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'Tortura emocional': Glenn Greenwald espera alta de David Miranda da UTI

Ao lado dos filhos Jonathas, João e Marcelo (da esq. à dir.), o jornalista norte-americano Glenn Greenwald  espera melhora de seu marido, o deputado federal David Miranda, internado desde agosto no Rio - Gabriel Dias/UOL
Ao lado dos filhos Jonathas, João e Marcelo (da esq. à dir.), o jornalista norte-americano Glenn Greenwald espera melhora de seu marido, o deputado federal David Miranda, internado desde agosto no Rio
Imagem: Gabriel Dias/UOL

Gabriel Dias

Colaboração para o TAB, do Rio

06/11/2022 04h01

Os dias estão custando a passar para o jornalista norte-americano Glenn Greenwald, 55. Desde que seu marido, o deputado federal David Miranda (PDT-RJ), 37, foi internado, em agosto, ele espera pelas duas ligações diárias do médico que cuida dele — uma pela manhã, a outra à noite.

"No início era bem ruim, porque eu só começava meu dia depois de o doutor me ligar", conta. "Agora, estou tentando pensar em outras coisas." Uma delas é seu novo programa de entrevistas e análises políticas, "System Update", um panorama da política norte-americana. A outra é se dedicar sozinho à educação dos filhos do casal.

David vinha se queixando de dores no estômago e vômitos frequentes desde julho, mas culpava o estresse de Brasília e as atividades de sua pré-campanha à reeleição como deputado federal. No dia 6 de agosto, num evento no Rio de Janeiro, ele ligou para Glenn avisando que voltaria para casa e cancelaria o resto dos compromissos daquele final de semana para descansar. Pouco tempo depois, com muitas dores, foi à Clínica São Vicente e tiveram que interná-lo por uma inflamação no sistema gastrointestinal. No dia seguinte, Glenn o encontrou na UTI correndo grave risco de vida.

A inflamação do pâncreas se alastrou para os rins, o fígado e os pulmões. David teve de ser intubado no dia 15 de agosto e, uma semana depois, passou por uma traqueostomia — procedimento cirúrgico em que se abre um orifício na traqueia para passar uma cânula conectada a uma ventilação mecânica que faz o paciente respirar. No fim de setembro, retirou sua candidatura. Atualmente, ele consegue respirar sem o ventilador por cerca de 12 horas, mas ainda usa o aparelho. "David melhora por três dias e depois parece que retrocede tudo. É uma tortura emocional", conta Glenn.

David Miranda e Gleen estão juntos há 14 anos (Reprodução/Instagram) - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
'[David] faria campanha todos os dias por Lula no segundo turno, vestido de vermelho. Sua doença o impediu'
Imagem: Reprodução/Instagram

Rotina de ameaças

O jornalista visita o marido no hospital quase todos os dias. Chega em um carro blindado com dois seguranças que o acompanham desde sua série de reportagens que ficou conhecida como "Vaza Jato". "A coisa que mais assustou a gente foi quando recebemos um e-mail muito detalhado sobre nossos filhos. Nomes completos, escola, nosso endereço. Muitos dados privados cheios de ameaças. Então, foi impossível ficar sem segurança."

Glenn e David adotaram João, 15, e Jonathas, 13, em 2017, e estão no meio de um processo judicial para adotar o terceiro filho, Marcelo, 18, que já convive com a família. Marcelo foi o único que já presenciou um ataque ao pai, dentro do Consulado dos Estados Unidos no Rio, quando ambos foram juntos pegar seu visto americano, cinco meses atrás.

Um homem o abordou e disse: "Sabe o merda que seu pai é aqui no Brasil?" Glenn lembra do caso: "Nunca fui uma pessoa de brigar fisicamente. Mas naquela hora eu estava pronto para fazer isso. Assim como aquela briga que tive com o [jornalista] Augusto Nunes, que começou porque ele estava atacando meus filhos. Qualquer outro insulto eu aguento com muita calma, estou bem acostumado com todo o mundo falando sobre mim. Mas quando pessoas falam sobre meus filhos ou, neste momento, sobre David, eu fico muito descontrolado", diz.

Os últimos cinco anos foram bastante tensos para a família Greenwald Miranda. Começou com o assassinato, em março de 2018, da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), amiga próxima do casal. Foi a tragédia que fez com que David passasse a usar segurança constante.

Durante os 18 meses de trabalho da Vaza Jato, em 2019, a família inteira passou a conviver com constantes ameaças e um esquema de segurança pesado, que continua até hoje.

"Para David, trabalhar para derrotar Bolsonaro era um objetivo vital", conta Glenn. "Embora ele tenha apoiado Ciro Gomes no primeiro turno, disse em entrevista à Folha de S.Paulo, em junho que, se Lula e Bolsonaro chegassem ao segundo turno, faria campanha todos os dias por Lula, vestido de vermelho. Sua doença o impediu."

Na segunda-feira (31) após as eleições, o jornalista foi dar as boas novas ao companheiro. "A alegria em seu rosto era inconfundível quando o visitei na UTI e lhe dei a notícia de que Bolsonaro havia perdido", conta. "Foi um dos maiores sorrisos que ele exibiu desde que foi hospitalizado."

David Miranda, Glenn Greenwald e filhos (Reprodução/Instagram) - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
David, Glenn e os filhos menores, Jonathas e João, na campanha de 2018
Imagem: Reprodução/Instagram

Infância conservadora

Glenn Greenwald conta que por ser gay na década de 1980 nos EUA viveu em um contexto muito conservador durante o governo Ronald Reagan. O que contribuiu, analisa, com a desconfiança que nutre por qualquer autoridade até hoje: "Eu era sempre suspenso na escola. Uma vez, fomos no meio da madrugada com baldes de tinta para o colégio, não tinha câmeras naquela época, e escrevemos coisas ruins sobre os professores nas paredes. Xingamos todo mundo."

Na porta do hospital, João tenta convencê-lo, por celular, a deixá-lo a ir à festa de um amigo. O filho discutira com um professor no colégio naquela manhã e fora advertido pelo diretor, que ligou para Glenn. "Ser pai é muito difícil. Mas nessa situação é mais difícil ainda." Embora não andasse merecendo, o jornalista autorizou: afinal, o filho tinha poucas ocasiões para se distrair ultimamente. Glenn libera na condição de ele não faltar à consulta com o psicólogo. "João é muito parecido comigo. Adora debater."

Nos corredores da Clínica São Vicente, um monitor multiparamétrico exibe os gráficos dos pacientes do andar. Quando Glenn entrou no quarto de David, a saturação de oxigênio e a pressão arterial se mantiveram estáveis e dentro dos padrões. Apenas sua frequência cardíaca subiu de 80 para 98 batimentos por minuto. No dia 21 de outubro, a visita foi rápida pois David estava dormindo.

O jornalista Gleen Greenwald - Gabriel Dias/UOL - Gabriel Dias/UOL
Hoje o jornalista trabalha num novo programa de entrevistas e análises políticas, o 'System Update'
Imagem: Gabriel Dias/UOL

União familiar

Glenn sai do hospital e vai para o apartamento no bairro de São Conrado transformado em estúdio para o novo programa que está preparando. "Depois da Vaza Jato, eu estava muito cansado. Foram 18 meses de muita intensidade que terminaram na tentativa de me prenderem. Quando tudo finalmente terminou, eu não queria mais fazer jornalismo escrito. Estava precisando de uma outra energia para me animar. Então, criei um programa de vídeo chamado 'System Update'", diz.

O programa começou no YouTube em 2021 e vai receber investimentos do Rumble, plataforma de streaming dedicada à liberdade de expressão. Apresentado em inglês, abordando temas da política norte-americana, o programa será diário. A equipe de cerca de 20 pessoas só aguarda uma melhora no estado de saúde de David para iniciar os trabalhos.

Enquanto Glenn se arruma no banheiro para os testes de gravação, seus filhos e dois amigos aguardam no quarto que serve de camarim. Jonathas se olha no espelho e brinca: "Caraca, eu sou muito bonito." Marcelo passa um lenço no rosto para tirar a oleosidade. João cutuca casquinhas da pele de sua perna.

Glenn entra vestindo camisa social vermelha, gravata preta e um cardigã azul-marinho fechado por cima. "Só faltou um botox na cara", debocha Marcelo. Todos riem.