'Não tenho tempo pra sexo': sexóloga carioca faz sucesso na TV da Colômbia
Para muitos brasileiros que chegam de avião à Colômbia nos últimos anos, o contato com nossa compatriota mais famosa no país andino acontece antes mesmo de sair do aeroporto. Uma das companhias aéreas que faz a ponte entre as nações escolheu a sexóloga Flávia dos Santos para dar instruções de voo. Falando em português e espanhol, Flávia se expressa de maneira informal e repleta de brincadeiras ao informar os passageiros.
A brasileira é hoje uma das estrelas mais conhecidas na Colômbia, com presença intensa na TV, no rádio e nas redes sociais, além de concorridas palestras pelo país afora. "Tenho que tomar cuidado com a exposição, ou minha cara vai aparecer até no vaso sanitário", brinca ela com o TAB na tarde repleta de compromissos em que recebeu a reportagem num café de Bogotá.
Pode parecer piada, mas a imagem desta carioca que vive há quase 20 anos em Bogotá já está nos banheiros da cidade. Flávia estampa uma ampla linha de produtos sexuais vendidos em farmácias do país e fartamente anunciados nos toilettes locais. E, no melhor estilo Glória Maria, prefere não revelar a própria idade.
Com 1,7 milhão de seguidores no Instagram, a terapeuta brasileira compartilha grande parte de sua rotina, que não se restringe à capital colombiana. Enquanto falava com a reportagem, a sexóloga terminava os últimos preparativos para uma viagem a Cali. O encontro ocorria logo após uma reunião para discutir a gravação de um programa em Medellín.
É no interior da Colômbia, no entanto, que a fama da brasileira é ainda mais intensa. Em um evento na cidade de Arauca, Flávia palestrou para milhares de mulheres. Por vezes, o assédio dos fãs em busca de autógrafos e fotos ao lado dela é tamanho, que a brasileira precisa andar escoltada.
Sexo casual
Flávia estudou psicologia em Londres, cidade na qual conheceu seu marido, Júlio Cesar dos Santos, então diplomata de carreira no Itamaraty. Viajou com ele para outras cidades onde Santos ocupou postos, como Nova York e Roma. Foi na capital italiana que resolveu se especializar na área da sexologia — até então ela pensava em atuar com terapia familiar.
Em 2004, época em que seu marido se tornou embaixador em Bogotá, o posto era mais cobiçado por grupos armados que por funcionários de carreira. A tática de usar sequestros para obter vantagens nas sangrentas disputas que tomavam o país estava no ápice. Pouco antes, em 2002, as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) sequestraram a política Ingrid Betancourt, um drama que só se encerrou seis anos depois, com seu resgate.
Neste cenário conflagrado, a vida do casal ficava restrita à capital colombiana. Para circularem os dois contavam com 13 seguranças armados, que se revezavam 24 horas por dia. "Eu praticamente não conhecia a cidade, nem sabia dirigir aqui", lembra ela.
A vida profissional de Flávia também não era das mais livres. Em um país conservador, o casal resolveu que seria preferível que ela se apresentasse como psicóloga geral, deixando a especialização em sexo de lado.
Faltava pouco tempo para que seu marido tivesse de deixar o exterior e se aproximava a aposentadoria dele. Com filhos pequenos à época, a mudança de volta para Brasília, e logo depois para o Rio de Janeiro, não lhes pareceu atraente. E o casal decidiu permanecer em Bogotá.
De entrevistada a apresentadora
Enquanto Flávia dava aulas de português em um curso do Ibraco (Instituto Brasil-Colômbia), surgiu a oportunidade que a colocaria em evidência. Ela conhecia um médico colombiano que fazia participações na imprensa como especialista. Em 2008, o governador de Nova York Eliot Spitzer envolveu-se num esquema de prostituição e o amigo de Flávia a indicou para comentar o caso na TV. Foi um sucesso.
"Me perguntaram se eu poderia seguir aparecendo no jornal", conta. Após a quinta aparição falando sobre temas como infidelidade e falta de desejo sexual, Flávia recebeu a proposta de apresentar um programa duas vezes por semana. "Não lembro o quanto começaram me pagando, só sei que era pouco. Mas eu também não tinha nada a perder, aceitei." Hoje, a sexóloga faz aparições diárias nos meios de comunicação colombianos.
Para Ivan Lalinde, colega dela na emissora Caracol, o sucesso da brasileira não foi surpresa. "Uma mulher com conhecimento, profissionalismo e carisma. Tinha todos os ingredientes para ter êxito", diz ao TAB. "Alguém com tanta personalidade encanta quem quer que seja."
Licença de estrangeira
Falar para milhares de pessoas em outra língua não é fácil. Ainda hoje, Flávia mistura palavras e pronúncias do português em seus comentários em espanhol. Isso no entanto, não é visto como um problema. Ao contrário. Muitos acreditam que seu sotaque ajudou na construção de uma personagem simpática.
"É parte de sua personalidade, ajuda a encantar-se com ela, já que soa algo diferente", confirma Lalinde. Ele acredita também que o fato de Flávia ser estrangeira lhe dá mais liberdade para falar de temas tabus para muitos colombianos. "Ela tem uma espécie de licença para romper protocolos que temos aqui."
Juanita Kramer, que trabalhou com Flávia por dez anos na Blu Rádio, também acha que a forma dela falar "ajuda muito a se conectar com as pessoas, que acham um tanto engraçado o jeito dela se comunicar". Mas ressalta que, nas viagens feitas pela Colômbia, a brasileira domina até os regionalismos. "Acabou mais colombiana que muitos colombianos", elogia.
Combatendo estigmas
Apesar dos avanços da sociedade nos últimos anos, o estigma em relação às brasileiras permanece forte no país, conta Flávia. O clichê da passista seminua no Carnaval carioca segue sendo uma imagem forte quando se fala em Brasil. "Brasileira tem fama de puta aqui, é algo muito forte", lamenta.
A forte igreja católica local é outro complicador para o trabalho de Flávia. Uma conferência na cidade de Buga foi contestada por autoridades religiosas e Flávia teve que contar com o apoio da população para seguir com os planos. Uma temática que ela aborda e ainda enfrenta resistência é a da homossexualidade.
"Quando começamos [na rádio], acho que havia mais conservadorismo ainda. Agora, ela já falou tanto disso que creio que as pessoas estão aceitando mais", avalia Juanita Kramer.
Brincadeira tem hora?
A principal marca da sexóloga é de fato o bom humor com que trata a temática sexual — um senso de humor que a levou a gravar um show para a plataforma Amazon Prime, "Flávia dos Santos: Stand Up Sex", no qual brinca com a sexualidade dos colombianos por quase 50 minutos. Uma característica que nunca afetou sua credibilidade. "Ela é muito estudiosa e estruturada, sabe muito dos temas", diz a colega Juanita.
A exposição pública, no entanto, já lhe trouxe situações difíceis. Soldados de grupos envolvidos nos conflitos do interior da Colômbia quiseram ser fotografados com Flávia para melhorar sua imagem. E guerrilheiros já a convidaram a fazer palestras para seu grupo. Cláusulas nos contratos de publicidade da sexóloga, porém, deixam explícito que ela não pode tocar em temas políticos do país.
Santo de casa...
Além dos trabalhos na área de comunicação, Flávia atende cerca de dez pacientes por semana em seu consultório. "Sempre fui disciplinada e rígida com os horários. Tem um preço, mas a gratificação é tão grande que acabo me deixando levar", diz.
Com tanta atividade profissional, ela brinca que não tem "tempo pra fazer sexo".
Em 2014, Flávia foi diagnosticada com um câncer de mama, tratado após ser descoberto de maneira precoce. Hoje, a sexóloga é ativa avisando sobre os riscos da doença e a necessidade de exames de prevenção.
Mãe de dois filhos, com 24 e 25 anos, que moram no exterior — um na Suécia e outro em Madri — ela revela que nenhum dos dois gostava de falar de sexo com a mãe. A escola em que estudavam em Bogotá certa vez pediu a ela que fizesse uma palestra, mas Flávia rejeitou. "Era o espaço deles, eu não podia invadir."
Pouco conhecida em seu país natal, Flávia recentemente participou de alguns eventos e deu entrevistas a podcasts em São Paulo. Voltar ao Brasil, no entanto, não está nos planos agora. "Não é meu objetivo, mas eu não diria que não. Adoro aventuras. Se tiver um projeto, animo", diz. "O Brasil virou um refúgio de férias pra mim, meu local de liberdade", resume ela.
Sexualidade medicada
Para Flávia, o sexo no mundo de hoje reflete a "patologia social em que vivemos". Para ela, tanto na Colômbia quanto no Brasil, "somos uma sociedade cheia de cafeína para funcionar de manhã, cheia de álcool para aguentar as pressões, cheia de medicamentos para ansiedade e dormir. Estamos funcionando em modo medicado. Não é um problema só do sexo, é a sociedade que está doente."
Para a especialista, "nos relacionamos mal com o tempo e com o prazer", lembrando que muitos buscam medicamentos para aumento do desejo ou usam drogas e estimulantes para as práticas. Ela também vê de maneira crítica o consumo de pornografia. "Os mais jovens estão desumanizando o sexo. A pornografia tira a criatividade, que é parte da sexualidade saudável", diz.
Ou, como resumiu em uma cena de seu stand-up: "É como ver um filme de super-herói e achar que depois vai sair voando."
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