Só para assinantes

Emendas e 'Ozempic': como Alcolumbre foi de vereador a presidente do Senado

O senador Davi Alcolumbre de 2025 não é o mesmo de 2019.

Se, nos primeiros meses do governo Bolsonaro, uniu-se à direita que dizia querer enfrentar a "velha política", hoje faz o caminho reverso.

Caciques da política que à época eram seus adversários, como Renan Calheiros (MDB-AL), Eduardo Braga (MDB-AM), Jaques Wagner (PT-BA) e Otto Alencar (PSD-BA), hoje estão entre seus principais interlocutores.

O UOL falou com senadores que o veem hoje mais receptivo, e não o parlamentar que apostava no apoio de grupos de direita e mal ouvia as lideranças dos partidos quando ascendeu pela primeira vez ao comando do Senado.

Em tom de espanto, um colega contou que agora Alcolumbre até responde a mensagens de WhatsApp no mesmo dia.

Por trás da mudança estão a habilidade de se adaptar a novos cenários e a pressão do STF por transparência das emendas parlamentares, cuja distribuição o reconduziu à Presidência do Senado em fevereiro.

No front financeiro, também tem buscado melhorar a interlocução com a Faria Lima, banqueiros e empresários.

A estratégia é articular uma nova rede de alianças em meio à fiscalização de seu principal antagonista, o ministro Flávio Dino (STF), que colocou as emendas —sua principal ferramenta política— em xeque.

Imagem
Imagem: Divulgação

A chegada ao Senado

Quando desembarcou no Senado em 2015, Alcolumbre (União Brasil) era um desconhecido da imprensa e do próprio Congresso.

O então deputado Rodrigo Maia (RJ) pedia autorização a figurões em Brasília para o levar a jantares e apresentá-lo à classe política.

Após três mandatos como deputado federal, o senador amapaense continuava então no "baixo clero". Tinha personalidade humilde, ouvia mais do que falava, fazia perguntas e saía dos eventos com fama de boa praça.

Em 2017, sentiu que era hora de dar um salto e se candidatou a um cargo na Mesa Diretora do Senado, que comanda a Casa.

Pediu a Renan Calheiros —que passava a presidência para Eunício Oliveira (MDB-CE)— para constar entre os secretários suplentes (os cargos menos importantes da Mesa).

Renan disse que só autorizaria se José Sarney (MDB) mandasse. Alcolumbre —que havia se afastado do padrinho político após derrotá-lo na eleição de 2014— colocou o rabo entre as pernas, foi até Sarney e pediu o favor. O ex-aliado topou.

A reviravolta veio no ano seguinte. Em uma onda de renovação que acompanhou a eleição de Jair Bolsonaro (PL), quase todos os senadores que ocupavam a Mesa Diretora não foram reeleitos nas urnas.

Foi a deixa para Alcolumbre tomar uma decisão ousada: aproveitaria esse clima para tentar virar presidente da Casa em uma disputa contra Calheiros.

Lançou-se então à campanha: percorreu os 26 estados, ouviu as demandas de seus pares e prometeu ser generoso em cargos e emendas.

A ascensão

Em fevereiro de 2019, em uma eleição conturbada que durou mais de 24 horas, Alcolumbre ficou sete horas seguidas sentado na cadeira por medo de perder a presidência da sessão se fosse ao banheiro ou se levantasse para pegar um café.

Ao final, acabou eleito, pondo fim a uma dinastia de caciques do MDB que se revezavam no poder.

Naquele dia, vendeu-se no palanque como quem colocaria a corda no pescoço do Judiciário, agradando bolsonaristas que à época já atacavam o STF. Na posse, bradou que o Legislativo não iria se curvar "à intromissão amesquinhada do Poder Judiciário e de qualquer outro Poder".

Abandonou o figurino bolsonarista ainda no primeiro mandato à frente do Senado, apesar de não romper com o grupo. Desde então, continua dançando conforme a música como o político maleável de centro que é.

Exemplo disso é o fato de ter recebido nesse ano telefonemas de Bolsonaro e do presidente Lula (PT) para parabenizá-lo após arrebatar a Presidência do Senado pela segunda vez.

Dos tempos do baixo clero, também mantém o estilo bonachão. Na campanha em que foi eleito com 73 dos 81 votos do Senado, distribuiu a aliados canetas de Mounjaro, o "Ozempic dos ricos", que deverá custar no Brasil até R$ 3.800 por quatro aplicações.

Davi Alcolumbre, no plenário do Senado
Davi Alcolumbre, no plenário do Senado Imagem: Pedro Gontijo / Presidência Senado

Família de comerciantes

De uma família de judeus sefarditas de ascendência marroquina —no Amapá desde os anos 1940—, Alcolumbre começou a vida adulta trabalhando na loja de som automotivo de seus pais. Deixou incompleto um curso universitário de economia.

Foi o primeiro da família a ingressar com sucesso na política. Aos 24 anos, virou vereador.

A influência dos tios, comerciantes bem-sucedidos em Macapá, garantiu a ele proximidade com o hoje senador Lucas Barreto (PSD-AP) —do clã de Sarney—, que apadrinhou sua primeira candidatura.

Alcolumbre passou a fazer parte do que era conhecido como "grupo da harmonia", de políticos ligados a Sarney.

Hoje, aos 47 anos, é um senador sem posições políticas radicais.

Suas principais pautas têm relação com o Amapá — ele gosta de destacar que é o primeiro senador nascido ali. Por isso, os adversários se referem a ele, de maneira jocosa, como "vereador".

Alcolumbre levou os municípios do Amapá, estado com a segunda menor população do Brasil, ao topo do ranking de emendas. Das dez cidades mais beneficiadas entre 2020 e 2023, cinco são de prefeitos aliados a Alcolumbre no estado.

24.09.2014 - Davi Alcolumbre tira foto com eleitoras durante campanha pelo Senado no Amapá
24.09.2014 - Davi Alcolumbre tira foto com eleitoras durante campanha pelo Senado no Amapá Imagem: Divulgação

Nas redes sociais, mistura uma imagem descontraída com anúncios de obras e investimentos em seu estado. Aparece dançando, em especial em eventos patrocinados com sua ajuda no Amapá, como a festa de Réveillon deste ano.

Apesar disso, sua popularidade é menor do que a de adversários. O prefeito de Macapá, Dr. Furlan (MDB), que venceu Josiel Alcolumbre (irmão de Davi) na disputa pela prefeitura, tem o dobro de seguidores do senador no Instagram.

Na imprensa, é discreto. Não costuma se submeter aos holofotes em entrevistas.

É casado há quase 20 anos com a advogada Liana Andrade. Os dois filhos, Davi, 10, e Matheus, 7, moram e estudam em Brasília.

Judeu praticante, Alcolumbre já apareceu em compromisso com a barba por fazer, e a razão disso era religiosa.

Ele não teve tempo de se barbear até as 18h de sexta, quando começa o shabat. No dia sagrado do judaísmo —que dura até o anoitecer de sábado—, algumas atividades são vetadas.

Alcolumbre também acompanha a mulher a missas católicas, mas não se benze nem comunga.

Não bebe e não fuma, apesar da vida social intensa, e não pratica esportes.

Máquina de distribuição de emendas

Sua habilidade em manejar emendas foi o verdadeiro trunfo desde que ocupou a cadeira de presidente do Senado, quando aprendeu a operar as emendas de relator (orçamento secreto).

O comando da Casa lhe permitiu acesso aos recursos, distribuídos sem transparência.

Fez um acordo com Rodrigo Pacheco (PSD-MG) durante a presidência do colega, de 2021 a 2025, para continuar mandando na distribuição das emendas.

Por esse motivo, Alcolumbre foi tratado como "presidente de fato" pelos governos Lula e Bolsonaro.

Na distribuição dos recursos, conta com a ajuda de sua chefe de gabinete, Ana Paula de Magalhães, que opera o "orçamento secreto" no Senado.

Ela foi citada pelos investigados da Operação Overclean, da Polícia Federal, como alguém que destravaria emendas em Brasília (ela não é, contudo, investigada).

A funcionária de Alcolumbre controla, há seis anos, as planilhas com os pedidos de todos os senadores.

Assessores dos parlamentares a procuram, encaminham os pedidos de emendas e recebem dela a confirmação se conseguirão fazer a indicação da verba.

Cabe a Alcolumbre ouvir reclamações e pleitos dos senadores e orientar Ana Paula a cuidar da burocracia.

É ele também quem define os critérios de repasse do dinheiro, como quanto cada senador e líder partidário recebe em troca da adesão em uma votação-chave.

Apesar das decisões do STF, Alcolumbre continua tentando manter o modelo de negociação política das emendas de relator.

Em março, apoiou a aprovação de um projeto com brecha para continuar escondendo os padrinhos das emendas. Além disso, está à frente de negociação por "verbas extras" nos ministérios.

O STF vai analisar agora se o Congresso descumpriu as decisões recentes que exigem transparência e rastreabilidade.

12.03.2025 - Davi Alcolumbre ao lado de José Sarney, numa homenagem ao ex-presidente e ex-senador pelos 40 anos da redemocratização, no Senado
12.03.2025 - Davi Alcolumbre ao lado de José Sarney, numa homenagem ao ex-presidente e ex-senador pelos 40 anos da redemocratização, no Senado Imagem: Gabriela Biló/Folhapress

Relação com Lula

Alcolumbre emplacou dois ministros no governo Lula: Waldez Góes (PDT), no Desenvolvimento Regional, e Juscelino Filho (União) nas Comunicações.

No primeiro encontro com Lula, ainda na transição de governo, Alcolumbre abriu uma exceção e bebeu um uísque a pedido do presidente eleito. A conversa durou cerca de cinco horas.

A amigos, Alcolumbre diz que "falou a verdade na cara do presidente": "Nunca votei no PT. Eu votei pelo impeachment da Dilma e sou de centro". "Gostei da sua franqueza", respondeu Lula.

Aliados de Alcolumbre dizem que Lula chegou a lhe oferecer um ministério. O senador recusou porque queria voltar ao comando do Senado, mas emplacou um aliado: "O senhor quer prestigiar o Amapá? Então indique Waldez como ministro".

Desde então, o senador é um dos poucos parlamentares que falam diretamente com o presidente, que valoriza sua maneira de negociar.

Em viagem de mais de 30 horas para o Japão, os dois passaram a maior parte do tempo conversando.

Apesar disso, a expectativa do governo Lula é de uma relação mais dura do que com Rodrigo Pacheco, especialmente por causa da capacidade de Alcolumbre de pressionar por interesses.

Exemplo disso foi o episódio em que ele fez André Mendonça, então indicado ao STF por Bolsonaro, amargar uma espera recorde de quatro meses e meio por sua sabatina em 2021.

Sem sucesso, a intenção era que Bolsonaro desistisse da indicação e escolhesse Augusto Aras, então procurador-geral da República e próximo de Alcolumbre.

O senador reclamou de uma campanha que pregava que ele segurou a nomeação por ser judeu. Isso o irritou muito, porque pegou mal no Amapá, onde a maior parte da população é evangélica e apoiava a indicação do ministro "terrivelmente evangélico".

Para ganhar o apoio dos bolsonaristas na eleição deste ano, Alcolumbre se posicionou com a direita em pautas como a PEC das Drogas, a PEC sobre decisões monocráticas do STF, o marco temporal e o fim das "saidinhas".

Apesar disso, tem dito pelos corredores do Senado que, para ele, "anistia não é pauta".

Denúncias e investigações

Nos Três Poderes, sua relação mais dura é com o ministro do STF Flávio Dino.

Além de relator do caso do orçamento secreto, Dino é responsável por uma investigação sobre "rachadinha" (devolução de salários de servidores) no gabinete de Alcolumbre, em andamento desde 2021.

Sua família numerosa —são cinco irmãos e dezenas de primos— foi alvo de denúncias, processos e multas desde que Alcolumbre ocupou a cadeira do Senado pela primeira vez.

Em 2022, seu irmão, Alberto Alcolumbre, foi flagrado em São Paulo com R$ 500 mil em dinheiro vivo em uma mala. Como mostrou o UOL, ele não conseguiu provar se a origem do dinheiro, que permanece apreendido, era lícita.

Quando era deputado, Alcolumbre gastou R$ 31,5 mil no posto de gasolina de Salomão Alcolumbre, seu primo.

Ao Estadão, que revelou o caso, a assessoria de Alcolumbre disse que ele abasteceu lá porque sua família detinha "70% dos postos de gasolina de Macapá".

O senador também recebeu um reembolso de R$ 594 mil da Câmara entre 2011 e 2014 de supostos gastos com locações de carros e estadia de servidores em um hotel em Macapá, local onde a diária mais cara era de R$ 140.

Também gastou R$ 84 mil para alugar um carro que foi transferido à empresa de seu primo Salomão um ano depois.

Alcolumbre nunca deu publicidade a essas notas fiscais, tampouco esclareceu quais serviços foram prestados com os R$ 343 mil de verba do Senado que gastou com seu advogado em 2022.

Outro primo de Alcolumbre, Isaac, foi indiciado por tráfico internacional de drogas em 2022, crime pelo qual chegou a ser preso. Ele ainda não foi julgado.

Procurada, a assessoria do senador afirmou que os fatos "já foram devidamente esclarecidos e totalmente superados, não tendo qualquer relação com a atuação do presidente Davi Alcolumbre".

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.