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De Ceilândia ao Alvorada, Michelle deixa reclusão e quer ser Kate Middleton

A princesa de Bolsonaro - Sérgio Lima/AFP
A princesa de Bolsonaro
Imagem: Sérgio Lima/AFP

Juliana Faddul

Colaboração para o TAB, de Brasília

13/09/2022 04h01

Os moradores da pequena Eldorado despertaram com sentimentos ambíguos naquele 21 de janeiro de 2022. A beata da cidade, Dona Olinda, 94, a maior parte deles vividos naquele município do interior paulista, havia morrido de parada cardiorrespiratória. A agitação em torno do acontecimento, no entanto, não se devia exclusivamente à tristeza pela perda de uma figura central da comunidade, mas sobretudo pela chegada iminente do seu filho político e cidadão ilustre: o presidente Jair Messias Bolsonaro, 67.

À medida que a cerimônia de sepultamento seguia seu curso no Salão Paroquial da cidade, a atenção direcionada ao mandatário foi gradualmente mudando de foco. Olhares e comentários migraram pouco a pouco para o seu lado direito, onde uma mulher de 39 anos (atualmente 40), de blazer preto, perfilava-se com os cabelos castanhos amarrados em um discreto laço negro, olhando para baixo enquanto Dom Manuel F. dos Santos Jr, bispo diocesano de Registro (SP), puxava uma oração, ou fechando os olhos enquanto passagens bíblicas eram citadas. Nascia ali, no velório da matriarca da família, o interesse por Michelle de Paula Firmo Reinaldo Bolsonaro, 40, primeira-dama do Brasil.

'Sem frescura'

"Ela é muito humilde, uma pessoa muito boazinha. Não tem frescura, abraça, beija, aperta a mão, é atenciosa. E muito, muito bonita", diz Narcisa dos Santos, 68, servidora pública da Prefeitura de Eldorado e amiga de infância do presidente. "Ela ficou todo o tempo de braço dado com ele, abraçando e dando carinho. Jair tem esse jeitão que parece meio bruto, mas ainda é um meninão. Dá para ver que é ela quem cuida dele." O casal passou apenas uma noite em Eldorado, mas foi o suficiente para a primeira-dama se tornar o principal assunto da cidade.

Reservada, manteve-se a maior parte do tempo na casa da finada sogra com as irmãs e cunhadas do esposo. "Não temos muito contato com ela, mas deu para ver naquele dia que ela é muito prestativa e proativa. Ela ficou mais na dela, mexendo no celular ou rezando, mas em tudo que precisávamos ela ajudava", relembra uma das parentes de Bolsonaro que esteve na casa onde viveu Dona Olinda. "Não tenho muito o que falar dela. Naquele dia ela se comportou de maneira exemplar", completou outra parente.

A pequena Eldorado, com seus 15.592 habitantes, é uma espécie de metonímia do Brasil interiorano. Localizada no Vale do Ribeira, região mais pobre do estado de São Paulo, e com forte tradição religiosa, tanto católica como evangélica, a cidade serve como termômetro de uma fatia importante do eleitorado em disputa na campanha. O protagonismo inesperado da primeira-dama chamou atenção da comitiva que acompanhava o presidente e que estruturava táticas para sua reeleição desde 2019 — particularmente de seu filho mais velho, Flávio Bolsonaro, que meses depois se lembraria do episódio. Não como enteado, mas como coordenador-geral da campanha de Jair Bolsonaro (PL) à reeleição.

Michelle Bolsonaro, em cerimônia de dezembro de 2018 - EVARISTO SA/AFP - EVARISTO SA/AFP
Imagem: EVARISTO SA/AFP

Antídoto contra a rejeição

Naquela época, o núcleo de campanha já buscava formas de reduzir a rejeição do eleitorado feminino ao presidente. O carisma de Michelle surgiu como uma solução mais simples que um media training para impedir as piadas machistas e misóginas que, dia sim, dia também, escapam da boca do presidente. Desde a "fraquejada" até menções a estupro e agressividade contra jornalistas mulheres, Bolsonaro cristalizou uma imagem negativa nessa fatia decisiva do eleitorado. Um levantamento da Quaest Consultoria publicado no dia 7 de setembro mostra Bolsonaro com apenas 30% das intenções de votos femininos, enquanto Lula conta com 45%.

O mesmo 7 de setembro é capaz de sintetizar a importância fundamental de Michelle na campanha bolsonarista. Em seu discurso em Brasília, Jair Bolsonaro sugeriu a apoiadores que fizessem "comparações" entre Janja e a atual primeira-dama, que classificou como "uma princesa". "Não há o que discutir: uma mulher de Deus, família e ativa na minha vida, não é ao meu lado, não; muitas vezes ela está é na minha frente." Dois dias antes, a Justiça Eleitoral havia determinado a proibição de uma propaganda eleitoral com Michelle — ela aparecia mais do que 25% do tempo máximo permitido para não-candidatos.

A adesão da primeira-dama à campanha do marido, contudo, não aconteceu de imediato. Até junho de 2022, ela mal aparecia nas inserções televisivas do PL. O motivo da resistência de Michelle até hoje segue desconhecido. Há quem fale de uma indisposição de saúde, mas também de rusgas com o presidente da legenda, Valdemar Costa Neto.

A importância da participação de Michelle na campanha vai além do carisma, uma vez que a pecha de corrupção parece não colar na imagem da atual esposa de Bolsonaro. Mesmo ganhando a alcunha de "Micheque" depois que o Ministério Público encontrou depósitos de R$ 89 mil feitos por Fabrício Queiroz na conta bancária de Michelle, entre 2011 e 2016, a aura religiosa que a envolve parece blindar a imagem da primeira-dama.

Aparentemente, conversas com o marido e o poder de persuasão de Flávio Bolsonaro convenceram Michelle a subir ao púlpito da política. Em 24 de julho, data da convenção do PL em Brasília, a até então discreta e recatada primeira-dama discursou por doze minutos.

"Esse é o presidente que 'não gosta de mulheres'", ironizou Michelle na ocasião. "A diferença é que ele faz, a diferença é que ele não quer se promover. Nós não queremos nos promover, nós queremos fazer. Nós queremos entregar. Esse é o nosso compromisso desde o dia 1º de janeiro de 2019: que nós iríamos trabalhar e não iríamos deixar ninguém para trás. Esse é o nosso trabalho pela nossa nação", afirmou. No evento, a primeira-dama mostrou-se solícita, abaixando-se para pegar bandeiras, servindo água ao marido, sorrindo e abraçando os presentes.

Pontuado por intervenções como "amém" e "glória a Deus", o discurso foi carregado de menções à dualidade do bem contra o mal: "Sejam fortes, queridos. Sejam fortes e corajosos. Não negociem com o mal. Essa luta não é contra homens e mulheres, é contra potestades e principados. A palavra do Senhor não vai voltar vazia. Muito obrigada pela oportunidade!".

O teor religioso, natural na vida de Michelle, mostrou-se um tiro certo para manter e ampliar o eleitorado evangélico e tentar cativar o até agora reticente voto feminino. A fala forte e a presença de palco da atual primeira-dama são heranças da época em que ela participava de grupos de liderança na igreja. "Ela parece tímida, mas em casa não é nem um pouco. É até um pouco mandona e bastante geniosa", comenta um parente próximo.

Lançamento da Aliança pelo voluntariado e premiação Amigos da Pátria, no Palácio do Planalto, em novembro de 2020 - Pedro Ladeira/Folhapress - Pedro Ladeira/Folhapress
Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Batalha contra as feministas

"Michelle é uma peça essencial [para a campanha]", diz Elizete Malafaia, 63. Pastora e esposa de Silas Malafaia, ela conheceu a primeira-dama quando Michelle frequentava a igreja do casal no Rio de Janeiro, a Assembleia de Deus Vitória em Cristo, bem antes de ela pisar no Palácio da Alvorada.

"Estamos numa batalha em que a maioria das feministas é contra Bolsonaro, numa tentativa de desvalorizar o homem", analisa a pastora. "Só que tanto os homens quanto as mulheres são importantíssimos para a nação. Ela me representa: é fiel, bonita, inteligente, esposa, mãe, profissional. E está ali ao lado do marido, procurando fazer o que é melhor para o Brasil."

Foi Silas Malafaia quem celebrou o casamento do casal. Michelle chegou a trabalhar na igreja dele nesse período, na ala que cuida de ações para caridade. "Ela sempre foi assim, muito educada, menina fina, não é de se expor. E ela está certíssima, exposição excessiva é perigosa", completa Elizete Malafaia.

Antes de frequentar os corredores de Brasília, Michelle de Paula Firmo Reinaldo trabalhava como modelo em eventos e com demonstração de produtos em supermercado. O envolvimento dela com a política começou em fevereiro de 2007, quando atuou por um mês como secretária parlamentar de Vanderlei Assis (Prona). Depois, trabalhou por cinco meses no gabinete do Marco Aurélio Ubiali (PSB), antes de migrar para o de Jair Bolsonaro — que, no mesmo ano, se divorciaria de Ana Cristina Valle, sua segunda mulher e mãe de Renan. Michelle, por sua vez, tivera uma filha com o engenheiro Marcos Santos: Leticia Firmo, 20, vive com a mãe, o padrasto e a irmã mais nova, Laura, 11, no Palácio da Alvorada.

Depois que Jair e Michelle se casaram, em novembro de 2007, e com a aprovação da súmula contra o nepotismo no serviço público, Michelle foi exonerada. Desse período em diante, ela passou a se dedicar integralmente aos serviços da igreja.

Na campanha de 2018, a participação da primeira-dama na campanha foi inexpressiva, para não dizer nula. Na época, tanto a família como o próprio Bolsonaro optaram por preservar Michelle, na tentativa de eclipsar episódios que poderiam prejudicar a campanha, principalmente provenientes da parte materna de sua família. A avó, Maria Aparecida Firmo Ferreira, morta por complicações de covid-19, em 2020, cumpriu pena por tráfico de drogas nos anos 1990. A mãe, Maria das Graças Firmo Ferreira, foi indiciada por falsidade ideológica no final dos anos 1980. Dos oito tios maternos, dois enfrentam problemas com a polícia: Gilmar Firmo Ferreira está foragido após ser condenado por estupro (com pena de 14 anos), e João Batista Firmo Ferreira, preso preventivamente por suposto envolvimento com a milícia. Todos são naturais de Ceilândia, região administrativa do Distrito Federal.

A preservação da imagem de Michelle se estendeu aos primeiros anos como primeira-dama. O principal programa social encabeçado por ela foi o Pátria Voluntária, que tinha como mote repassar para entidades que atendem pessoas carentes doações feitas por empresas privadas e pessoas físicas. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, o programa havia arrecadado até julho de 2020 R$ 5,89 milhões em doações, mas custara em publicidade R$ 9 milhões, dinheiro proveniente de verbas do Orçamento da Secretaria de Comunicação.

TSE confirma restrição do tempo que Michelle pode ocupar na propaganda de Bolsonaro - Reprodução/Redes sociais - Reprodução/Redes sociais
Imagem: Reprodução/Redes sociais

Quero ser Kate Middleton

Com poucas exceções, em viagens de férias e de divulgação de programas sociais menos ambiciosos, a primeira-dama basicamente viveu reclusa no Palácio da Alvorada durante quase quatro anos de mandato, evitando viagens oficiais com o marido e até amizades no Congresso. "Não vou dizer que ela era indiferente porque sempre foi muito amável, mas não era uma pessoa que se esforçava para conversar", conta a esposa de um grande empresário de Brasília, habituée de eventos da alta sociedade. Desde aquela época, as amigas mais próximas de Michelle no círculo do poder são a ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, e a primeira-dama do Distrito Federal, Mayara Noronha. Nos bastidores, há também o maquiador Agustin Fernandez, a atual assessora-chefe adjunta da assessoria especial do presidente da República, Adriana Ramos, além da diplomata Marcela Braga — as duas últimas beneficiárias de promoções neste ano.

Dentre os poucos lugares que a primeira-dama frequenta estão alguns shoppings de Brasília, a Igreja Batista Atitude e, mais recentemente, algumas ruas do entorno do Palácio da Alvorada para praticar atividade física, correndo ou pedalando. O cuidado com o corpo sempre foi frequente na vida de Michelle, que alterna treinos de musculação três vezes na semana com exercícios aeróbicos outras três vezes. Doces são praticamente escassos em sua dieta, assim como produtos industrializados e gordurosos. "Ela sempre foi uma mulher que se cuidou. Tanto no corpo quanto no espírito", define Elizete. "Quem tem saúde mental cuida da alimentação, do sono, sabe administrar o tempo. E ela é assim. A mulher, quando não é amada, é feia, rabugenta. E ela é uma menina linda, dá para ver", completa a esposa de Silas Malafaia.

Silas Malafaia, Bolsonaro e Michelle durante a marcha para Jesus, no Rio  - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Silas Malafaia, Bolsonaro e Michelle durante a Marcha para Jesus, no Rio
Imagem: Reprodução/Facebook

Dos apoiadores do casal, não há quem não cite o bom gosto da primeira-dama, seja na escolha de roupas, seja na recepção de convidados. "Desde quando trabalhava na igreja ela organizava mesas lindas. Independentemente se era para um pastor ou para um irmão recém-chegado na comunidade", exalta Elizete. "Nem parece que ela veio de Ceilândia", complementa a socialite, mexendo em seus longos cabelos loiros.

Michelle tem uma conta extraoficial no Instagram, criada especialmente para que ela salve referências de decoração, maquiagem e roupas. O perfil não tem publicações postadas e segue atrizes, artistas e personalidades cujo estilo a agrada, ainda que sejam críticas ao governo Bolsonaro, como Mariana Ximenes e Giovanna Antonelli. Em sua conta oficial, a primeira-dama tem 3,4 milhões de seguidores — depois dos eventos do 7 de setembro, ela ganhou 100 mil seguidores.

A principal referência de estilo para Michelle Bolsonaro, no entanto, vive longe da pátria brasileira. O estilo sóbrio, a personalidade carismática e discreta e a rotina de princesa de Kate Middleton são o modelo de lifestyle que Michelle gostaria de replicar no Brasil. Resta saber, no caso de o atual presidente ser reeleito, se a princesa de Jair Bolsonaro sairá de vez do palácio ou voltará à habitual discrição.