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'Não imaginaram um funkeiro ali': com Gorillaz, MC Bin Laden volta ao topo

MC Bin Laden na produtora GR6, na zona norte de São Paulo - Tiago Dias/UOL
MC Bin Laden na produtora GR6, na zona norte de São Paulo
Imagem: Tiago Dias/UOL

Do TAB, em São Paulo

11/03/2023 04h01

MC Bin Laden, 29, estava ansioso dentro de um estúdio no Rio de Janeiro, quando Damon Albarn, 56, desceu as escadas. O músico nascido em Londres cumprimentou com empolgação o funkeiro vindo das quebradas de São Paulo e perguntou se ele queria tomar ou fumar alguma coisa. O rapaz negou com educação. Já não fuma mais (nada) há oito anos.

Era maio de 2022. Albarn estava mais uma vez no Brasil com seu projeto Gorillaz e aproveitava o intervalo entre os shows para trabalhar nas faixas do próximo disco. Quando soube disso, Bin Laden lembrou que aquele era o tal músico britânico que o citou uma vez numa entrevista. Usando o Google Translator, mandou mensagens pelo Instagram da banda. A resposta não demorou a vir, já com a proposta de um encontro presencial. "Eu nem sabia que ia gravar, era só pra gente se conhecer", relembra o funkeiro.

O encontro acabou durando sete horas. Damon queria saber tudo da carreira de funkeiro e mostrou os sons que vinha trabalhando. Deixou o microfone aberto para Bin Laden rimar, caso entrasse na "vibe". Em uma das músicas, com elementos de baião, Bin Laden foi lascivo no estilo "funk proibidão" e deu um toque em quem estava ajudando na tradução da conversa: "Avisa aí que eu to cantando umas coisas pesadas".

Já em outra, a batida quase psicodélica fez o rapaz da zona leste sentir estar "viajando pro fundo do futuro subconsciente". Hipnotizado pelo som, escreveu em 20 minutos a letra de "Controllah": "Quando eu era mais novo me diziam que eu não batia muito bem da minha mente / Me chama de louco ou de delinquente / Mas é o flow que te deixa inconsciente".

Damon balançou a cabeça aprovando, mesmo sem entender uma palavra, e improvisou seu único verso em inglês: "As ondas do Rio rolam pela minha mente / As verdades que carregamos e aquelas que deixamos para trás". O tradutor avisou Bin Laden: "Vocês nem sabem, mas estão falando da mesma coisa."

Damon Albarn e MC Bin Laden durante sessão de gravação no Rio de Janeiro em maio de 2022 - Divulgação - Divulgação
Damon Albarn e MC Bin Laden durante sessão de gravação no Rio de Janeiro em maio de 2022
Imagem: Divulgação

"Ele [Damon] pulava enquanto eu gravava. Um foi puxando o outro ali. Poucas vezes eu vivi algo assim dentro de um estúdio", conta o MC, mesmo tendo no currículo colaborações com artistas de fora, como Kelela, C. Tangana, Tommy Cash e Negro Dub. "Todos eles falam que sou underground, agressivo e explosivo nas músicas. Eles sempre pedem por isso, pelo Bin Laden maloqueiro."

O flow rápido e agressivo, acompanhado de uma batida reta, é sua marca desde "Bololo Haha", em 2014. Desde então, esse estilo nunca deixou de seduzir músicos de fora, mas havia bons anos que não ressoava mais na cena do funk daqui.

Bin Laden não morreu

"E aí papai, suavão?", diz Bin Laden a um amigo nos corredores da produtora GR6, na zona norte de São Paulo, onde está desde 2019. É começo da tarde de março e "Controllah", sua parceria com Gorillaz, lançada no fim de fevereiro de 2023, colocava o nome de Bin Laden novamente entre as 20 músicas mais ouvidas do país no Spotify.

Ele não esconde o sorriso e fala com os produtores sobre os próximos projetos — diz que em dois dias escreveu um álbum novo e planeja um EP em parceria com o DJ Skrillex. "Ver todo mundo empolgado, voltando a me ouvir, me fez sentir bem em voltar a escrever. Essa parada supriu minha ansiedade", confidencia.

A última vez que ele tinha experimentado isso foi em 2016, com o hit viral "Tá Tranquilo, Tá Favorável". Tinha 22 anos e uma vida um tanto desregrada. Hoje, bebe pouco, acorda cedo, vai à academia e começa o dia lendo. Naquela semana, estava mergulhado em um sobre o personagem bíblico Josué — "ele era um escravo, um zé ninguém que Deus permite se tornar um líder."

O MC é um típico garoto de quebrada de São Paulo. Nascido na Vila Progresso, em Itaquera, hoje mora com a mãe na Vila Guilherme, na zona norte. Antes do funk, trabalhou na 25 de Março e sempre fez questão de dizer que a música o tirou da trilha do crime, que seduzia a turma de amigos.

Entrou na onda como MC Jeeh 2K, em referência ao seu nome de verdade, Jeferson, mas logo assumiu uma alcunha mais polêmica a pedido da sua produtora na época. Após emplacar "Bin Laden não morreu" nos bailes e paredões, os empresários queriam que ele incorporasse o nome do terrorista saudita — uma figura agressiva, assim como aquele som.

MC Bin Laden chegou num momento em que o funk paulista estourava em sua fase ostentação, mas ao invés das mansões e garotas seminuas que compunham qualquer clipe da época, ele preferia fazer vídeos mais surreais: aparecia com o olho arregalado e dançava desengonçado. A partir dali, seu polêmico nome começou a circular não apenas entre músicos, mas na imprensa estrangeira, sendo o primeiro funkeiro a ganhar reportagem e crítica no site especializado Pitchfork.

Emplacou shows na Europa, mas teve agenda cancelada em Nova York após ser barrado no consulado americano. Ele suspeita que é culpa do nome artístico. De fato: toda vez que seu nome circula em alguma nova parceria, o público de fora se choca com a audácia. Ele confessa que pensa em trocar de nome desde 2015: "Eu converso muito com os fãs, e eles não querem".

MC Bin Laden volta ao game: "não adianta, já tentaram me botar em roupa de boyzão, de popzinho, e eu chego lá maloqueiro" - Uilian Hercules/Divulgação - Uilian Hercules/Divulgação
'Não adianta, já tentaram me botar em roupa de boyzão, de popzinho, e eu chego lá maloqueiro'
Imagem: Uilian Hercules/Divulgação

Apesar das viagens e parcerias internacionais, Bin Laden perdeu terreno na cena dinâmica do funk, que evolui freneticamente com novos artistas e vertentes. Nunca deixou de lançar músicas — mas nenhuma voltou a repercutir como antes. "Teve um lance de ser mal direcionado", ele observa. Diz que passou a vestir o que exigiam e a gravar funks que já não se sentia bem em cantar, como as músicas sobre lança-perfume.

Em dado momento, achou que o sonho do funk tinha acabado de vez pra ele. "Não estava muito bem pra fazer música, até porque eu via que não tava dando certo. O culpado também era eu, que não entendia meu trampo. Quando você começa a fazer só por números, não mais por alma e coração, isso interfere. Isso atrapalhou muito minha mente, soltei música de qualquer jeito." Na época, a pergunta mais feita no Google era: "O que aconteceu com MC Bin Laden?"

'O que aconteceu com MC Bin Laden?'

Em 2022, veio outro baque com a morte de sua mãe de sangue. Quem o resgatou da depressão foi sua mãe adotiva, pastora da Igreja Pentecostal Resgate Poder em Cristo. "Ela sempre dizia que as pessoas precisavam conhecer mais o Bin Laden, que eu tinha muito a conquistar. Ela dizia: 'Vou te dar um par de voadora até o estúdio pra você trabalhar'. Ela é baiana raiz, se ficar fazendo chororô, ela sai na porrada."

O período longe do Olimpo o fez refletir sobre a fama. "Quando a gente chega no ápice, a gente quer saber mais do camarote. Algumas pessoas me fizeram entender que eu era um artista de um outro nível, e eu me deixei levar", observa. "Minha mãe, pastora séria, mulher de Deus, falava: 'Quero meu filho de volta, com meia branca, meia preta, cara de doido, fazendo bololô pra lá e pra cá".

Depois de anos sem surfar nos virais, MC Bin Laden lança parceria com Gorillaz - Uilian Hercules/Divulgação - Uilian Hercules/Divulgação
Depois de anos sem surfar nos virais, MC Bin Laden lança parceria com Gorillaz
Imagem: Uilian Hercules/Divulgação

Naquela tarde, ele usava camiseta e bermuda largas, cordão no pescoço e relógio grande, além das características meias na canela em cores opostas, como o símbolo yin-yang. "O meu negócio é o equilíbrio do lado bom e do lado mau. Todo mundo tem essa essência sobre a terra. Gosto de falar dessa dualidade. E não adianta, já tentaram me botar em roupa de boyzão, de popzinho, e eu chego lá maloqueiro, falo errado, escrevo errado. Eu sou assim, meio louco", diz, ajeitando o boné com estampa da Gucci. Ele gargalha: "É falso".

Alguém da produtora avisa que o clipe de "Controllah", lançado naquela manhã, já acumulava mais de 200 mil visualizações. Ele celebra. "Não é sobre número, sobre surfar no hype. Foi algo feito de coração, no meu estilo que eu tinha perdido."

O vídeo não tem a participação de Damon Albarn, mas foi feito à moda antiga, como no início da carreira: um clipe simples, gravado rapidamente num único cenário, cheio de imagens delirantes e as expressões de louco de Bin Laden. "Tem gente que está descobrindo só agora que eu tenho bastante 'feat' internacional, que eu tenho uma nota alta na Pitchfork. Nunca imaginaram que teria um funkeiro ali", diz, orgulhoso. "Agora só falta aprender mesmo inglês, pra passar as ideias direito no estúdio."