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Segundo maior anunciante em categoria da Meta aplicava golpes financeiros

Um perfil golpista foi o segundo maior anunciante da Meta Brasil entre dezembro de 2023 a fevereiro deste ano na categoria temas "sociais, eleições ou política", revelou um levantamento inédito do UOL.

A conta Ane Bellandi pagou à Meta R$ 2,5 milhões para aparecer na tela de milhares de usuários de Facebook e Instagram, ficando atrás apenas do perfil do governo federal — R$ 2,6 milhões — no período.

A companhia dona do Facebook e Instagram recebeu de R$ 3.000 a R$ 3.500 por anúncio para espalhar o golpe. Cada postagem foi vista por cerca de 100 mil pessoas.

Nos três meses monitorados pelo UOL, a Meta embolsou com golpes pelo menos R$ 4,7 milhões no país em "temas sociais, eleições ou política" — 15% do total recebido com anúncios na categoria.

Ela é única possível de ser auditada por estar no escopo de conteúdo "sensível".

O perfil Ane Bellandi foi desativada. A Meta não respondeu se o derrubou ou se ele acabou excluído pelo próprio golpista para não deixar rastros, como é comum.

Casos como esse são corriqueiros. A empresa de Mark Zuckerberg não obriga o registro de documentos ou informações detalhadas a anunciantes, o que abre o caminho para crimes.

A publicidade paga é hoje a principal fonte de receita da Meta, que mantém informações da maioria dos anúncios sob sigilo.

Questionada, a Meta disse que não permite fraudes nas plataformas, mas não detalhou que procedimentos implementa para evitar isso (leia a nota completa ao fim do texto).

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Imagem: Carol Malavolta/UOL

A dinâmica do golpe

A conta Ane Bellandi entrou na categoria "temas sociais, eleições ou política" por veicular anúncios falsos de programas de governo, como supostos mutirões para quitar dívidas e liberar auxílios.

A publicidade falsa exibia imagens do presidente Lula e montagens imitando sites jornalísticos.

Quem clicava no link era direcionado para um chat com um "robô", que simulava uma conversa com um atendente virtual de WhatsApp. O atendimento levava o usuário a fazer um Pix para zerar dívidas.

A corretora de seguros Lucimeire Braga, 37, moradora da Vila Prudente, na zona leste de São Paulo, foi uma das que caiu no golpe do Serasa - o mesmo impulsionado pela conta "Ane Bellandi".

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Ela viu no feed do Instagram uma conta que simulava o perfil de um jornal. A postagem tinha até vídeo em que um repórter anunciava a última semana do "Feirão Limpa Nome do Serasa".

Ela clicou e foi direcionada a um chatbot. Inseriu o CPF e logo apareceu na tela seu nome completo, o de sua mãe e um aviso de que tinha dívidas de R$ 5.000.

O bot lhe passou um código para ela fazer um Pix de R$ 140.

"Eu estranhei, mas, como ia acabar o prazo, decidi fazer logo para não perder a oportunidade. E estava no Instagram, né? Não ia desconfiar", diz ela, que mora com o marido e três filhos pequenos.

Lucimeire só se deu conta de que caíra em um golpe quando entrou em contato com o Serasa por telefone para cobrar a limpeza do nome.

O Pix feito por ela foi recebido em nome da Cash Pay, uma intermediadora de pagamentos que não se responsabiliza pelo prejuízo e protege a identidade de quem recebeu o valor.

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Lucimere decidiu não fazer boletim de ocorrência, poiis acha ser quase impossível a polícia encontrar o golpista.

Para especialistas, trata-se de uma ação orquestrada, já que os anúncios — e os links promovidos através deles — são praticamente idênticos e aparecem repetidamente em diversas contas diferentes que se perdem no banco de dados da Meta.

Existe a tentativa de pulverizar o golpe, mas temos evidências de que é uma indústria coordenada de golpes. Só não conseguimos vê-la por inteiro

Déborah Salles
coordenadora, do NetLab, laboratório de pesquisa da UFRJ que atua em parceria com o Ministério da Justiça para identificar fraudes digitais.

Veja abaixo um exemplo de golpe

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Imagem: Arte/UOL
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Imagem: Arte/UOL

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Meta se esquiva da responsabilidade

Um dos objetivos do projeto de lei 2630/2020, conhecido como PL das Fake News, era tornar as big techs responsáveis pelas fraudes impulsionadas.

Pelo Marco Civil da Internet em vigor, elas só podem ser responsabilizadas por atos de terceiros se não removerem conteúdos fraudulentos após ordem judicial que solicite a retirada.

Ou seja, só se elas descumprirem expressamente uma ordem da Justiça. Caso contrário, não podem ser punidas pelo que outras pessoas publicam.

Mas o projeto, que estava parado na Câmara devido ao lobby das gigantes da tecnologia, foi enterrado no início do mês.

Depois de Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), desafiar a Justiça brasileira publicamente, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), decidiu criar um grupo de discussão para elaborar um novo projeto do zero. Ele se reuniu com líderes de partidos em 9 de abril.

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No entendimento do Procon, as redes sociais precisam começar a ser responsabilizadas por esses golpes patrocinados.

"Não tem mais espaço para esse argumento. As plataformas são responsáveis pelo dano social e coletivo que causam", diz a assessora técnica do Procon de São Paulo, Renata Reis.

O próprio Procon já notificou a Meta diversas vezes nos últimos meses pela veiculação de anúncios fraudulentos usando o nome da fundação.

Uma fraude recente, notificada em janeiro, traz um vídeo feito com IA em que apresentadores de um telejornal diziam que o Procon havia liberado resgate de dinheiro mediante pagamento de R$ 108.

O argumento dos especialistas que defendem a responsabilização é que, ao impulsionar as fraudes usando seu próprio algoritmo e sua cartela de usuários, a empresa é a responsável por fazer o golpista chegar até as vítimas.

Informações como gênero, idade, localização e atividade em outros sites são processados pela Meta para traçar o "perfil" de cada usuário e vender o acesso a eles.

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Dessa forma, comerciantes podem escolher seu público-alvo na hora de espalhar os anúncios pelo Facebook e Instagram. É com base nisso que os golpistas conseguem atingir seu "público" usando as ferramentas pagas da Meta.

Na prática, a Meta possibilita o sucesso desses golpes. Ela nos conhece tão bem que o algoritmo pode encontrar as pessoas mais vulneráveis a um anúncio específico. A empresa basicamente ajuda o golpista a te achar e ganha para isso.

Déborah Salles
do NetLab

Como esse tipo de publicidade é personalizada e aparece individualmente para cada usuário, é praticamente impossível controlar as ações da empresa.

"As ferramentas de transparência são pouco eficientes. Os dados são incompletos e atualmente as plataformas não têm obrigação legal de oferecer dados melhores. A gente depende da boa vontade delas", resume Salles.

O Ministério da Justiça informou que tramita na Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor) processo de monitoramento de mercado "para estudo e avaliação dos termos de uso e metodologia de anúncio, retirada de oferta e responsabilidades dos envolvidos".

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O UOL enviou 15 perguntas à Meta, incluindo casos apurados pela reportagem. A empresa se negou a responder a todas elas.

Veja a nota completa da Meta

Atividades que tenham como objetivo enganar, fraudar ou explorar terceiros não são permitidas em nossas plataformas e estamos sempre aprimorando a nossa tecnologia para combater atividades suspeitas. Também recomendamos que as pessoas denunciem quaisquer conteúdos que acreditem ir contra os Padrões da Comunidade do Facebook, das Diretrizes da Comunidade do Instagram e os Padrões de Publicidade da Meta através dos próprios aplicativos

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