Depois do Ozempic, o Mounjaro é o novo Graal para os que querem emagrecer.
O remédio, que promete resultados mais eficientes que o Ozempic, deve chegar ao Brasil até o dia 15 de maio.
Enquanto isso, farmácias já fazem lista de espera, e perfis na internet descumprem as normas da Anvisa vendendo a substância manipulada.
R$ 3 milhões em Mounjaro contrabandeado foram apreendidos nos aeroportos do país apenas nos primeiros meses de 2025.
Em um dos casos, em fevereiro, um homem trouxe 30 canetas do remédio escondidas na cueca.
Sem controle, o Mounjaro também está à venda na internet, e especialistas apontam riscos para seu uso indiscriminado.

O que é o Mounjaro e como age
O Mounjaro é um remédio indicado para tratar a diabetes tipo 2, a mais comum. Foi lançado pela Eli Lilly nos EUA em 2022 e aprovado pela Anvisa em 2023.
O princípio ativo é a tirzepatida. A molécula é injetada na barriga com uma espécie de caneta e atua nos receptores dos hormônios GLP-1 e GIP, produzidos naturalmente no intestino após as refeições.
O corpo entende estar recebendo esses hormônios, que sinalizam ao cérebro que estamos satisfeitos e podemos parar de comer, explica o diretor médico da Eli Lilly Luiz Magno.
Os hormônios também deixam a digestão mais lenta, prolongando a sensação de saciedade. Daí vem o principal efeito para o emagrecimento: a perda de apetite.
O GIP, especificamente, atua na gordura do fígado e aumenta o gasto calórico. O pulo do gato está na combinação dos dois, que potencializa a perda de peso em diferentes frentes.
Os concorrentes Ozempic e Wegovy, fabricados pela dinamarquesa Novo Nordisk, partem da molécula semaglutida, que tem efeito apenas em receptores de GLP-1 --daí a diferença.
"Dois terços da ação sobre a insulina vêm do GIP, por isso o aumento da eficácia para tratar diabetes", afirma Magno.
Segundo ele, quase 92% dos diabéticos que usam diariamente 15mg de tirzepatida conseguem redução importante no índice glicêmico.
O Mounjaro apresenta menos efeitos colaterais (náuseas, vômitos e diversos tipos de mal-estar gastrointestinal) que os outros medicamentos, dizem especialistas ouvidos pelo UOL.

Diabetes x obesidade
O uso de Mounjaro para tratar obesidade ainda aguarda aprovação da Anvisa, mas isso não significa que médicos não podem indicá-lo —o famoso uso "off label".
"Há liberação para esse uso em outros países e muitos estudos endossam o efeito e a segurança", explica a endocrinologista Cintia Cercato, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
"A perda de peso média com semaglutida é 17%. Com o Mounjaro é de 22%", diz o endocrinologista Bruno Geloneze, pesquisador da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
O percentual se aproxima dos índices médios de perda de peso de uma cirurgia bariátrica.
Como o apelo do remédio entre não diabéticos também é grande, as vendas ilegais pela internet explodiram.
Há dezenas de perfis nas redes sociais, sites e números de WhatsApp oferecendo "importar" o remédio ou manipulá-lo.
A reportagem negociou com três perfis. Todos fingem seguir a lei, inclusive apresentando CNPJ, mas o que fazem é contrabando.
Enquanto o remédio ainda não desembarca no país, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) só permite a importação com prescrição médica individual.

'Não é milagre'
Dois problemas do uso indiscriminado são a alteração da composição corporal, já que o Mounjaro também leva à perda de massa magra, e o reganho de peso, quase certo em casos sem acompanhamento.
Também não há estudos que garantam a segurança no uso estético entre pessoas não obesas —aquele "só para perder uns quilinhos".
"Só há embasamento científico para pacientes obesos, tratando uma doença séria e complexa. Não é um remédio de uso estético, para a pessoa caber no vestido em um dia especial. A Lilly não endossa isso", afirma Luiz Magno.
O acompanhamento médico é fundamental para indicar a dosagem adequada da substância (no Brasil, 2,5 mg e 5 mg) e monitorar a evolução e a necessidade de adaptar ou parar o tratamento.
"Apesar dos resultados excelentes, o Mounjaro não resolve o problema sozinho", explica Fabio Trujilho, presidente da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Síndrome Metabólica e Obesidade) e da Flaso (Federação Latino-Americana de Sociedades de Obesidade).
A advogada Marcela Campos Hunold, 38, lidou com a frustração no início do tratamento. Achou, a princípio, que iria "emagrecer horrores", 10 kg já no primeiro mês.
Entendeu que não era o ideal, pois precisava conservar a massa magra conquistada com os treinos.
Assim, chegou à média de perda de peso de 1 kg por semana. "Hoje, vejo que foi o melhor para mim."
Ela começou a usar o Mounjaro em fevereiro, quando pesava 115 kg (sua altura é de 1,64 m). Um médico sugeriu o uso off label (fora da indicação da Anvisa), e Marcela topou importar.
Ela perdeu os 10 kg em dois meses.
Quem sofre de obesidade precisa de incentivo. No meu caso e junto com a terapia, [o tratamento] me ajudou também a perceber como é minha relação com a comida e como posso melhorar nisso.
Marcela Campos Hunold
A maquiadora e influenciadora Juliana Aliende, 32, usa o Mounjaro desde outubro passado.
Fatores genéticos e comportamentais a levaram à obesidade, um problema que ela, hoje, entende ser crônico.

Na adolescência, tomou sibutramina. Aos 22, fez cirurgia bariátrica. Nas duas ocasiões emagreceu e, depois, viu o peso aumentar.
Com o uso do Mounjaro, entendeu que precisava mudar hábitos.
"Tive que criar alternativas para me manter ativa, como contratar uma personal trainer", diz.
Em janeiro, ela fez uma pausa no uso do Mounjaro devido ao valor do remédio, após perder 20 kg.
"Com certeza só está dando certo porque há um profissional me orientando."
Decisão da Anvisa sobre exigir retenção de receita
Por determinação da Anvisa, a partir de 23 de junho as farmácias serão obrigadas a reter a prescrição médica para canetas emagrecedoras, incluindo o Mounjaro.
Antes a orientação era apresentar a receita, o que nem sempre era cumprido.
Diretor da agência, Rômison Rodrigues Mota apontou a crescente automedicação para uso estético como a maior razão para a mudança.
Tanto a Eli Lilly quanto a Abrafarma (Associação Brasileira de Farmácias e Drogarias) comemoraram a decisão da Anvisa, mas afirmam que é preciso agir em outras frentes, principalmente no combate à manipulação clandestina da tirzepatida.

Custo e acesso pelo SUS
O Mounjaro importado legalmente pode chegar a R$ 5.000 para tratamento mensal.
No Brasil, a Lilly divulgou que os preços vão de R$ 1.406 a R$ 2.384, para as doses de 2,5 mg e 5 mg. Pacientes cadastrados no programa da farmacêutica terão preços mais baixos.
"Espero que logo esteja disponível para a população em geral. A prevalência de obesidade é alta entre os mais pobres, e não temos armas terapêuticas adequadas", afirma o endocrinologista Mario Saad, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia - Obesidade e Diabetes.
O Brasil tem hoje 60,3% da população com obesidade ou sobrepeso, segundo a PNS 2020 (Pesquisa Nacional de Saúde).
Uma projeção feita pela Fiocruz Brasília sugere que até 2044 esse número deva saltar para 75%.
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