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Lidia Zuin

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Com avatares, youtubers ganham fãs e não precisam se produzir para vídeos

Hololive - Reprodução/ Facebook
Hololive Imagem: Reprodução/ Facebook

Colunista do TAB

14/05/2021 04h00

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VTuber ou virtual youtubers são avatares em computação gráfica usados em streamings e vídeos publicados no YouTube desde o meio da década passada. Antes reservado a um público majoritariamente japonês, hoje o YouTube já conta com mais de 10 mil contas de VTubers ativas. Uma das primeiras a iniciar essa tendência e, inclusive, usar o termo "virtual youtuber" foi Kizuna AI, que começou a publicar seus conteúdos em 2016 e já fez sucesso no Japão. Isso fez com que agências especializadas como Hololive Production e VShojo passassem a dar mais atenção a esse nicho que se desdobrou também nas campanhas publicitárias locais.

Já no ocidente, essa mudança se deu de uma outra forma, conforme vimos o surgimento de influenciadoras digitais feitas em computação gráfica, como foi o caso de nomes como Lil Miquela e Shudu. Nem todas as influenciadoras virtuais são totalmente computadorizadas: Lil Miquela, por exemplo, usa o corpo de uma mulher real e o rosto é feito em computador. Já Shudu é completamente virtual. Ambas as influenciadoras administradas por agências de publicidade e marketing americanas já estrelaram campanhas para grifes como Fenty Beauty, Balenciaga, Moncler e Calvin Klein, em um vídeo no qual Miquela beija a top model Bella Hadid.

É curioso, porém, que essas personagens geradas em computação gráfica pouco tentem subverter a estética do marketing de influência nas redes sociais. Em vez de promover outros tipos de beleza (até talvez não-humanos), essa tendência se focou em reforçar os mesmos estereótipos e padrões que fizeram influenciadoras como as irmãs Kardashian conquistarem milhões de seguidores.

Shudu, por outro lado, chegou a ser criticada devido ao fato de ser uma modelo negra que não existe, porque modelos negras já têm dificuldade de se inserir no circuito da alta moda, então Shudu estaria acirrando a competição com atributos contra os quais as modelos humanas não podem competir — isto é, sua ubiquidade, adaptabilidade e o fato de, afinal, não ser humana e, portanto, não contar com necessidades físicas e emocionais.

No Japão, a Louis Vuitton chegou a fazer uma campanha para divulgar sua nova coleção em 2015 usando a personagem Lightning de Final Fantasy como protagonista. Nas passarelas, porém, foi a modelo Fernanda Ly que incorporou a personagem com seus cabelos igualmente cor-de-rosa. Em 2018, foi a vez da Kizuna AI estrelar uma campanha da Softbank anunciando os novos modelos iPhone XS e XS Max. Nesse mesmo ano, também, a Wright Flyer Live implementou um aplicativo mobile pelo qual as VTubers poderiam transmitir seus vídeos e também monetizá-los enquanto engajam com seus seguidores. Desde então, a plataforma já recebeu 10 bilhões de ienes (cerca de 89 milhões de dólares) em investimento.

A moda se espalhou também nos países vizinhos ao Japão, como foi o caso da China, Coreia do Sul, Indonésia e Índia, que passaram a investir em VTubers que falavam inglês. Tal foi a popularidade conquistada por esses avatares que, em agosto de 2020, a VTuber Kiryu Coco chegou a gerar cerca de 810 mil dólares com suas lives. Também no ano passado, o YouTube também declarou que a categoria já contava com cerca de 1.5 bilhão de visualizações por mês, o que nos faz questionar se não valeria a pena para streamers humanos também começarem a usar avatares.

Foi o que a streamer do Twitch Imane "Pokimane" Anys fez em 2020 ao encomendar um avatar em 3D baseado em sua aparência e com estilo de anime. Ela chegou a comentar em uma live que "nunca mais precisaria fazer exercícios", afinal, seu avatar já tinha barriga chapada e uma aparência impecável. Para isso, Pokimane passou a usar sistemas de rastreamento de voz e face para sincronizar os movimentos do avatar quando dança, canta, conversa ou joga alguma coisa. Boca, olhos e mãos se mexem como o do humano por trás da simulação, conferindo assim mais sincronia e realismo à performance.

No caso da Kizuna AI, já se sabe que ela é operada por uma dubladora japonesa, apesar de ela preferir dizer que é mesmo uma inteligência artificial. No entanto, alguns fãs especulam que outros avatares se utilizem de programas de sintetização de voz, como é o caso do Vocaloid, que ficou popular principalmente a partir da personagem Hatsune Miku — que, inclusive, já fez um show holográfico aqui no Brasil.

Apesar de toda a estética simulada, as VTubers fazem coisas triviais como jogar videogame, desenhar gatinhos, conversar sobre tópicos polêmicos ou simplesmente bater papo com os seguidores. Há também VTubers como a Projekt Melody, que se descreve como "a primeira camgirl hentai renderizada em 3D" , lançada em uma plataforma sugestivamente nomeada de Chaturbate, através da qual os seguidores podem fazer doações e assim ativar funcionalidades em um vibrador conectado à internet.

Em entrevista para a Wired, algumas VTubers chegaram a comentar que a vantagem de se usar um avatar é que, assim, as pessoas podem se sentir "mais livres para serem elas mesmas", de modo que essas personagens possibilitam outros tipos de interação e de expressão. A VTuber Natsumi Moe já chegou a comentar que estava tendo problemas com seus pais e com sua carreira "na vida real", mas quando os seguidores perguntaram de onde ela era, a resposta foi "sou da internet, do Google Chrome."

Se essa confissão foi fictícia ou não, o que é fato é que avatares promovem mais privacidade aos operadores. Anys disse à Wired que isso ajuda a incluir mais streamers que não querem usar câmera e que, do mesmo modo, a audiência masculina também aprecia esse tipo de conteúdo. Então, parece haver só vantagens em assumir um avatar e não precisar se preocupar em estar sempre bem arrumada, de bom humor e animada, mesmo depois de quatro ou seis horas de transmissão. Já no caso da streamer Bunny_Gif, ela chegou a confessar que não gosta de arrumar o cabelo ou ficar fazendo maquiagem. Assim, com um avatar, ela pode ficar sempre de pijama e parar de se preocupar com ângulos não muito favoráveis.

Se, por um lado, a geração Z está procurando mais honestidade em perfis de Finstagram, por outro, cada vez mais vemos a popularização e multiplicação de procedimentos cosméticos, filtros e cirurgias que oferecem a oportunidade de as pessoas se enquadrarem mais nos padrões midiáticos. A pesquisadora Camila Cintra comenta isso em seu recente lançamento, o livro "O Instagram está padronizando os rostos?", no qual ela percorre uma breve história cultural do rosto até a era digital, localizando os novos significados que ele adota em redes socias como o Instagram — e como essas representações de faces se relacionam com a subjetividade dos usuários e a lógica de consumo.

VTubers, portanto, têm a chance de possibilitar que mais pessoas se expressem com avatares fictícios e adotem uma existência corpórea digital que mais tenham a ver com a sua identidade de gênero ou mesmo com algo com o qual se identificam — afinal, como já comentei em outra oportunidade, não precisamos nos limitar a formas humanas e padrões com as possibilidades da computação gráfica. Por outro lado, o tipo de estética "kawaii" e infantilizada desses avatares que, por vezes, tomam até posturas mais sexualizadas como no caso da Projekt Melody, pode não ser algo muito benéfico, uma vez que apenas transpõem para um outro nicho a mesma mecânica das camgirls humanas. Mas depois da reação negativa ao avatar VTuber do streamer Pewdiepie, ficou mais claro também como a comunidade VTuber tem uma outra mecânica de interação, que não tem tanto a ver com a comunidade em torno dos streamers "tradicionais".

As redes sociais já se organizam inexoravelmente a partir de algoritmos e fórmulas que beneficiam certos indivíduos e conteúdos, afinal, @Azusagakuyuki chegou a mais de 18 mil seguidores no Twitter justamente após começar a publicar fotos femininas. O experimento do algoritmo racista do Instagram também dizem muito nesse sentido, o que nos faz crer que se VTubers apenas transformarem essa mesma lógica em um formato anime. Talvez estejamos apenas andando em círculos em torno desse problema que não vai se resolver sozinho.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL