Quem é o novo chefe da PRF do Paraná, demitido em 2020 por criticar governo

Em meio a uma maratona de reuniões, Fernando Cesar Oliveira, 43, precisava fazer a barba e cortar o cabelo. Por isso, na terça-feira (21) sua foto ainda não estampava a fileira de imagens de todos os superintendentes da Polícia Rodoviária Federal do Paraná. Mesmo assim, enquanto conduzia o TAB pelo sexto andar da sede em Curitiba - àquela altura, início da noite, completamente vazio -, deu uma olhada para a parede. "Quem diria, hein?".
Quase três anos atrás, Oliveira foi exonerado do cargo de chefe do núcleo de comunicação da PRF-PR por bater de frente com o governo Bolsonaro.
Logo após ser entrevistado no "Bom Dia Brasil", da TV Globo, demonstrando preocupação com o afrouxamento da quarentena, o aumento das mortes nas rodovias e o possível colapso do sistema hospitalar durante a pandemia de covid-19, perdeu o cargo e voltou para a "pista", que é como os policiais rodoviários chamam o trabalho feito nas estradas. Ficou lá por quase três anos.
Com a derrota de Bolsonaro, no entanto, entendeu que as coisas poderiam mudar. "Mas eu esperava no máximo um convite para voltar para a comunicação, nunca imaginei mais do que isso", diz Oliveira.
No final de 2022, recebeu um telefonema do ex-deputado federal Doutor Rosinha (PT-PR). O político pedia autorização para sugerir o nome do policial ao novo governo eleito como alternativa para chefiar a Superintendência do Paraná.
Os dois já se conheciam. Antes de entrar para a PRF, em 2013, Oliveira foi seu assessor de imprensa. Mas o processo da nomeação, no entanto, só foi concluído em 13 de março. "Até uma semana antes, tudo o que eu sabia era que o meu nome estava na mesa, sendo avaliado."
Logo, Oliveira começou a ser parabenizado — até o repórter Wilson Kirsche, responsável pela matéria de 2020, veio falar. "Ele me contou que na época acabou se sentindo um pouco culpado", explica Oliveira. O TAB procurou Kirsche, mas a RPC, afiliada da Rede Globo no Paraná, não autorizou o repórter a responder às perguntas. "O que posso te garantir é que ele sempre foi muito acessível e ético na relação com os jornalistas", apontou Kirsche, brevemente, por WhatsApp.
Fernando Cesar Oliveira é o primeiro policial rodoviário do Paraná a ascender direto da "pista" para a chefia do órgão.
Um tipo rebelde
A disputa com Bolsonaro não foi a primeira ocasião em que Oliveira se meteu em encrencas políticas. Em setembro de 1999, quando ainda estudava jornalismo na UFPR (Universidade Federal do Paraná) e trabalhava como agente municipal de trânsito, foi demitido ao tentar fundar, com outros colegas, um novo sindicato para a categoria. "A gente achava que aquele que existia era um pouco 'pelego'."
Poucos meses antes, havia entrado em conflito com o deputado Aníbal Khury (1924-1999), o então todo-poderoso presidente da Assembleia Legislativa do Paraná. O motivo foram multas por estacionamento irregular que Oliveira e um colega estavam aplicando nos arredores do prédio. Foram abordados por seguranças da Casa e levados à força para o interior do prédio. "A gente ficou lá dentro talvez uma hora, sofrendo ameaças, sendo acompanhados até ao banheiro."
Formado, Oliveira foi trabalhar na Câmara Municipal, assessorando o petista Adenival Gomes. Em 2008, ingressou no quadro de servidores da UFPR. Três anos depois, pediu transferência para a Agência Brasil. A solicitação aconteceu por desavenças com o então reitor da instituição, Zaki Akel Sobrinho. Para Oliveira, ele desrespeitava o trabalho dos jornalistas ao exigir uma cobertura personalista dentro da universidade.
"Sempre tive dificuldade em prestar serviço para partidos e linhas ideológicas das quais eu discordava frontalmente", explica, mantendo o tom de voz quase monocórdico.
O concurso para policial rodoviário apareceu então como uma saída. "Na época, o mercado do jornalismo já prenunciava a crise de hoje. Muitos veículos estavam fechando e outros adotavam linhas editorias que eu julgava questionáveis."
Nas redes sociais
Mesmo na PRF, o hoje superintendente nunca escondeu suas posições políticas e sempre foi ativo nas redes sociais. "Eu até tentava me conter, mas em alguns momentos-chave, não conseguia. Por exemplo, no dia em que o Sergio Moro divulgou os áudios ilegais do Lula e da Dilma [em março de 2016]. Cheguei em casa e escrevi."
As manifestações de Oliveira fizeram com que ele fosse alvo de uma denúncia na ouvidoria de polícia. A queixa de um colega virou um processo na corregedoria, que se arrastou por alguns meses, até ser arquivado. A PRF-PR entendeu as postagens de Oliveira como meras manifestações de pensamento.
A atividade do agente nas redes aumentou durante o governo Bolsonaro, principalmente durante a pandemia. Desde que assumiu o novo cargo, no entanto, suas únicas postagens são a respeito de ações da PRF. Ele diz pretender manter as coisas assim.
"Tenho o direito de me manifestar como todo mundo. Agora, se você ocupa um cargo de direção e é o responsável por definir a política de um órgão, esse direito precisa ser relativizado. Não é de bom-tom que um chefe de polícia promova atividade partidária ou ideológica."
Para o ex-deputado federal e também jornalista Paulo Eduardo Martins (PL), a nomeação de Oliveira para a superintendência da PRF "não é desejável, não deveria ter sido feita". Para ele, é "muito diferente" o tipo de nomeação que Bolsonaro fazia em relação a nomear alguém que tem "uma ligação histórica, uma militância partidária". Nas últimas eleições, Martins foi o candidato ao Senado apoiado por Jair Bolsonaro no Paraná, mas acabou derrotado por Sergio Moro.
"Não conheço o Fernando Cesar como profissional. Ele pode ser bom policial, e eu espero que as convicções políticas dele não norteiem a sua atuação."
Não é tanto assim
Oliveira não acredita que a PRF seja bolsonarista na maior parte, mas assinala, no entanto, que o papel do órgão durante o segundo turno de 2022 gerou uma desconfiança justificada na sociedade. Para ele, o principal responsável foi seu ex-diretor geral Silvinei Vasques, acusado de utilizar o cargo para apoiar os bloqueios ilegais de rodovias depois do segundo turno das eleições. "Não tem como dizer, ali, que a polícia não foi usada."
O novo superintendente diz também saber que o seu nome não era o preferido do sindicato que representa os policiais rodoviários do Paraná, que queria que o chefe anterior, Antonio Paim, fosse mantido no cargo. O TAB tentou contato com o presidente da associação, Sidnei Nunes de Souza, mas não obteve resposta. Nas últimas eleições, ele foi candidato a deputado estadual pelo União Brasil, mas não foi eleito. Antonio Paim também não respondeu aos pedidos de entrevista.
Em nota, a assessoria de imprensa do sindicato se manifestou: "Ainda é cedo para emitir uma opinião a respeito do novo superintendente, que acabou de assumir. Acreditamos que fará um bom trabalho".
Oliveira pretende arrefecer a eventual oposição aos poucos, "à medida que formos indicando para os cargos pessoas comprometidas, com experiência, equilíbrio e sem radicalismos".
Na primeira reunião como novo superintendente, ele anunciou mudanças nas chefias das delegacias regionais do Paraná. Ao todo são nove, e em pelo menos cinco haverá alteração. Três delas passarão a ser comandadas por mulheres, inclusive a de Foz do Iguaçu, na Tríplice Fronteira, que tem o maior efetivo do estado.
Ele conta nunca ter encarado o que aconteceu em 2020 como um castigo. "Eu gosto da pista, é até uma terapia. Lá você não tem rotina e faz um trabalho em que se sente útil".
No início da entrevista, Oliveira mencionou de passagem a sujeira incrustada em suas botas beges, que compõem o uniforme da Polícia Rodoviária Federal. "Quando você está na pista, você pega chuva, pisa na lama, tem que entrar no mato, correr atrás de ladrão de carga. Tem sujeira que não sai", explicou. "Não sei se vou ser superintendente por alguns meses ou alguns anos. Não depende só de mim. Trabalhar com pessoas não é fácil. Uma decisão sua e a vida delas muda."
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