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Pastor pop Cláudio Duarte: 'Não sou Bolsonaro, sou o valor que ele traz'

Do TAB, em São Paulo

27/09/2022 04h00

Claudio Duarte, 53, foi um adolescente calado. O pai, pedreiro, viveu muitos relacionamentos, o que fez com que o menino nascido em Xerém, em Duque de Caxias (RJ), tivesse de aprender a lidar com regras diferentes e lares diferentes. "Muitas vezes fui mandado embora de uma casa por causa de um protocolo verbal, usava um palavrão que ali não era permitido", conta. "Descobri que falar era muito perigoso pra mim. Então eu me embotei."

Apesar da introversão na juventude, Cláudio Duarte hoje arrasta milhões de pessoas que só querem ouvi-lo. O pastor tem mais de 7 milhões de seguidores no Instagram e, numa pesquisa recente, só perdia para o padre Fábio de Melo como religioso mais admirado.

O pastor batista, que em 2014 abriu o Projeto Recomeçar, tem na internet a origem do seu sucesso. Com o formato de stand-up e veia humorística, ele se tornou um dos maiores conferencistas em empresas e encontros de casais, abordando casamento e sexo. A fama o fez ser abraçado pela TV aberta — são muitas as participações nos programas do Ratinho e de Raul Gil.

Um dos evangélicos mais ativos nos debates sobre política, não deixa de defender o voto em Jair Bolsonaro — "mas sou um religioso bem moderado, longe do radicalismo", pontua, dizendo que, no passado, foi até cabo eleitoral de Lula. No entanto, diz que muitas lideranças de esquerda pesaram a mão ao se opor à ideia de família tradicional. "Vivemos um efeito meio elástico: puxaram tanto para trás que, quando soltou, foi muito pra frente", avalia.

Cláudio Duarte foi entrevistado para o documentário sobre evangélicos no Brasil, com dois episódios, lançado nesta segunda-feira (26) por MOV.doc e TAB. A entrevista aconteceu em maio deste ano, antes do início da campanha eleitoral.

A seguir, a entrevista, condensada para melhor compreensão:

TAB: O antropólogo Darcy Ribeiro falou que uma das consequências do protestantismo, aqui no Brasil, é a transformação de igrejas em escolas. A igreja teve essa função na sua vida?
Cláudio Duarte: A Igreja não é um hospital, mas exerce em alguns momentos a função de um hospital. Ela não é uma escola, mas em alguns momentos tem função de escola. Depois que me converti, inevitavelmente eu aprendi a ler, a interpretar textos. Eu precisava de muito mais do que um texto bíblico para entender o contexto histórico no qual ele foi inserido. Como trabalho com humor, preciso estar o tempo inteiro antenado, e em como expor essas coisas de uma forma que não seja agressiva - muito pelo contrário, para que elas sejam atrativas. A igreja faz isso com muita gente que não tem habilidade.

TAB: Já sofreu resistência entre os evangélicos por usar o humor e o formato stand-up?
Duarte: Quando meus DVDs [incentivado por um amigo, Cláudio passou a gravar seus sermões e piadas em DVDs que distribuía e vendia aos fiéis] foram parar no YouTube, o pessoal recortava algumas piadas e eu sofri o que chamo de "humorfobia" - porque era algo muito sério, sendo dito de uma forma inovadora, leve. Não cabia muito um Deus que pudesse sorrir. Na verdade, a visão, em determinados momentos, é de Deus como alguém muito rude, alguém que estava sempre implacável para corrigir. E eu começo a brincar com isso.

TAB: Existe diferença entre o trabalho de evangelização e a apresentação num show ou stand-up?
Duarte: Eu me comunico de acordo com o público que está me ouvindo. Se vou a um ambiente corporativo, não vou falar: "posso ouvir um amém?". Não vou contar uma piada em determinadas situações durante minha pregação, mas estou amparado pelo mesmo tempero: é sempre Cristo no centro. Às vezes, no stand-up, meu propósito é tirar um sorriso de alguém que chegou ali bem chateado. Fazer com que ele olhe para a vida dele, para o casamento dele, e entenda que o que ele achava que era uma dor particular é muito mais abrangente. Não tenho maquiagem para as redes sociais, aquela coisa perfeitinha de botar aquela palavra que, às vezes, em algum ambiente, pode conter até mais hipocrisia do que realidade.

O pastor evangélico Cláudio Duarte (Reprodução / YouTube) - Reprodução / Internet - Reprodução / Internet
Imagem: Reprodução / Internet

TAB: Mas as redes sociais têm ganhado uma importância muito forte no trabalho de evangelização.
Duarte: Sim, claro. Tem o lado positivo, que faz com que a manipulação perca força, porque as pessoas podem avaliar e ouvir e pesquisar. Mas ao mesmo tempo é um pouco danoso. Algumas pessoas conseguem discernir as coisas; outras, não.

TAB: Há tempos os evangélicos têm sido o segmento mais cortejado nas eleições. Por que isso está acontecendo cada vez mais cedo?
Duarte: A igreja tem uma credibilidade alta, e a instituição política, uma credibilidade baixa demais. Por muito tempo, a área espiritual parecia que governava basicamente tudo. Eu não precisava me preocupar com nada, desde que orasse. O tempo mudou e as pessoas começaram a descobrir que não era só isso: o ser humano precisa de coisas espirituais, coisas emocionais e coisas materiais. A consciência disso, mesmo que gradativa, muito tímida, foi ganhando território e as pessoas começaram a entender que precisavam de estudos, precisavam de amadurecimento e, entre elas, [começou a surgir] um posicionamento consciente no que diz respeito às questões políticas.

TAB: Os políticos se referem aos evangélicos como uma massa uniforme. Afinal, quem são eles?
Duarte: É muito difícil você dizer quem são os evangélicos. É muito fragmentado. Ainda cometemos o erro de achar que, por ter um evangélico envolvido num escândalo, todos também estão. Você vê pessoas brincando com, por exemplo, os muçulmanos, como se todos eles fossem extremistas. O que eu acho que todos eles querem? Morar no céu.

15.set.2022 | Pastor Claudio Duarte, durante culto de aniversário de Silas Malafaia na Assembleia de Deus Vitória em Cristo, o Rio. Evento teve a presença de Jair Bolsonaro - Belga /Fotoarena/Folhapress - Belga /Fotoarena/Folhapress
15.set.2022 | Pastor Cláudio Duarte, em culto de aniversário de Malafaia, com presença de Bolsonaro
Imagem: Belga /Fotoarena/Folhapress

TAB: Essa busca se deu com mais força com a chegada de Jair Bolsonaro na disputa de 2018?
Duarte: Bolsonaro é um fenômeno. Um presidente que, muitas vezes, fala o que pensa. Nós nunca tínhamos visto isso. Talvez nós nem gostamos muito do que ele pensa, entendeu? (risos) Mas é alguém que teve uma identificação muito grande com o povo. Inevitavelmente, ele começou a levantar bandeiras que eram próximas dos princípios bíblicos. Ele é alguém que não está no primeiro casamento, mas é considerado um defensor da família. Numa visão ampla, não sou Bolsonaro. Eu sou o princípio, o valor que ele está trazendo. A outra parte [a esquerda] começou a falar coisas tão opostas a conceitos familiares - para mim, também é extremista. Vivemos um efeito meio elástico: puxaram tanto para trás que, quando soltou, foi muito pra frente. Posso negociar com você meu carro, minha casa, meu relógio, mas não posso negociar com você valores bíblicos, porque eles não são meus. Eu já fui eleitor, cabo eleitoral [de Lula]. Talvez se a internet fosse o que é na época do Lula, ele seria o mito hoje. Acho que, no caminho, ele acabou se perdendo.

TAB: Você falou sobre abusos na infância, mas é dessa família tradicional que muitos desses abusos acontecem.
Duarte: A grande maioria dos abusos, violência doméstica, pedofilia e tanta coisa que destrói a família são iniciadas pelo álcool, que a igreja combate. Mas nós somos vistos como retrógrados por combater o alcoolismo. Ele é reconhecido como a porta de entrada das demais drogas. Nós defendemos a autoridade paterna, não os desequilibrados. Os lares que deformam são os lares héteros, porque eles são maioria. Mas já já a gente vai ver a deformação em todos os lugares. Onde tiver gente desequilibrada, a deformação vai acontecer.

TAB: O senhor disse que os evangélicos estão lutando para defender princípios e valores, talvez sem muita habilidade. É no sentido de dialogar com o outro lado?
Duarte: Quando alguém vai defender alguma coisa, precisa saber o que está falando, ter conhecimento. A Igreja Católica tem um líder. Mal ou bem, é um papa pra turma toda. Nós não temos isso como protestantes. Precisaríamos de pessoas mais habilitadas, independentemente da denominação que carrega sobre si.

TAB: Quando os evangélicos pedem uma sociedade mais segura e defendem as armas, não há uma contradição?
Duarte: Me parece que é uma forma de alguém dizer "nos proteja". Mas não vejo com bons olhos botar uma arma na mão de cada pessoa, porque eu mexo com família.

TAB: Uma das coisas que tem se falado é que cristão não vota na esquerda, embora já tenha votado antes. O que mudou?
Duarte: Não sei onde as coisas mudaram, mas elas mudaram ao longo do tempo. Quem na verdade transformou o candidato da direita, ou o Bolsonaro, foi a enxurrada de oposição contra as famílias, contra os valores. A briga entre esquerda e direita é uma briga de casal, olha-se só o defeito do outro. Acho que já fizeram muita coisa boa de lá e muita coisa boa de cá. Hoje eu vejo com muita preocupação a mentalidade da liderança da esquerda. É ela que me faz não concordar, mas não sou tolo de colocar todos na mesma embalagem.

TAB: Muitos associam a participação de evangélicos na política como um movimento fundamentalista. Por quê?
Duarte: O futuro não tem nada a ver com essa visão. Hoje nós temos muitas igrejas oferecendo esse ambiente mais moderado, mais autônomo. Hoje há os chamados "desigrejados", decepcionados porque foram feridos ou nutriram expectativas pelos seus líderes religiosos, esquecendo que os caras eram humanos. É lógico que essa visão causou muito prejuízo e muita gente foi embora. Muita gente ainda não voltou, mas pode ter certeza de que vai voltar.

*Colaborou Juliano Spyer