis de Youssef.
Segundo a empresa, o ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no Supremo até morrer, em fevereiro de 2017, vinha decidindo, com base na Lei da Organização Criminosa, que o dinheiro deveria ser destinado "ao ressarcimento integral das vítimas" — no caso, a própria companhia.
Essa interpretação foi declarada inconstitucional pelo Supremo em maio deste ano, quando, de forma unânime, o tribunal decidiu que "receitas provenientes" de acordos como os de delação premiada devem ser destinados à União.
A questão deve ser objeto de debates no futuro, já que a Corregedoria Nacional de Justiça vê ilegalidade na destinação do dinheiro diretamente à Petrobras.
Regime prisional
Fachin decidiu investigar a execução da delação porque é relator de um pedido de Youssef para relaxar a parte final do cumprimento de sua pena.
O doleiro ficou preso dois anos e oito meses e progrediu para um "regime domiciliar fechado, com uso de tornozeleira" — um regime prisional criado pelos acordos — a fim de cumprir os mais de 27 anos restantes.
Diante da efetividade da delação, os advogados de Youssef, Luiz Gustavo Flores e Antonio Figueiredo Basto, pediram à Justiça que ele cumpra só um sexto do final da pena (quatro anos e meio) e em regime aberto normal.
O pedido já foi negado, mas Fachin decidiu, a pedido da PGR, conferir a efetividade da colaboração. O doleiro ficou liberado do uso de tornozeleira em agosto de 2024.
No meio do trâmite processual, foram descobertos valores referentes à venda dos bens de Youssef que estavam depositados em contas judiciais sem destinação específica.
Foi então que Fachin pediu explicações a Lebbos pela primeira vez, em 1º de dezembro de 2022.
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