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Nossas emoções se misturaram, diz intérprete de Libras que viralizou na CPI
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Como muitos brasileiros, João Gleverson de Oliveira levou a mão ao rosto ao ouvir o relato de Giovanna Gomes Mendes da Silva, que perdeu os pais para a covid-19.
"Eu, meus pais e minha irmã éramos muito unidos. Onde estávamos, estávamos juntos. Quando meus pais faleceram, perdemos as duas pessoas que mais amávamos. Eu precisava da minha irmã e ela precisava de mim. Me apoiei nela e ela se apoiou em mim", disse a jovem de 19 anos na sessão que encerrou os trabalhos da CPI da Pandemia no Senado.
Naquele momento, o estudante de psicologia de 33 anos sobrepôs uma mão à outra para traduzir a expressão. E parou, levando a mão direita à boca, como se contivesse o espanto. Giovanna embargou a voz e pediu desculpas. Ele também parou. No segundo em que ela ficou em silêncio, o intérprete de libras da TV Senado (na verdade, da empresa contratada pela TV Senado) cruzou as mãos e movimentou os lábios, como se chamasse alguém. Era a hora de trocar de posição com seu parceiro de tradução, que assumiu o seu lugar.
A empresa contratada para serviços de acessibilidade tem uma sala em Brasília, fora das dependências do Senado, onde faz as traduções simultâneas. O vídeo com as imagens viralizou ao longo do dia, com milhares de compartilhamentos. Foi um susto, contou João Gleverson ao TAB, no dia seguinte.
"Logo no primeiro post, no Instagram, achei que fosse uma publicação que dava visibilidade à Língua Brasileira de Sinais (Libras) e que ia ficar por aquilo mesmo. Mas durante o dia, muitas outras postagens foram feitas. A repercussão foi bem além do que eu imaginava e, sim, isso me deixou bem assustado."
Nas 24 horas seguintes, o intérprete recebeu uma sucessão de ligações e mensagens de amigos, familiares e colegas de trabalho no WhatsApp. "Muita gente mandava prints. Foi um bombardeio."
João, que presta serviço também para a TV Câmara e já trabalhou como intérprete em universidades, institutos federais e até como gestor de RH para pessoas com deficiência, já atuava no Senado quando a CPI começou. Lá ele ouviu e traduziu um pouco de tudo. "A gente fica mais reflexivo numa fala ou outra. Como o Parlamento trata de assuntos sociais, que envolvem a população por inteiro, eu, enquanto população, sou atingido pelas decisões que são tomadas lá. Mas emoção de modo flagrante eu tento não demonstrar. É um esforço meu, e uma característica pessoal", conta.
Só que, na última sessão da CPI, as emoções da depoente e do intérprete se encontraram e foram transmitidas ao vivo. Enquanto Giovanna falava, ele se lembrou de amigos que perderam familiares durante a pandemia.
"Era um discurso bem emocionado. A minha atribuição era incorporar o sentimento que ela estava expressando e trazer para a minha interpretação. Mas, no momento de tentar incorporar aqueles sentimentos, por mais que a gente tente ser neutro, minhas emoções se misturaram com as dela. A gente começa a lembrar também de quantas pessoas morreram na pandemia, lembra das pessoas. E se coloca no lugar dela [Giovanna], que agora tem a imensa responsabilidade de cuidar da irmã sem o pai e sem a mãe. A gente pensa como a vida dela mudou de repente e pergunta: e se fosse com a gente? Me pergunto também como estão as pessoas com que convivo e que também perderam pessoas para essa doença. Isso estava na minha mente na hora da interpretação. O Brasil e o mundo estão estarrecidos com o que acontece por conta dessa doença. Não é só a doença. São as consequências para quem sobreviveu, para quem perdeu alguém, e também as consequências sociais e econômicas."
João conta que uma das características da língua dos sinais é a necessidade de usar o corpo inteiro para a interpretação. As ideias e informações são transmitidas com expressões faciais e movimento do tronco. "Nosso corpo inteiro transmite a mensagem. Nós, como intérpretes, devemos, além de passar informação, transmitir o sentimento daquela fala."
E, explica ele, no esforço de não deixar nenhuma informação da palestrante passar, é comum ficar parado, como aconteceu durante a sessão da CPI. "Não significa que estamos deixando a informação passar. Nesse momento em que a gente fica parado, vez ou outra, estamos construindo nossa estrutura. A língua de sinais tem uma estrutura completamente diferente da do português. Não existe um sinal para cada palavra. Então parece que estamos deixando passar alguma ideia, quando na verdade estamos pensando em construir a melhor estrutura possível para que a mensagem seja passada de maneira clara."
Os desafios do trabalho são recorrentes, e esbarram em todo tipo de emoção. Em abril, por exemplo, João e seus colegas de trabalho tiveram de manter a postura enquanto lidavam com um dos sentimentos mais incômodos: o medo.
Isso porque, durante uma sessão da TV Câmara, um saruê (também conhecido como gambá-de-orelha-preta) invadiu a sala onde acontecia a transmissão e deixou toda a equipe de intérpretes em pânico. "Estávamos ao vivo, e foi complicado controlar o medo. Tentei manter a situação de modo natural. Estava com medo de ele se sentir assustado e urinar em mim. Depois fui ver que esta não era uma característica desse bicho", conta.
Passado(s) o(s) susto(s), o estudante e intérprete já planeja o futuro próximo. Quer unir psicologia e Libras para atender a uma população que, em tempos de pandemia, sofre com a covid-19 e não conta com suporte emocional adequado. "Serei psicólogo e quero incluir os surdos nesse âmbito. Hoje o surdo, se for fazer tratamento adequado, não pode ter uma terceira pessoa para interpretar, já que o atendimento é sigiloso. Por isso quero fundir as duas coisas."
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