Topo

Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O que a gargalhada de Flávio Bolsonaro diz sobre ele? E sobre nós?

20 out. 2021 - Senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) ironiza possível indiciamento do pai pela CPI da Covid - Gabriela Biló/Estadão Conteúdo
20 out. 2021 - Senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) ironiza possível indiciamento do pai pela CPI da Covid Imagem: Gabriela Biló/Estadão Conteúdo

Colunista do TAB

23/10/2021 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Os olhos vermelhos de Jair Bolsonaro, cansados de chorar no banheiro, querem sorrir.

Frustrado desde que o golpe ensaiado em 7 de Setembro foi barrado, provavelmente por algum interlocutor militar indisposto a se converter em brinquedo GI Joe, o presidente confessou, dias atrás, que deixa correr as lágrimas em seus momentos de intimidade — em segredo da companheira, para não mostrar fraqueza.

Fato é que Bolsonaro, que quando quer chorar vai ao banheiro, como o amigo Pedro de Raul Seixas, gargalhou. Foi o que disse o senador Flávio Bolsonaro (qual seu partido agora mesmo?), ao comentar como o papai teria reagido ao saber que nove crimes haviam sido imputados a ele no relatório da CPI da Covid, entre eles o de charlatanismo.

O 01 foi além. Fez questão de interpretar, com entonação de cantor de ópera, a risada peculiar já vista em outras cenas, como quando o 00 imitou um doente terminal com falta de ar; quando insinuou que as pessoas estavam fingindo ter covid para buscar tratamento de ozônio via retal; ou quando mandou um eleitor comprar vacina na casa da mãe — para deleite de uma plateia qualificada e divertida.

Não fossem, ele e os filhos com mandato, cérebros de pretensões ginasiais presos em corpos amadurecidos, seria possível desconfiar que a família andou lendo Umberto Eco. No livro "O Nome da Rosa", há um diálogo profundo, e talvez inacessível para o clã, sobre o riso e o pecado.

Nas palavras do soturno personagem Jorge de Burgos, espécie de Damares Alves do mosteiro medieval, o riso libera o indivíduo do medo do demônio, tornando-o vulnerável às suas armadilhas. A risada levaria o homem a afrontar as autoridades humanas e divinas. Justo aquelas que o bordão da família prometeu colocar acima de todos.

"O que queremos nós, criaturas pecadoras, sem o medo, talvez o mais benéfico e afetuoso dos dons divinos?", discursa o velho monge da ficção.

Flávio, talvez vestindo a indumentária de Sean Connery no filme homônimo, queria "rir e dizer coisas ridículas, ainda que para humilhar seus próprios inimigos".

Os inimigos eram os integrantes da CPI que pedem a responsabilização do pai por ter feito exatamente o que eles dizem que ele fez. A lista é conhecida.

Só que a risada interpretada pelo filho era tão convincente quanto os princípios liberais de Paulo Guedes. O cacoete cômico não passaria na seleção de escola dramática. Flávio Bolsonaro é, antes de tudo, um mau ator.

Fora de cena, o que existiria, de verdade, naquele coração maltratado pela vida e que ri da própria desgraça e a dos compatriotas?

Seria então, aquela risada, um transtorno, como o riso nervoso em resposta ao estresse de saber que, das três opções dadas pelo 00 em seu discurso no 7 de Setembro (vitória, cadeia ou a morte), a cela é a que está mais próxima do horizonte presidencial?

Ou seria uma risada simulada à la Arthur Fleck no filme "Coringa"?

(O personagem, sim, sofre de "crise de epilepsia gelástica", um tipo raro de convulsão que se manifesta à revelia da vontade — segundo especialistas, acontece não quando a pessoa está feliz, mas desmotivada).

Involuntária a risada de Flávio Bolsonaro não é. Feliz ele também não estava. Seria um escape?

Fiz essa pergunta a um conhecido psiquiatra e psicanalista, para quem o único dado aparente é a perversidade. Uma característica que se manifesta também quando o irmão 03 posa de "sheik" enquanto os súditos caçam ossos ou quando o pai contém o riso ao mandar o paciente avesso a cloroquina tomar Tubaína.

Aquele riso, me garante o professor (que não vamos identificar), não é o riso de quem tem confiança na própria impunidade. É o riso de quem sabe que foi pego mas se diverte chocando os algozes e a plateia — que corre, quase sempre, para passar recibo manifestando repúdio e horror. Não aqui, Flávio.

No fim, o que ele quer é mostrar o desprezo e a relação mórbida com o pacto civilizatório e a lei, sobre a qual tenta o tempo todo demonstrar superioridade. É a estratégia do vilão do filme "Seven", que testa o bom-mocismo do personagem de Brad Pitt até ele explodir e provar que, no fundo, eles são iguais. Entre risos e lágrimas de crocodilo, o papel de vítima é o que a família faz de melhor quando a molecagem é repreendida.

Um amigo psicólogo, em conversa reservada, explica por que se sente impedido de opinar sobre a personalidade do 01 exposta naquela risada. Primeiro porque seria necessário acompanhar o paciente. Segundo porque, nesse caso, a relação seria sigilosa. De vez em quando um juiz pede uma avaliação a profissionais para saber se determinada pessoa tem desvio de personalidade ou condições de ocupar o cargo que ocupa.

Qualquer coisa fora disso seria buscar algo onde encaixar o personagem, numa manipulação da psicologia para buscar a explicação de um fenômeno que é social, político — e criminoso. Vem então a tentação de periciar o fato delitivo pela explicação médica, como se o delito fosse sempre patológico.

Noves fora, ele me recomenda ler o que Freud escreveu sobre personalidade perversa, aquela que goza no mal que faz. Pode ser um caminho para entender o jogo entre a risada perversa e a risada aflita de quem sabe que se deu mal. Freud e, nesse caso, Steve Bannon, o guru alfabetizado da turma, explicam.

Enquanto buscamos pistas, Flavinho seguirá rindo. Ou chorando. Tem banheiro na prisão?