Governo barra garimpo na terra Yanomami, mas não consegue controlar malária

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Mais de dois anos após o quadro de emergência que chocou o país, com indígenas Yanomamis morrendo por desnutrição severa e enfrentando a invasão de garimpeiros em suas terras, o governo federal logrou montar uma estrutura de desmantelamento do crime. No entanto, ainda restam dúvidas sobre como manter o projeto e como atacar de vez a malária na maior terra indígena do Brasil.
O que aconteceu
Abertura de novos garimpos caiu 95,76% na Terra Indígena Yanomami. Os dados são do Censipam (Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia), órgão vinculado ao Ministério da Defesa, e fazem a comparação entre os anos de 2022 e 2024. No total, a área ocupada por garimpeiros passou de 1.001,55 hectares em 2022 para 37,04 hectares em 2024.
Mais profissionais de saúde. Segundo o Ministério da Saúde, entre o início da emergência pública até novembro de 2024, o território Yanomami viu um acréscimo de mais de mil profissionais de saúde na região. O último relatório, de janeiro de 2025, aponta 1757 pessoas atuando nos polos de saúde e na Casai (Casa de Saúde Indígena) Yanomami.
Número de óbitos diminuiu, incluindo por desnutrição e malária. Até março de 2025, o Ministério da Saúde havia tornado público os dados do primeiro semestre de 2024, que servem como comparativo com o mesmo período do ano anterior. Entre 2023 e 2024, houve queda de 68% nas mortes por desnutrição, 35% por malária e 53% por infecções respiratórias agudas.
Há gargalos na divulgação dos dados. A demora do Ministério da Saúde em atualizar os dados referentes à malária e outras doenças no território yanomami em 2024 fez com que a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) entrasse com uma ação no STF pressionando o governo a divulgar as informações. Os dados mais recentes são do primeiro semestre de 2024, e eles indicam um aumento no número de casos de malária.

Aumento de casos de malária ocorre devido ao maior trabalho de busca ativa da doença, justifica o Ministério da Saúde. O problema de transparência é antigo, conforme apontado pelo UOL em setembro de 2024, e passou a ocorrer conforme os casos de malária aumentavam.

O que explica o resultado
Casa de Governo em Roraima criou articulação inédita para desafios da TI Yanomami. Em fevereiro de 2024, a Casa Civil anunciou a estrutura que seria a responsável por articular ações de 31 órgãos federais, incluindo diversos ministérios e agências reguladoras. A Casa de Governo ficou sob chefia de Nilton Tubino, que já havia coordenado pelo menos sete ações de desintrusão (retirada de invasores) em terras indígenas no passado.
Prioridade foi a desintrusão do garimpo e a abertura de polos de saúde. Em entrevista ao UOL, Nilton Tubino afirmou que casas de saúde que haviam sido fechadas no passado foram reabertas, o que ampliou o atendimento aos Yanomami. Uma dessas casas havia sido queimada pelos garimpeiros no passado.
Coordenação do garimpo sai do Brasil e vai para Venezuela. A presença dos invasores também foi sentida pelas comunidades, e foram realizados voos com lideranças indígenas sobre a região para destacar que as estruturas milionárias do passado estavam mais esparsas e com sua coordenação no território venezuelano, relatou Tubino.
Sistema de alerta de garimpo usado por indígenas também impulsionou ações por parte do governo. Criado em parceria com o ISA (Instituto Socioambiental), a UNICEF e a Hutukara Associação Yanomami, os indígenas conseguem notificar a presença dos garimpeiros e alertar as autoridades.
Ação coordenada com Forças Armadas. Na primeira fase do projeto (março de 2023 e abril de 2024), 7 em cada 10 denúncias do sistema de alertas eram relacionadas ao garimpo. As notificações também foram utilizadas pela Casa de Governo em ações coordenadas com as Forças Armadas, que têm a Operação Catrimani II dedicada ao território Yanomami.

Agências reguladoras inibiram a cadeia do garimpo. Para Estevão Senra, geógrafo do ISA que trabalha com a população Yanomami desde 2013, várias ações colaboraram com a redução do garimpo, como o corte de sinais de telefone feito pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), a fiscalização da ANP (Agência Nacional de Petróleo) nos postos de combustível na região de acesso à terra indígena e a presença da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) para monitorar as pistas de pouso.
Com a sofisticação da intervenção do governo federal, a gente conseguiu ter vários lugares onde realmente a coisa [atividade de garimpo] foi desmobilizada. É lógico que, como a gente está falando de um território muito grande, é sempre muito difícil de controlar, zerar completamente. Mas, em um sobrevoo em outubro do ano passado, em áreas que a gente monitora há alguns anos, verificou-se que, de fato, a maior parte do garimpo está neutralizada no território. Encontramos algumas poucas estruturas, muito mais fragmentadas, e que a própria Casa de Governo depois também foi atrás desses grupos.
Estevão Senra, geógrafo do ISA
Aumentou o preço para o garimpo na TI Yanomami. O Ministério dos Povos Indígenas afirma que o prejuízo ao garimpo em 2024 foi de R$ 267 milhões. "Hoje, um litro de óleo diesel, dentro do garimpo, está R$ 70,00. Com o risco do cara ser preso numa operação nossa lá dentro. Um voo que em 2023 custava R$ 4 ou 5 mil, hoje está saindo em torno de R$ 20 mil", afirma Tubino.
Quais os próximos passos do governo
Malária ainda é difícil de se identificar no começo entre os Yanomami. Estevão Senra aponta que as lideranças indígenas apontam a dificuldade de tratar a malária logo no começo dos sintomas, o que pode agravar os casos. Isso porque faltam equipes circulando pelo território para fazer visitas às malocas indígenas.
Embora tenha um número maior de profissionais, [eles] tendem a ficar mais mobilizados nos postos de saúde, e aí você então diminui a sua capacidade de intervir logo no estágio inicial da doença e interromper a transmissão. Essa tem sido uma das principais queixas das lideranças e das comunidades - a questão da malária que ainda não está não está controlada, apesar do investimento do governo.
Estevão Senra, geógrafo do ISA
Governo ainda não divulgou dados completos de 2024. A Folha de S.Paulo reportou, após um pedido de LAI (Lei de Acesso à Informação), 33 mil casos da doença em território Yanomami no ano passado. Mas o próprio governo pondera que os dados ainda precisam ser processados da maneira correta, já que o mesmo paciente pode ser testado várias vezes ao longo do tratamento, justificou o Ministério da Saúde.
Manter monitoramento aéreo da região é essencial para identificar possível retorno dos garimpeiros. Para Nilton Tubino, ampliar a participação do sistema de alertas por parte dos indígenas faz parte da solução. "Os indígenas se apropriarem de tecnologia, de drone, da própria internet", afirma.
Casa de Governo vai até 2026 -e futuro ainda é incerto. Se a estrutura se demonstrou efetiva para articular diferentes agências e instâncias federais no combate ao garimpo e ao crime no território, os próximos passos devem ser de garantir um legado positivo na região. Afinal, ao todo, o governo federal liberou mais de R$ 1,7 bilhão em créditos extraordinários para ações na TI Yanomami.
Nos próximos anos, [a Casa de Governo] vai precisar pensar em como ter um plano para consolidar os avanços que ela conseguiu até agora. Como garantir uma frequência da fiscalização das agências reguladoras para inibir a venda de combustível ilegal, a abertura de aeródromos clandestinos. Ou a ocupação em pontos estratégicos, como os de acesso aos rios, para evitar uma nova leva de invasores.
Estevão Senra, geógrafo do ISA
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