Só para assinantesAssine UOL

'Tenho vergonha do meu corpo', diz ex-paciente de cirurgião dos famosos

O cirurgião Herbert Gauss Júnior diz ter feito mais de 80 mil plásticas e popularizado procedimentos com preços acessíveis. Mas dezenas de ex-pacientes queixam-se dele na Justiça pelo menos desde 1999.

Mulheres se dizem frustradas com o resultado da cirurgia e o tratamento do médico. As reclamações mais comuns são negligência e erros médicos, com sequelas estéticas e emocionais que persistem por anos.

Algumas afirmam se sentir "mutiladas" e "humilhadas" por Gauss.

O UOL analisou 55 processos contra o médico -- ele já foi condenado em última instância em 21 deles -- e conversou com 15 mulheres.

O médico foi procurado pela reportagem e, por meio de seu advogado, disse que não se manifestará sobre os casos.

'Meus seios ficaram deformados e pedi nova cirurgia. Ele mandou chamar a polícia', diz a dona de casa Joelita Ferreira Nunes, 51, que procurou Gauss pela primeira vez em 2015.

Joelita Ferreira Nunes, ex-paciente do médico Herbert Gauss
Joelita Ferreira Nunes, ex-paciente do médico Herbert Gauss Imagem: Bruna Bento/UOL

Ela tinha feito uma cirurgia de prótese de silicone com outro médico, o seio direito infeccionou e a prótese foi removida. Queria ajustar o tamanho e a simetria das mamas por R$ 18 mil.

O resultado: um seio firme no tórax e outro com a auréola para baixo, mamas e formatos completamente diferentes. Sobras de pele e cicatrizes deixaram a região deformada. Laudo pericial, parte do processo, confirma o problema e a responsabilidade do médico.

Continua após a publicidade

Segundo relatou à reportagem, ela, que na época era empregada doméstica, voltou à clínica para pedir cirurgia de reparo.

Ele disse que eu tinha que pagar mais R$ 3.000, mas eu não tinha mais dinheiro, e ele respondeu: 'Se vira'. Discutimos e ele, gritando, mandou a secretária chamar a polícia. Foi uma humilhação
Joelita Ferreira Nunes

Joelita então abriu um processo com pedido de indenização de R$ 134 mil em 2017. Gauss foi condenado a pagar R$ 68 mil em 2022, em primeira instância, e recorreu. O caso está em análise em segunda instância.

Joelita teve uma crise de ansiedade durante a conversa com o UOL.

"Tinha sido diagnosticada com depressão, mas piorou muito. Já pensei em tirar minha vida, quis cortar meus seios fora, mas tenho meus netos", relata.

Todo dia olho para o meu corpo no banho e me dá vergonha. Não sei se vou operar de novo. Queria tirar essas próteses, mas tenho muito medo. O que aconteceu me deixou traumatizada
Joelita

"Médico só conheceu meu corpo na sala de cirurgia"

A advogada Camila Delamico, 36, fechou um contrato com Gauss em 2020. Queria fazer abdominoplastia, lipoescultura e enxerto de gordura nos glúteos.

Continua após a publicidade

Só o primeiro foi realizado.

Camila Delamico - ex-paciente Herbert Gauss
Camila Delamico - ex-paciente Herbert Gauss Imagem: Bruna Bento/UOL

Ela conta que já tinha percebido algo errado na sala de cirurgia. "Ele marcou só o meu abdômen. Perguntei se não marcaria o resto do corpo e ouvi: 'Sei o que faço'. Confiei."

Foi na sala de cirurgia, inclusive, que o médico a conheceu pessoalmente.

O contato prévio havia acontecido via internet, com envio de fotos e consultas online.

Continua após a publicidade

Tudo foi intermediado pela administradora de um perfil de vendas de cirurgias plásticas na internet, prática repudiada pelo Conselho Federal de Medicina e pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.

"Notei que só a parte de baixo do abdômen doía e vi que as outras duas cirurgias não foram feitas. Questionei o médico, que disse que minha pressão baixou. A enfermeira falou que foi porque perdi muito sangue. Mas no prontuário dizia: 'Sem intercorrências'. Foi muito estranho", diz.

Parece que eu fui serrada ao meio, na linha acima do quadril. O doutor Herbert me abriu de fora a fora. E sobrou uma ponta de gordura nos flancos, que a lipo deveria ter resolvido. Mas ele não fez a lipo.
Camila Delamico

Depois disso, ela abriu um grupo no Facebook para alertar outras mulheres.

"Uma advogada da clínica me procurou oferecendo um acordo de R$ 23 mil em cinco parcelas e pediu que eu excluísse o grupo. Excluí, mas a última parcela não foi paga. Hoje, ela chega a quase R$ 15 mil."

O valor da operação foi de R$ 7.500.

Continua após a publicidade

A advogada também entrou com uma ação indenizatória, encerrada após um acordo. Ela conta que Gauss ligou para ela no ano passado pedindo que fosse ao seu consultório.

Lá, conta Camila, ele pediu alguns exames de sangue e disse para ela entrar em contato com o advogado dele. Afirmou que realizaria uma nova cirurgia da forma que a paciente quisesse.

"Mas quando o advogado me deu um retorno, disse que o Herbert mudou de ideia e só resolveria o caso de forma judicial. Sei que não vou ter o que ele ainda me deve. Mas quero que ele pare de operar. É truque atrás de truque", afirma Camila.

Ele cobra o valor de uma cirurgia, a gente paga, e ele não faz. E age do mesmo jeito com várias. Ele tem um modus operandi. É exatamente o que um estelionatário faz.
Camila

Médico Herbert Gauss Júnior, 70, acusado de deformar corpos de mulheres em cirurgias plásticas
Médico Herbert Gauss Júnior, 70, acusado de deformar corpos de mulheres em cirurgias plásticas Imagem: Reprodução/Instagram

Continua após a publicidade

O que o médico diz

Procurado pela reportagem, o médico aceitou dar entrevista no começo de abril, mas na data marcada a conversa foi cancelada pelo seu advogado, Mário de Oliveira Filho.

O advogado disse que o cliente não irá se manifestar sobre os casos. O UOL enviou mesmo assim 12 perguntas por email para ouvi-lo sobre as acusações, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

Nas defesas apresentadas à Justiça, Gauss costuma afirmar que as acusações são "absurdas e ilógicas", que "não possuem embasamento técnico" e que são feitas visando ao "desejo de lucro fácil".

De acordo com ele, a obrigação de um médico é fazer uso de todo seu conhecimento científico, bem como dos meios técnicos de que dispõe, para tentar "eliminar ou reduzir o mal que acomete um paciente".

Mas "não há obrigação de curar o paciente ou garantir a ausência de sequelas", declara.

Continua após a publicidade

O médico afirma que sempre agiu com o zelo que os casos necessitavam e que os processos não trazem qualquer comprovação de erro médico. "Não há comprovação de culpa, negligência, imperícia ou imprudência."

Ele diz ainda que sempre informa previamente os pacientes sobre os riscos intrínsecos aos procedimentos, uma vez que as cirurgias plásticas estão sujeitas às variações inerentes aos mecanismos fisiológicos de cada pessoa.

"Idade, peso, espessura e textura da pele, influências hereditárias e hormonais, o momento psicológico vivido pelo paciente, entre outros fatores, irão influenciar os resultados sobre os quais o cirurgião não tem a menor ingerência", diz nas defesas apresentadas.

"Não se trata de uma ciência exata."

Procure ajuda

Caso você tenha pensamentos suicidas, procure ajuda especializada como o CVV (www.cvv.org.br) e os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade.

Continua após a publicidade

O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.

Deixe seu comentário

Só para assinantes