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Daniela Pinheiro

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O editor francês que fez mea-culpa por suas análises eleitorais

Olivier Bost, analista político francês e editorialista da RTL - Arquivo Pessoal
Olivier Bost, analista político francês e editorialista da RTL Imagem: Arquivo Pessoal

Colunista do UOL

08/10/2022 04h00

Este texto é parte da versão online da newsletter de Daniela Pinheiro, enviada ontem (7). Na newsletter completa, Daniela fala sobre as declarações do bispo da cidade do Porto sobre pedofilia, a questão da beleza de Edite Estrela, a dirigente do Partido Socialista português, e mais. Quer receber o conteúdo completo na semana que vem, por e-mail, com a coluna principal e informações extras? Clique aqui e cadastre-se.

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'Em vez do cenário político, era a minha expectativa pessoal'

Quase uma semana depois do primeiro turno das eleições, ainda se fala sobre as imprecisões das pesquisas eleitorais, que apontavam que Jair Bolsonaro teria por volta de 35% dos votos (teve 43,2%) e que Lula poderia ganhar ainda no primeiro turno. Como é de costume, pouco se fala sobre os enganos nas infindáveis previsões, análises, pitacos, apostas, vaticínios, reflexões feitas pela imprensa sobre o resultado nas urnas no dia 2 de outubro — muitos delas equivocadas e improcedentes. Desde a contumaz aposta na virada de uma terceira via, que nunca alcançou os 5%, até a menção a uma data específica (julho), quando Bolsonaro ultrapassaria Lula. Também a cantilena sobre o efeito do Auxílio Brasil influenciando o voto dos mais pobres, até a persistente tese de que bastava Lula moderar o discurso para ter o apoio dos evangélicos. No meu caso, disse publicamente que Bolsonaro ganharia em Lisboa. Aqui, Lula venceu com o dobro de votos de seu adversário. E agora, muitos analistas já decidiram que Bolsonaro está praticamente eleito. A ver.

Em julho de 2022, três meses depois das eleições presidenciais na França, Olivier Bost, um dos principais analistas políticos e editorialistas da RTL, uma conhecida emissora de rádio do país, surpreendeu a audiência quando, ao vivo, resolveu enumerar todos os erros de avaliação cometidos por ele durante a campanha eleitoral. Fez o que chamou de "mea-culpa pública", não apenas por ter se equivocado em alguns importantes prognósticos, mas por ter cometido análises políticas completamente desconectadas do que se provou ser a realidade nas urnas.

"Eu não vi, não entendi o que estava acontecendo", disse aos ouvintes. A saber: ele afirmou que o presidente Emmanuel Macron teria muita dificuldade para se reeleger. Deu a entender o tempo todo que nada seria fácil, que a campanha era capciosa, que nada estava definido (ele se elegeu com 58,5% dos votos). Também falou que Marine Le Pen, a candidata racista de extrema-direita, não chegaria ao segundo turno (ela chegou e teve 41,4%). Foi enfático em dois editoriais, dizendo que o candidato da extrema-direita ainda mais radical, Éric Zemmour — que já foi condenado duas vezes por incitar o ódio —, jamais concorreria, que se tratava apenas de um fenômeno da mídia (ele ficou em quarto lugar na disputa).

Em outro editorial, Bost chegou a sustentar que a esquerda de Jean-Luc Mélenchon era um fracasso. Nas eleições, viu-se depois, ele perdeu de Le Pen por apenas 421 mil votos, menos de 1% do eleitorado. Em junho, quando a extrema-direita ganhou 89 vagas na Assembleia Nacional, ele jogou a toalha. "Só tardiamente percebi o óbvio", disse na rádio. "Não entendi o cenário eleitoral imediatamente e também me faltou talento para fazê-lo."

Na quinta-feira (6), falei durante quase uma hora com Bost sobre as razões e consequências da autocrítica pública, do impacto dos erros das análises políticas na credibilidade da imprensa, da dificuldade dos jornalistas em admitir erros e mais. A conversa foi condensada e editada para melhor compreensão.

Daniela Pinheiro: Por que você decidiu enumerar seus próprios erros nas análises políticas?
Olivier Bost: Era o fim da temporada eleitoral e eu costumo fazer, em média, umas 200 análises políticas por ano na rádio. Resolvi olhar tudo o que eu tinha escrito naquele período como um reexame de consciência. Queria fazer um modesto exercício de autocrítica e focar nos erros, não nos meus acertos -- o que seria algo egocêntrico e apenas para minha satisfação pessoal. Foi interessante porque acho que a função do jornalista ou do analista político não é a de prever, mas sim de sentir o que está acontecendo, compreender alguns fenômenos, tentar explicá-los, descrevê-los. Não somos astrólogos nem videntes.

Qual acredita ter sido seu pior equívoco?
OB: Certamente o peso da extrema-direita na França. O tamanho de Éric Zemmour ou o bom desempenho de Marine Le Pen nas urnas. Realmente achava que o teto eleitoral dela era muito mais baixo. E quando eles fizeram mais de 80 deputados, fiquei muito surpreso. Eles tinham uma estratégia de longo prazo, vinham construindo esse movimento havia muito tempo e não percebi. Mesmo a reeleição de Macron, com uma campanha chocha -- nunca imaginaria aquele resultado.

Por que acha que não percebeu o que acontecia?
OB: Talvez eu tenha confundido o cenário com a minha expectativa pessoal. Também soma-se a isso o que tem se dito há muito: vivemos em bolhas, estamos sempre falando com quem pensa como nós. Isso inclui deputados, ministros, que também vivem em suas próprias bolhas. Sempre que vou escrever, telefono para pelo menos cinco, sete fontes para ouvir diferentes pontos de vista. Não sou do tipo que fica fazendo exercícios puramente teóricos e intelectuais. Só que, por achar que conhecemos muito bem a vida política, costumamos ter muitas certezas e ficamos tentados a analisar os eventos políticos com base em exemplos do passado, que nos são familiares. Tipo: "A tática de Macron é essa", "o jogo de fulano é aquele". Isso limita muito. Até porque, analisando a política na França nos últimos 15 anos, é tudo uma novidade. Não há padrão.

Qual foi a repercussão?
OB: Recebi muitas mensagens e as redes sociais reagiram melhor do que eu esperava. Os jornalistas e os políticos, em geral, disseram que foi um ato corajoso, que deveria ser copiado por toda imprensa. Não quis dar lição de moral em ninguém. Exercemos uma profissão complicada, num momento de desconfiança geral. Mas senti que para mim era importante. Foi muito natural, espontâneo. Teve um aspecto meio anglo-saxão, no sentido de ser meio didático e demonstrativo: eu fiz isso, aconteceu aquilo e o que podemos fazer com isso? Isso não é muito comum na França, onde ficamos muito na parte retórica das análises.

Por que os jornalistas têm dificuldade de admitir seus próprios erros?
OB: Temos uma profissão com problema de credibilidade. Adicionar a isso a autocrítica, expor os erros, pode parecer demasiada autoflagelação para alguns. Como os políticos, também temos problema em admitir que não entendemos de um assunto. Também não revelamos muito como trabalhamos. Muitas vezes, não somos nós quem erramos. Às vezes, é uma fonte errada, não é má-fé. E também tem o fato de que emendar informações nunca tem o mesmo peso. Ontem mesmo, eu falava sobre uma pessoa que não aceitou um alto cargo no governo e, na minha análise, enumerei muitas razões para a recusa. Ela, que não tinha aceitado falar comigo antes, entrou em contato e disse que eu não havia mencionado a mais importante. Ela era mãe e a vida familiar não comportava aquela posição no momento. Inseri essa informação no outro dia, mas não foi a mesma coisa. Não foi um erro, mas faltou a informação principal. No entanto, na maioria das vezes, sobretudo os políticos, querem corrigir detalhes irrelevantes. E aí, se começamos a fazê-lo, não paramos mais.

Você disse ter avaliado mal a ascensão da extrema-direita na França. Entretanto, é um movimento que se passa em vários países. Por que a imprensa ainda tem dificuldade em entender e lidar com esse fenômeno?
OB: Estamos vendo como a imprensa cobre isso, desde Donald Trump. Aqui na Europa também. E, até agora, ainda não há uma boa solução. Nosso papel é complicado. Temos que nos ater aos fatos, mas devemos gastar todo nosso tempo desmentindo os populistas? Se sim, caímos no relativismo de Trump e parte da audiência vai achar que estamos apenas dando opinião, e não fatos. Uma boa solução seria sempre dizermos que estamos "buscando a verdade", mas "não temos a verdade". É uma nuance muito importante, um "approach" mais modesto do que nos colocar como donos da verdade.

O que mudou na sua maneira de fazer jornalismo depois de ter errado nas análises e prognósticos eleitorais?
OB: Não sei se é uma mudança de método, mas estou mais cauteloso em alguns assuntos. Por exemplo, no que diz respeito a denúncias sexistas e de cunho sexual no mundo político. Hoje estou mais atento porque essas histórias nunca estão bem contadas do início. E, em geral, sempre um lado se sobrepõe. A ideia de dizer que a carreira de um político envolvido nisso está acabada, que ele não tem mais futuro, eu duvido disso, como também duvido desse feminismo tão ofensivo que há atualmente. Não sei se a prudência é a melhor maneira de lidar com isso, mas o que sei é que fiquei muito mais aberto a absorver outras hipóteses.

Acha que Marine Le Pen vai ganhar as próximas eleições presidenciais na França em 2027?
OB: Não sei.

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