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Daniela Pinheiro

REPORTAGEM

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Marta Suplicy se reaproxima do PT: 'Não sou de olhar pelo retrovisor'

Marta Suplicy recebe lideranças em sua casa, na última quarta-feira (23) - Divulgação
Marta Suplicy recebe lideranças em sua casa, na última quarta-feira (23) Imagem: Divulgação

Colunista do TAB

26/03/2022 04h01

Esta é parte da versão online da edição de sexta-feira (25) da newsletter de Daniela Pinheiro. Para assinar o boletim e ter acesso ao conteúdo completo, clique aqui.

É com um pé em Portugal e outro no Brasil, de olho nos patrícios e nos locais, que irei tocar esta coluna. Ela não terá só reportagens ou crônicas. Será mais que um relato frio e menos do que um tratado de geopolítica. Vai tratar dos temas sérios, dos irrelevantes, dos espantosos, dos frívolos e dos essenciais. Não nessa ordem, não na mesma extensão, mas com igual galhardia, graça e gana de aprender. Boa leitura.

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Marta Suplicy em sua casa - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

'Não sou de olhar pelo retrovisor'

Em mais de três décadas de vida pública, Marta Suplicy foi deputada, prefeita de São Paulo, ministra do Turismo, da Cultura e senadora. Quadro histórico do Partido dos Trabalhadores, desfiliou-se da legenda alegando não "suportar mais conviver com a corrupção", aninhou-se nos braços de Temer e Eduardo Cunha, votou pela derrubada de Dilma Rousseff, tentou uma vaga para a prefeitura da capital paulista e acabou num vexatório quarto lugar.

Em 2018, disse que "desencanou" da política. Passou a se dedicar a causas como o empoderamento feminino e o combate ao racismo. Aproximou-se do então prefeito tucano, Bruno Covas, morto em 2021, que a nomeou secretária municipal de Relações Internacionais de São Paulo, cargo que mantém até hoje. Ali, contou, tem "a melhor função" que já teve na vida.

Ela vem se reaproximado do PT. Principalmente de Lula e de sua mulher, Rosângela, a Janja, com quem troca ideias sobre inclusão feminina. O partido ainda a vê com um pé atrás, mas reconhece seu capital político — o que pode ser útil para a campanha lulista. Em fevereiro, ela organizou em sua casa uma tertúlia com mulheres de todos os quadrantes, cujas fotos foram postadas no Instagram. Numa delas, mais antiga, aparece abraçada a Lula. Na noite da última quarta-feira (23), recebeu outras 35 mulheres para debater de novo a questão das mulheres. É um tema que, como disse, só pode prosperar com a "inclusão de rica, pobre, classe média, chão de fábrica, representantes da floresta e do campo. Da banqueira a sem-teto". "Estavam todas representadas lá", disse. Contou ter servido pastel e pipoca de aperitivo, e vinho e pizza no jantar. O encontro terminou quase à meia-noite. Nesta entrevista, ela explica a diferença entre pragmatismo e oportunismo, espera que Lula "tenha aprendido com os erros do passado" e torce para que ele seja eleito em primeiro turno. Aos 77 anos, diz que tem, sim, "lugar de fala" e "lugar de escuta" para tratar de pobres e negros.

A entrevista foi editada para melhor compreensão.

Daniela Pinheiro: A senhora saiu do PT dizendo que não aguentava mais a corrupção. E hoje se reaproxima do partido. Mudou a sra, mudou o PT, mudou o Brasil ou mudou Lula?
Marta Suplicy: Eu não sou uma pessoa de ficar olhando pelo retrovisor, nem na vida pessoal nem na política. Tenho dificuldade até de me lembrar de um político que me fez mal, com quem discuti. Eu olho para frente. Acredito que, olhando para frente, todos aprenderam já com o que aconteceu. Inclusive o Ministério Público, o juiz Sergio Moro. Ali foi um período tumultuado, quando a lei foi usada para finalidades ilícitas. Tanto que Lula foi inocentado em 24 acusações.

Por que mudou de opinião?
Não é isso. Temos que pensar que não estamos mais vivendo essa coisa de esquerda ou direita, ou daquele que foi acusado disso ou daquilo. O ponto hoje é: em quem posso confiar, que defende a democracia, é contra o autoritarismo? O golpe está à espreita, na esquina. As pessoas estão em pânico. Qualquer briga em posto de gasolina dá morte. Qualquer briga de casal acaba em tiro na mulher. Na escola, as crianças estão aprendendo que fazer arminha com a mão é o bonito. Está tudo impregnado por esse clima nocivo. Tenho muito medo dessas eleições. Gostaria que o Lula ganhasse em 1° turno para que tudo fosse resolvido logo sem questionamentos.

A seu ver, não há hipótese de terceira via?

Não. Todos os de terceira via somados não dão um Lula.

Pretende fazer parte de um eventual governo?

Não cogito isso. Adoro o que faço hoje. É um cargo pequeno, mas estou fazendo enorme diferença, sobretudo para os negros. Vou ajudar o Lula no máximo que puder. Com toda a intimidade que tenho com ele, dar sugestões quando achar importante. Até já comentei com ele que umas das bandeiras fundamentais da campanha deveria ser a questão das mulheres negras.

Como confiar na pessoa que foi ministra de Dilma e ajudou a derrubá-la sendo o impeachment um episódio chave para a debacle do partido?
Eu não entendo como tendo ajudado a derrubar a Dilma. Ela perdeu apoio e eu votei como 90% dos deputados que perceberam que ela não tinha nenhuma condição de governar. Era um voto de absoluto bom senso, na minha visão pessoal. E, não se esqueça de que fui eu que liderei o 'Volta Lula'. Fui uma das principais lideranças que era procurada por quem achava que quem tinha de concorrer era ele, não ela. Como eu tinha muito acesso a ele, fui dizer, insistir. Ele dizia nem que sim nem que não.

Em entrevistas, Dilma diz ter poucas mágoas. Uma delas é com a sra. Arrepende-se de como a tratou?
Eu li isso. Tenho zero mágoa dela. Pessoalmente, sempre me dei bem com ela. É uma pessoa agradável, culta. Bateram muito nela, muito até por ser mulher.

Dilma foi injustiçada?
Todo o impeachment é político. Ali, havia o fundo político e também foi encontrado um jurídico, para se ter respaldo da lei: as tais pedaladas fiscais, que outros governantes já tinham feito. Se a economia estivesse indo muito bem, nunca teria havido impeachment. Ela sofreu impeachment pela falta de governabilidade e pelo caminho que iam o desemprego, a inflação, o descontrole cambial e a dificuldade que o próprio Lula dizia que ela tinha de dialogar com os políticos.

Uma curiosidade pessoal: por que escolheu o MDB, quando deixou o PT? O partido do Eduardo Cunha, do Temer, de Geddel Vieira Lima.
Por causa do Senado. Eu era senadora e me dava muito bem com vários senadores, tinha uma proximidade muito grande com o Renan Calheiros, presidente da Casa. Vários senadores do MDB vieram falar comigo, achavam que seria muito importante eu ir pra bancada deles. E eu me senti muito acolhida pelo MDB. Era a maior bancada do Senado, e eles diziam que me dariam todo o respaldo pra ser candidata ao que eu quisesse também.

Isso pode ser chamado de pragmatismo ou de oportunismo?
Nem um nem outro. Foi uma avaliação de conjuntura. Eu era senadora pelo maior estado, tinha de honrar os meus mais de 8 milhões de votos. Também tinha que ter um comportamento coerente com o que eu achava sobre a corrupção e não podia ficar sem partido no Senado, senão eu não conseguiria aprovar nenhum projeto.

Deu certo a aposta com o MDB?
Deu certo no sentido de que que eu me dava bem com eles. Pleiteei e tive a presidência da Comissão de Assuntos Sociais, onde fiz muita coisa, inclusive aprovar o substituto do Paulo Paim para melhorar aquele projeto horrível da reforma trabalhista. Também pude atuar muito na questão das mulheres. Mas aí resolvi sair da política e não disputar mais nada.

Por quê?
Desencanei! (risos)

Desencanou porque achou que fosse perder?
Não, não. Eu era do MDB, o presidente do Brasil era o Temer do MDB. Eu tinha muitas verbas para distribuir no interior, nos hospitais, eu tinha apoio. Não foi isso. Eu já tinha dado minha contribuição, estava há muito tempo no cargo. E aquele Congresso, com Magno Malta o tempo inteiro xingando todo mundo, não dava mais. Não havia mais discussões interessantes no plenário como antes, não se aprendia mais nada.

Depois do impeachment, o que achou que aconteceria?
Ninguém tem bola de cristal. Era o Temer assumindo um governo curto, dois anos apenas, uma transição. Depois dali, o Lula, eventualmente, poderia até voltar. Só que a história mostrou que o comportamento do juiz Sérgio Moro e do procurador Deltan Dallagnol colocaram o Lula na cadeia para tirá-lo da eleição. A Dilma foi retirada e o governo Temer acabou sendo meio truncado em virtude de tudo que aconteceu pessoalmente com ele. E depois teve o fortalecimento do Bolsonaro. Mas isso ninguém antevê.

Mais ou menos. Muita gente já apostava nisso.
Não se esqueça de que o público e todas as instâncias judiciais foram também muito usados. No "Jornal Nacional", por exemplo, foram cinco anos de noticiário sobre o PT, no qual aparecia um tubo saindo dinheiro de dentro dele. Não sei como Lula sobreviveu a esse massacre.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Marta Suplicy participam do Natal dos Catadores em dezembro de 2021 - Roberto Casimiro /Fotoarena/Folhapress - Roberto Casimiro /Fotoarena/Folhapress
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Marta Suplicy participam do Natal dos Catadores em dezembro de 2021
Imagem: Roberto Casimiro /Fotoarena/Folhapress

Ele foi preso.
E sobreviveu. Saiu da cadeia e hoje tem 40% dos votos. Então, algo muito forte existe no coração dos brasileiros para querer que ele volte e saber que ele tem direito de voltar.

Se Lula ganhar, como ele deve lidar com a corrupção?
Todo mundo fala do PT e a corrupção, mas as ações do PT importantes de combate à corrupção são pouco faladas. Eles fizeram a Lei de Acesso à Informação e outra de que eu preciso descobrir o nome, me esqueci. Então, acho que se aprende muito com a aprendizagem [passado]. E acredito que se aprende com as coisas erradas. Lula está entrando nisso com a biografia dele, com o passado dos outros governos, do que ele aprendeu na vida política inteira. E eu acho que ele vai ter um cuidado muito grande em relação a isso. Aliás, todo o PT.

A prefeitura de SP lançou um programa de combate ao racismo estrutural sob sua batuta. Como é possível lidar com esse nó no Brasil?
Estamos fazendo uma pesquisa muito reveladora avaliando o racismo das professoras das escolas públicas de São Paulo. Quando as pesquisadoras vieram conversar comigo, com alguns resultados, quase caí da cadeira. Só vamos conseguir mudar essa mentalidade quando as próprias professoras perceberem o racismo. E isso vale para todo mundo, até para mim. Volta e meia, eu me flagro com comportamento racista. A gente acha que não tem nada; de repente, comete um deslize. Porque é realmente estrutural.

O que é um deslize?
Ser condescendente é um deles. O outro é partir de pressupostos, que não são verdadeiros, quando se trata de uma pessoa negra. Em geral, pressupostos que nada têm a ver com ela, coisas que não se fariam com uma pessoa branca. São coisas horríveis.

Poderia dar um exemplo?
Não é um exemplo meu, mas eu cito sempre. É uma situação numa fila do ônibus, uma senhora branca bem arrumada e ao lado dela uma mocinha negra também bem arrumada. Começam a conversar e a branca fala para ela: "Querida, você faz faxina?' e ela diz: "Não, eu faço mestrado".

É branca, loura, olhos azuis, falando da causa negra. Percebe que a olham com um jeito de "lá vem a branca falar que que eu tenho que ser, o que eu tenho que fazer?"
Eu não sinto isso. Na reunião que tive há pouco, uma das pessoas, negra obviamente, disse que queria me agradecer porque era uma luz quando ouvia eu falar porque eu tinha ousadia, coragem e determinação para fazer as coisas necessárias. Fica até feio eu contar isso, mas foi o que ela falou. Tenho lugar de fala e lugar de escuta. E, nessas conversas, é tudo de igual para igual. Ali não tem quem é melhor ou pior.

Como uma liderança da periferia pode chegar a esse evento na sua casa, em um dos bairros mais caros da cidade, e achar que é coisa de "igual para igual"?
As ideias e as metas são iguais. Isso é o que importa. E eu faço a luta delas. Com foco na mulher negra. O meu lugar de fala é de aliada. Eu quero as mesmas coisas que elas querem.

O que aprendeu nos últimos quatro anos?
A ser verdadeira, a ser coerente. Fui coerente quando saí do PT. Sempre fui. Desde o "TV Mulher", quando eu paguei todos os micos, de falar coisas que eram tabus. Também no Congresso, quando enfrentamos temas polêmicos. Enquanto eu tiver lucidez e energia, devo continuar fazendo essas coisas, porque é o que me faz feliz na vida.

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