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'Minha fluência vem do free style': advogada do caso Prior já cantou rap

A paulistana Maira Pinheiro, que trabalhou no caso contra o ex-BBB Felipe Prior, condenado por estupro - Júlio César Almeida/UOL
A paulistana Maira Pinheiro, que trabalhou no caso contra o ex-BBB Felipe Prior, condenado por estupro Imagem: Júlio César Almeida/UOL

Carla Castellotti

Colaboração para o TAB, de São Paulo

26/07/2023 04h01

Aos 12 anos, Maira Pinheiro era uma atleta promissora do hipismo. Amazona campeã mundial do FEI Children 2002, competição organizada pela Federação Equestre Internacional para competidores de 12 a 14 anos, seu sonho na época era disputar uma Olimpíada. Mas de lá para cá, seus obstáculos mudaram de forma.

Hoje, a advogada criminalista de 33 anos se tornou um rosto conhecido como advogada da vítima e parte do time de acusação do caso do ex-BBB Felipe Prior — condenado pela justiça paulista a seis anos de prisão em regime semiaberto por um estupro cometido em 2014.

Há três anos no processo, Maira conta que recebeu mensagens de ódio dos fãs de Prior na internet e até uma ameaça anônima por encabeçar o caso. A advogada, no entanto, é acostumada aos enfrentamentos. A começar pela própria casa. "Aos 15 anos, eu montei sete cavalos em um dia", lembra ela. "Fui muito bem com todos, mas no último derrubei dois obstáculos. Então, meu pai começou a gritar comigo, disse que eu tinha a cabeça fraca, tinha talento mas não ia alcançar nada."

Naquele momento, a jovem amazona puxou a rédea. Acostumada a domar os cavalos com ajuda do método racional — "no qual você se comunica com o cavalo com a sua linguagem corporal" —, ela pediu a interferência da avó paterna para se afastar do pai, com quem morava até então.

Advogada do caso Prior - Júlio César Almeida/UOL - Júlio César Almeida/UOL
Boa de verve e de rima, Maira ganhou duas vezes a Batalha de Rap da Dominação, no metrô Santa Cruz
Imagem: Júlio César Almeida/UOL

'Mais rebelde'

A jovem, então, passou seis meses em Long Island, Nova York, na casa de parentes, até voltar ao Brasil e ser acolhida pela avó Ana Maria. Nesse processo, em que ela diz ter ficado "mais rebelde", professores de história e geografia do Colégio Humboldt, em que estudou na zona sul de São Paulo, a aconselharam a se filiar a um partido político.

"Eu tinha 17 anos quando me aproximei da esquerda, e o cursinho foi o despertar do amor pelo conhecimento", conta. Aos 19, ela ingressou na tradicional Faculdade de Direito do Largo do São Francisco e, aos 20, já morava sozinha em um apartamento no Centro da capital paulista. "Minha avó me dava uma força todo mês e o resto eu inteirava com o dinheiro do estágio, no [escritório de advocacia] Madi Rezende, onde comecei."

"Trabalhei no escritório por um ano, depois fiz atendimento jurídico na Fundação Casa e fui para o Instituto Terra, Trabalho, Cidadania, que é uma frente da Pastoral Cacerária", conta Maira, sobre sua engajada jornada inicial no Direito. No paralelo, envolveu-se com o movimento estudantil e chegou a ocupar a cadeira de Secretária Geral da UEE (União Estadual dos Estudantes), em 2011.

"Mas o movimento estudantil deu uma mastigada na minha saúde mental", relembra, ao mencionar que o assédio moral de outros dirigentes serviu como gatilho para a primeira grande crise de depressão que enfrentou. Ainda assim, foi nesse ambiente que ela começou a namorar Vitor Lucena, com quem passou a morar junto e teve uma filha, Betânia, em 2015.

Advogada do caso Prior - Júlio César Alemida/UOL - Júlio César Alemida/UOL
Para ela, a condenação de Prior 'tem um impacto cultural de comunicar às mulheres que a justiça é possível'
Imagem: Júlio César Alemida/UOL

Política, rap e pichação

A gestação e a maternidade fizeram Maira querer estudar matérias na Faculdade de Saúde Pública da USP. E sua própria vida começou a se misturar com as causas que defendia, como o direito de mães circularem livremente por diferentes lugares com seus filhos.

"Quando tive a Betânia, não parei de estudar. Ela ia comigo para todo lugar. Fiz prova na faculdade com ela no sling", lembra. A estudante que se dividia entre o estudo e o cuidado de uma criança pequena, ainda encontrou tempo para fazer um curso de doula.

"Não sei da onde eu tirei disposição", relembra, dizendo que considerou abandonar a faculdade de Direito para fazer Obstetrícia, mas como estava na etapa final do curso, seguiu com a graduação. Ao longo desse processo, com direito a separação do antigo companheiro, ela, que já era filiada ao PT, concorreu à uma vaga de vereadora em São Paulo em 2016.

Durante a campanha, um amigo a levou para a Liga do Funk, uma ação que acontecia na ONG Ação Educativa, no bairro de Santa Cecília. Lá, Maira fez novos contatos e descobriu mais um talento: as batalhas de rap. "Ganhei a [batalha da] Dominação, no Largo São Bento, duas vezes. Eu ia com a Betânia no sling e era super bem recebida", conta ela. "Minha fluência da fala vem muito do free style."

Eleita ela não foi, e Maira diz que hoje prefere fazer campanha para os outros. "Não gostei de panfletar um papel que tinha a minha cara." Como suplente, porém, virou notícia ao ser detida pela polícia no primeiro dia do Cidade Limpa, antigo programa do prefeito João Dória, que previa multa de cinco mil reais ou serviços comunitários para quem fosse pego pichando.

Autora da frase "mães também gozam", que pode ser vista em alguns muros da capital paulista, Maira lembra que "o dia da pichação" a preparou para lidar com casos de repercussão. "Pessoas do meu grupo político dentro do PT foram pra minha casa, me ajudaram a fazer gestão de crise, escrever a nota, cuidar do meu telefone", lembra.

A então suplente de vereador e estudante de Direito cumpriu serviço comunitário e pintou guias no bairro do Bom Retiro.

A advogada do caso Prior - Fábio Lazzari/CMSP - Fábio Lazzari/CMSP
Dos tempos de pichadora ficou célebre a frase de sua autoria: 'Mães também gozam'
Imagem: Fábio Lazzari/CMSP

'Senso de propósito'

Logo depois de se formar em 2017, Maira passou na OAB e começou a trabalhar de forma autônoma como advogada criminal e de direito das mulheres. "Meu primeiro caso foi uma acusação de roubo contra dois amigos, negros, que foram detidos na Roosevelt", relembra ela. "Quando eu fui fazer a audiência de custódia deles, uma família de uma outra dupla pediu meu telefone, e eu peguei meu segundo caso. Um puxa o outro."

É assim que Maira vem trabalhando nos últimos seis anos. Hoje, acompanha cerca de 90 inquéritos, entre processos de homicídio, roubo, casos de família e de violência sexual. Questionada se só pega caso nos quais acredita, ela diz que não. "Para o único cliente homem que eu tenho em caso de violência contra a mulher, eu cobrei oito vezes o valor que cobro de uma cliente — estava precisando de dinheiro", diz.

O processo contra Prior, por exemplo, não envolveu remuneração. E os casos que dão dinheiro, segundo a advogada, são os de família e criminal. "Todo mês pinga um pouco [de dinheiro] e eu pago as contas." A relação com os pais, esporádica, deixou de ser uma questão. "Tenho a minha liberdade, ela é inegociável, ninguém fala o que tenho que fazer."

Perguntada se punitivismo e encarceramento são mesmo eficazes, Maira diz que não, "mas é o que a gente tem e tem que valer para todo mundo igual." Segundo ela, a condenação de uma celebridade como Prior, por exemplo, "tem um impacto cultural de comunicar às mulheres que a justiça é possível".

Nessa rotina atribulada, com muito trabalho, cuidados com a filha que tem hoje oito anos e o enfrentamento da depressão, ela diz que é preciso intensidade. "Só o senso de propósito me tira da cama quando eu não quero levantar."