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'Leu meu pensamento': Meta ajuda golpistas de anúncios a encontrar vítimas

Pâmela Gomes, 26, estava de olho em um conjunto de panelas de cerâmica de R$ 500. Ela viu o produto anunciado por apenas R$ 89 no feed do Instagram e, desempregada, clicou sem desconfiar.

Era um golpe. "Parecia que o Instagram tinha lido meu pensamento", lembra a carioca.

A propaganda não surgiu por coincidência.

A Meta, dona do Instagram e Facebook, usa dados pessoais de usuários para entregar fraudes "sob medida" e lucrar alto com isso.

Informações sobre gênero, idade, localização e atividade em outros sites são processadas pela empresa para traçar o "perfil" de cada usuário e vender o acesso a eles.

Comerciantes podem assim escolher seu público-alvo na hora de espalhar anúncios usando as ferramentas pagas da Meta. E golpistas fazem o mesmo.

Ou seja, a empresa de Mark Zuckerberg facilita fraudes. Pior: ela não se responsabiliza pelos danos causados a vítimas, uma postura criticada por especialistas.

Há muito dinheiro em jogo.

Levantamento feito pelo UOL na única categoria de anúncios abertos da Meta revelou que, de outubro de 2023 a janeiro de 2024, ela embolsou ao menos R$ 4,7 milhões com fraudes no país.

Questionada, a companhia disse que não permite golpes em suas plataformas, mas não detalhou que procedimentos implementa para evitar isso (leia a nota completa ao fim do texto).

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Imagem: Carol Malavolta/UOL

Nas mãos do algoritmo

Em setembro de 2023, três meses antes do caso da panela, Pâmela Gomes já havia caído em outro golpe patrocinado no Instagram.

O anúncio simulava a venda de um tênis infantil do Mickey, que ela buscava para o aniversário do filho mais novo.

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O tênis custava R$ 60, mas saia a R$ 20 pelo Instagram, em um anúncio que simulava uma loja de produtos infantis. Pâmela fez o Pix e ficou de mãos abanando.

"Eram justamente os produtos que eu queria, eu cliquei na hora", diz.

O Instagram não leu os pensamentos de Pâmela, mas a Meta tem informações precisas sobre seus gostos, interesses e personalidade.

No Facebook, por exemplo, ela costuma seguir páginas de maternidade, está em grupos de troca de roupas infantis e com frequência pesquisa produtos para os filhos.

É por nos conhecer tão bem que o algoritmo da Meta pode encontrar as pessoas mais vulneráveis àquele anúncio específico. No caso dos golpes, a empresa ajuda o golpista a te achar.
Déborah Salles coordenadora do NetLab, laboratório de pesquisa da UFRJ que atua com o Ministério da Justiça para identificar fraudes

O valor pago por anúncio depende do quão específico é o público-alvo escolhido: quanto mais personalizado, mais caro. A maioria, no entanto, custa menos de R$ 100 e alcança cerca de 5.000 pessoas.

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"É um custo-benefício muito atraente para os golpistas", afirma a pesquisadora.

A indústria de golpes na Meta

Para Débora Salles, trata-se de uma ação orquestrada, já que os anúncios — e os links promovidos através deles — são praticamente idênticos e aparecem repetidamente em diversas contas diferentes pertencentes ao banco de dados da Meta.

"Existe a tentativa de pulverizar o golpe, mas temos evidências de que é uma indústria coordenada de golpes. Só não conseguimos vê-la por inteiro", avalia a pesquisadora.

Dados da maioria dos anúncios são mantidos sob sigilo pela plataforma.

O UOL monitorou várias contas golpistas nas redes sociais da Meta durante três meses. As mais comuns são as que anunciam produtos e serviços inexistentes.

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Em 24 de dezembro de 2023, por exemplo, a conta "Smartphone Poco X5 Pro 256GB 8GB azul" foi criada no Facebook.

Ela começou a veicular anúncios no Instagram em janeiro de 2024 em forma de cards promocionais, com a foto de perfil idêntica à das Lojas Americanas.

O conteúdo publicado na linha do tempo e nos stories dos usuários anunciava a promoção do celular por tempo limitado.

Um link levava a um site praticamente idêntico ao das Americanas. O cliente tinha 30 minutos para fechar a compra via Pix.

O UOL identificou outros nove sites golpistas vinculados ao mesmo IP que criou esse domínio fraudulento das Lojas Americanas.

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Os sites desse golpista enganavam consumidores simulando também páginas da Starlink (empresa de satélite de Elon Musk) e da Magazine Luiza.

Hospedeiro na Alemanha

Todos os domínios foram criados entre novembro de 2023 e janeiro de 2024 e hospedados numa empresa alemã. No dia em que a reportagem tentou acessá-los, todos já estavam desativados.

Os criminosos parecem repetir o mesmo código de programação em domínios descartáveis para dificultar possíveis investigações.

Apesar de a falsificação do site não ser tão complexa, a operação demanda conhecimento de tecnologia.

Esse é um trabalho de profissionais. É problemático falar para as pessoas ficarem atentas porque é uma coisa feita para confundir. A responsabilidade não é do indivíduo que cai. A Meta está ganhando dinheiro para isso. Débora Salles

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Mesmo que a empresa tire os anúncios do ar quando são denunciados — o que é raro —, o dinheiro recebido pela veiculação continua no caixa dela.

A Meta frisa em seu site que "cada anúncio é analisado" conforme as políticas da plataforma quando os anunciantes submetem suas peças.

Especialistas, no entanto, avaliam que a moderação é ineficaz, insuficiente e provavelmente feita por algoritmo — a Meta se recusou a explicar como funciona o processo.

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Imagem: Carol Malavolta/UOL

Regulamentação e transparência

Se há remuneração para a plataforma ampliar o alcance de um golpe, ela passa evidentemente a ter parcela de responsabilidade pelos danos causados Orlando Silva (PCdoB-BA) deputado federal relator do PL das Fake News

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A regulação dos anúncios na plataforma estava prevista no PL, mas a proposta, que estava parada na Câmara devido ao lobby das gigantes da tecnologia, foi enterrada.

Após Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), desafiar a Justiça brasileira publicamente, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), decidiu criar um grupo de discussão para elaborar um novo projeto do zero.

A regulamentação, indicam especialistas, não é financeiramente interessante para as plataformas digitais.

Solucionar o problema dos golpes reduziria o lucro do setor e aumentaria os custos de operação, já que mais pessoas teriam de trabalhar na moderação.

Em países da União Europeia, onde a regulamentação das plataformas digitais já avançou, a Meta é obrigada a fornecer informações sobre a pessoa física ou jurídica em cujo nome o anúncio é apresentado, não importando o tema.

É uma forma de ajudar a identificação dos autores dos golpes.

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No Brasil, informações sobre a maioria dos anúncios ainda são mantidas sob sigilo, o que ajuda os criminosos a sumir sem deixar rastros.

"Não adianta ter uma regra se a gente não puder conferir se está sendo seguida ou não. Hoje as ferramentas de transparência são um teatro", avalia a coordenadora do NetLab.

O que diz a Meta

Atividades que tenham como objetivo enganar, fraudar ou explorar terceiros não são permitidas em nossas plataformas e estamos sempre aprimorando a nossa tecnologia para combater atividades suspeitas. Também recomendamos que as pessoas denunciem quaisquer conteúdos que acreditem ir contra os Padrões da Comunidade do Facebook, das Diretrizes da Comunidade do Instagram e os Padrões de Publicidade da Meta através dos próprios aplicativos.
Nota enviada ao UOL

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