A capacidade (ou a urgência) de observar e refletir sobre a vida parece ter voltado com tudo. Nesse mundo onde nada será como antes, como o rio de Heráclito, dúvidas existenciais estão por toda parte — e se refletem na busca por respostas em livros de filósofos na lista de mais vendidos, como o "Pequeno Manual Antirracista", de Djamila Ribeiro, ou em séries de lives filosóficas, como o "Prendiamola con Filosofia", evento online na Itália com mais de 3,5 milhões de visualizações. Até Luiz Henrique Mandetta andou falando de Platão. Em 7 de abril, em meio a boatos de que deixaria o cargo de ministro da Saúde, ele disse que tirara o final de semana para reler o Mito da Caverna.
Foi Heráclito quem afirmou que o logos — a razão que governa o mundo — habita os seres humanos, mas na maior parte permanece adormecido. Não à toa, o curso online mais assistido durante a quarentena, no site da Casa do Saber, foi sobre o filósofo alemão Friedrich Nietzsche. "Ele é popular porque é altamente contestador em relação a muitos valores tradicionais. Veem nele possibilidade de mudança", explica o ex-ministro da Educação e escritor Renato Janine Ribeiro, professor de filosofia na USP (Universidade de São Paulo).
Na realidade pandêmica, perguntas existenciais sérias ganharam urgência. A prefeitura de Teresina não foi nada sutil: em uma campanha sobre a importância do isolamento social, três pessoas tiveram de responder quem escolheriam para receber um respirador, entre membros da própria família. Alguém se pergunta: "Tenho 65 anos e, portanto, sou grupo de risco. Meu filho, de 32, se ofereceu para fazer as compras. Só que ele tem asma. Quem deveria ir?". Quem, leitor? Pedir comida por aplicativo, então, virou dilema ético. A realidade gritava, e agora a estamos ouvindo um pouco melhor.
Para o criador do podcast Filosofia Pop e professor da Unilab (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira) Marcos Carvalho Lopes, não é difícil entender o apelo filosófico do atual contexto. É quando algo modifica o cotidiano e quebra a sequência de hábitos que as pessoas ficam reflexivas, num "diálogo da alma com elas mesmas". Daí a importância de devolver a filosofia ao cotidiano, defende.