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Daniela Pinheiro

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Paula Lavigne: 'Não vai ter Lula para conseguir lidar com Centrão rico'

Paula Lavigne - Bob Wolfenson/UOL
Paula Lavigne Imagem: Bob Wolfenson/UOL

Colunista do TAB

09/04/2022 04h01

Esta é parte da versão online da edição de sexta-feira (8) da newsletter de Daniela Pinheiro. Para assinar o boletim e ter acesso ao conteúdo completo, clique aqui.

É com um pé em Portugal e outro no Brasil, de olho nos patrícios e nos locais, que irei tocar essa coluna. Ela não terá só reportagens ou crônicas. Será mais que um relato frio e menos do que um tratado de geopolítica. Vai tratar dos temas sérios, dos irrelevantes, dos espantosos, dos frívolos e dos essenciais. Não nessa ordem, não na mesma extensão, mas com igual galhardia, graça e gana de aprender. Boa leitura.

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Ela organiza o movimento

Na última sexta-feira (1), Caetano Veloso deu início à turnê de seu novo trabalho intitulado "'Meu Coco", concerto que inclui inéditos e sucessos de sua carreira, como "Leãozinho" e "Reconvexo". O primeiro show foi em Belo Horizonte e, como sempre, o teatro estava lotado. E, como sempre também, a performance foi interrompida e importunada por um gutural "Fora Bolsonaro", gritado após a última nota da primeira música.

Como um déjà-vu da icônica reportagem "Caetano estaciona no Leblon", publicada há dez anos — quando o músico foi flagrado em roupa branca, olhando para o lado decidindo se atravessava a rua ou não —, a notícia ganhou ares de... notícia. A razão foi, desta feita, a resposta dada por Caetano ao berro anônimo contra o presidente do Brasil, vindo da audiência: "Sem sombra de dúvida", ele respondeu, baixinho. Foram quatro palavras, sete sílabas, apoiadas em fonemas nasais, na aliteração do "sem" e do "som", seguido pelo dígrafo, finalizadas com a proparoxítona línguo-dento-labial: "sem-som-bra-de-dú-vi-da".

Em fevereiro, quando Caetano terminava uma turnê europeia em Lisboa, conversei com Paula Lavigne, sua empresária e produtora, com quem é casado. Ela falou sobre o "Fora Bolsonaro", a diferença das plateias mundo afora, o futuro da política brasileira, o perfil do artista publicado pela revista norte-americana The New Yorker e sua impressão acerca do homem que está à beira dos 80 anos.

Caetano Veloso em show de 'Meu Coco', em Belo Horizonte, na última sexta-feira (1) - JP Lima/Divulgação - JP Lima/Divulgação
Caetano Veloso na abertura da turnê 'Meu Coco', em Belo Horizonte, em 1º de abril
Imagem: JP Lima/Divulgação

A entrevista foi editada para melhor compreensão.

Daniela Pinheiro: qual a diferença da plateia nos shows do Caetano no Brasil, em Portugal, na Europa?
Paula Lavigne: Portugal tem teatros lindos e conservados, o que faz com que a gente tenha shows maravilhosos. Por conta da língua, da relevância do Caetano, dos muitos brasileiros que moram aqui, fazer show em Portugal é outra coisa. Não é como chegar, sei lá, na Filarmônica de Hamburgo, onde as pessoas conhecem ele, mas não é igual.

Em que é diferente?
Foi maravilhoso, tudo lindo, perfeito, acústica maravilhosa, lugar de sonho. Não é que as pessoas não gostem, mas quando é na língua da gente é diferente, né? E tem também a coisa da organização, que faz TODA diferença. Estávamos começando a turnê ainda no meio do caos no mundo, pandemia, regra diferente em cada lugar: pode metade da sala, pode 60%, tem que ser com máscara, tem que mostrar PCR ou certificado de vacinação, tudo ainda confuso. Tivemos pouquíssimos problemas, mas os que tivemos sempre foram com brasileiros à porta.

O que eles fazem?
Em Lisboa, por exemplo, era brasileiro não querendo mostrar PCR, não sei o quê. Não era o português, era sempre brasileiro. Houve pouquíssimos problemas, mas foram desagradáveis. Tipo o Caetano já no palco cantando, e um cara do lado de fora arrumando confusão, gritando, protestando, dizendo que não era obrigado a mostrar a prova da vacina. E, quando você vai ver, é brasileiro.

Caetano Veloso e Paula Lavigne durante em 2018 na Casa do Povo, no Bom Retiro, em São Paulo - Greg Salibian/Folhapress - Greg Salibian/Folhapress
Caetano Veloso e Paula Lavigne durante em 2018 na Casa do Povo, no Bom Retiro, em São Paulo
Imagem: Greg Salibian/Folhapress

E o que se faz numa hora dessas?
Eu mesma, nada. A gente fica sabendo depois. A produtora portuguesa que trabalha conosco é muito competente. E foram eles que resolveram esses problemas. Mas dá uma certa vergonha, né? Porra, a gente vai para os lugares e tem sempre brasileiro arrumando confusão, mesmo que as regras tenham sido avisadas em todo lugar desde quando se compra o bilhete.

Isso aconteceu em algum outro país da Europa ou só em Portugal?
Não. Só em Portugal, e com brasileiros. Na Europa inteira -- Filarmônica de Hamburgo, Filarmônica de Paris --, o show está marcado para as 20h e ele começa às 20h01. Às 19h58, está todo mundo sentado. Então, comparado com isso, Portugal foi horrível. Mas, peralá: parece que estou aqui falando mal de brasileiro. Não estou falando mal de brasileiro, mas é uma questão cultural, mesmo. Em todo lugar, tudo começa na hora, tudo em ponto. E, em Portugal, como tem muito brasileiro, ficava essa coisa de atrasar demais. Até os portugueses se incomodavam com essa -- vamos dizer assim -- flexibilidade (risos). Não é comum.

Não é muito chato ter que ouvir "Fora Bolsonaro" em toda apresentação? O Caetano não reclama?
Não tem problema porque a gente concorda (risos). O que não dá é para deixar aquilo ficar grande, entrar na onda, porque senão é punk. Deixa de ser o show dele para ser outra coisa. Era ruim na época do "Lula livre", o povo começava a puxar, e aí vinha vaia, berro, o Caetano tinha que parar tudo e ficar em silêncio esperando a plateia se acalmar para não ter briga. Mas hoje em dia o "Fora Bolsonaro" é consenso.

Há um protocolo nos shows para quando começa o "Fora Bolsonaro"?
O artista faz o que ele quer. O Caetano faz o que ele quer, no dia em que ele quer. Depende do ânimo dele. Hoje em dia, dá uma resposta bem curtinha e pronto. Tipo: gritam "Fora Bolsonaro" e ele diz: "Com certeza". E pronto. Não tem discussão com a plateia, não tem vaias. Então, é isso, depende do mood dele. Do que ele quer falar, dizer, fazer.

Muitos artistas estão deixando o Brasil. Há alguma chance de vocês saírem?
Não tem a menor chance. O Caetano sempre diz que só sai do Brasil do jeito que ele saiu da outra vez: obrigado. Não, a gente não tem vontade, não.

Caetano Veloso - Fernando Young / Divulgação - Fernando Young / Divulgação
Imagem: Fernando Young / Divulgação

Tem muitos amigos que deixaram o país? O que eles contam da vida fora do Brasil?
Muitos, demais. Em todas as áreas. A maioria gosta muito, menciona a qualidade de vida, a segurança. E com o Bolsonaro passou a ter muita perseguição e até criminalização dos artistas. Então, quem saiu também se sente aliviado. Não julgo quem foi embora. A gente prefere ficar aqui lutando para ele sair do governo.

A revista norte-americana The New Yorker publicou um longo perfil do Caetano e o chamou de o "Cristo da contracultura". O que achou da reportagem?
Foi legal, o jornalista ficou grudado na gente uma semana. Eu pensava: "gente, pelamordedeus, para que tanto grude?". Era igual a você na piauí.

Sim, mas eu sempre quis perfilar você, não ele.
Para mim, não dá. Não viu na New Yorker que o cara já começa me descrevendo falando que eu estava "rolling a joint" (enrolando um baseado)?

Ficou muito moderno.
Ah, está vendo por que não dá? Mas Caetano gostou porque, em geral, a revista dá umas esculachadas. Se bem que, nesse momento agora, iam esculachar o quê, né? Está todo mundo sofrendo, coitada de toda gente. O Brasil está foda. Está muito difícil. Muito mesmo. É muita perseguição.

Ninguém persegue Caetano Veloso.
Sim, é verdade. A gente não se abala. Mas eu sempre ouço isto: 'Ah, você fala isso porque é o Caetano Veloso'. Bom, e é exatamente isso. Ele pode responder, fazer o que quiser, ele vai fazer 80 anos, não precisa provar mais nada para ninguém. Mas para a turma mais jovem, que está começando, é muito difícil. Todo o desmonte na cultura, toda a estrutura que a gente tinha, turma de música, de teatro, de cinema, coisa horrível, coisa horrível. Triste, triste mesmo.

Compartilha da onda sebastianista provocada pelo desejo da vitória de Lula, como se o Brasil fosse acordar diferente em 1 de janeiro de 2023?
Não acredito em nada disso. Estou muito preocupada e pessimista. Acho que o Lula vai ganhar -- o que é ótimo --, mas vai vir um Congresso muito pior. Essa coisa do fundo partidário que nunca se teve, coisa de quase 6 bilhões de reais, as emendas milionárias, isso atrai candidatos com interesses que não o da política. Vem um Congresso horroroso aí, que a gente nunca teve. Não vai ter Lula que vá conseguir lidar com esse Centrão trilhardário. A política passou a depender do Congresso, como um parlamentarismo presidencial. Por um lado, dá um descanso pensar que Lula está na frente, mas, por outro, o Bolsonaro não está preocupado, ele tem muita gente na mão. Vai vir uma coisa muito pior por aí. Anota aí: Mãe Paula joga os búzios (risos).

Paula Lavigne conversa com Chico Buarque ao telefone, durante 'Ato pela Terra', em Brasília - Fátima Meira/Futura Press/Folhapress - Fátima Meira/Futura Press/Folhapress
Paula Lavigne conversa com Chico Buarque ao telefone, durante 'Ato pela Terra' de 9 de março, em Brasília
Imagem: Fátima Meira/Futura Press/Folhapress

O que mais Mãe Paula prevê?
(Risos). Veja, nem o Supremo segura mais nada. Vai vir um Congresso daqueles. E se a oposição eleger 100, já está bom. Mas nem sei se isso vai acontecer.

Caetano parece estar envelhecendo muito bem. Quando vê nele um senhor de quase 80 anos?
Ah, ele não tem mais disposição pra sair, pra ver tudo, né? Até por causa da [variante] ômicron. Ficou tudo diferente. Uma pessoa mais velha não pode ficar pegando gripe assim, é perigoso demais. Mesmo vacinadas, as pessoas estão ficando muito mal. O Moreno, filho do Caetano, teve uma gripe horrível. A do Caetano foi leve, mas ficou cinco dias com febre. Então, uma pessoa de 80 anos não pode ter gripe, não pode se expor tanto.

Isso a deixa preocupada?
Um pouco. Até na matéria da New Yorker, o repórter contou um pouco isso. O Caetano andando na rua, vem um estranho, agarra nele, fala "Vem aqui me dar um abraçaço, Caetano!". O cara deu um jeitão no pescoço dele. O cara não fez por mal, mas a pessoa está mais frágil, mais vulnerável fisicamente. Não pode fazer isso. Ele não gosta nem anda com seguranças, e aí isso acontece. Também tem essa coisa que eu chamo de "o efeito Caetano": as pessoas o veem como uma entidade, elas ficam embasbacadas diante dele, têm reações, querem tocá-lo. Aí, você fica olhando para aquilo e pensa: "Caraca, como eu vou lidar com isso?" É difícil.

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