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MP vê relação estreita de Milton Leite com empresa acusada de elo com o PCC

O Ministério Público de São Paulo aponta um "estreito relacionamento" entre o vereador Milton Leite (União Brasil), presidente da Câmara Municipal da capital, e a cúpula de uma empresa acusada de ligação com o PCC.

O UOL teve acesso exclusivo a mais de mil páginas de documentos reunidos pela investigação do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) do MP-SP.

Promotores afirmam nesses documentos haver indícios de uma "relação de apoio" entre Leite e a Transwolff, empresa de ônibus acusada de lavar dinheiro para a facção criminosa.

Para o MP-SP, Luiz Carlos Efigênio Pacheco, o Pandora, ex-presidente e dono da Transwolff, e outros dirigentes da empresa são suspeitos de envolvimento com o PCC.

Leite teve os sigilos fiscal e bancário quebrados com autorização da Justiça.

Ele é citado em emails e mensagens de WhatsApp dos investigados, inclusive de Pandora, que chegou a ser preso na Operação Fim da Linha, mas foi solto após um habeas corpus.

Estão entre os indícios de elo entre Leite e a Transwolff, segundo os promotores:

  • Emails trocados entre funcionários públicos ligados a Leite e dirigentes da Transwolff, em tom de "proximidade";
  • Convite feito a Pandora por uma assistente parlamentar, a pedido de Leite, para uma reunião do Conselho Municipal de Trânsito em 2017;
  • Conversa entre uma então assistente parlamentar e Cícero de Oliveira, o Té, sócio da Transwolff, que indica serviços de funcionários da empresa no gabinete de Leite, em 2021;
  • Conversa entre Té e um capitão da PM e chefe de assessoria policial-militar da Câmara, referente à emissão de nota fiscal para a Transwolff. O UOL apurou que o policial é um aliado importante de Leite;
  • Conversa entre Té e uma pessoa que o trata como "tio", pedindo para o dirigente da Transwolff conseguir ingressos para o Carnaval junto a Leite.
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Imagem: Arte/UOL
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Além dos pontos destacados pelo MP, a reportagem teve acesso a outros dados que, segundo o inquérito, reforçam a relação.

O Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) cita a Neumax, construtora de Leite, em movimentações de Pandora em dinheiro vivo.

O vereador também é apontado como chefe de fato da Cooperpam, cooperativa de vans denunciada em 2006 por extorsão e abusos contra os cooperados. A Transwolff assumiu a empresa em 2015.

O UOL procurou os investigados para ouvi-los sobre as informações do MP.

Via assessoria de imprensa da Câmara, Leite diz desconhecer "os documentos mencionados pela reportagem".

"Fato é que desconheço qualquer tipo de relação das pessoas mencionadas na reportagem com os crimes que lhes são imputados e a própria Justiça, que já determinou a soltura do presidente da empresa Transwolff [Pandora], entendeu não haver motivos para mantê-lo preso", afirmou.

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O vereador afirma não ter relação com empresários que atuam no sistema de transporte público de São Paulo, apesar de sua familiaridade com essa área.

"É minha a lei que possibilitou a legalização das cooperativas em São Paulo. Nesse sentido, sempre conversei com todos os empresários do setor, buscando sempre a troca de informações para o engrandecimento do segmento, independentemente do tamanho de cada empresa", afirmou.

Leite não comentou as mensagens trocadas entre assistentes de seu gabinete e dirigentes da Transwolff e a prestação de serviço de um PM ligado a ele para a empresa.

Ele nega também "movimentação em dinheiro" entre sua construtora, a Neumax, e Pandora, e diz colocar novamente seus "dados [bancários] à disposição do Ministério Público".

O advogado Roberto Vasco Teixeira Leite, que representa Pandora, disse que não tem informações sobre a rotina ou ligações de Leite na Câmara ou de negócios relacionados ao vereador.

Ele também afirmou que Pandora "não possui nenhum vínculo com o crime organizado".

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O advogado Matheus Rodrigues, que defende Té, afirma que a relação entre a Transwolff e Leite é "meramente institucional". Ele diz ignorar se funcionários da empresa trabalharam no gabinete do vereador e vice-versa, além de negar o envolvimento do seu cliente com o PCC.

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Imagem: Arte/UOL

'Alvo' do Gaeco

Leite é considerado um dos políticos mais poderosos da cidade de São Paulo. Ele exerce o sétimo mandato consecutivo de vereador e preside a Câmara pela quinta vez.

Dois filhos do político também têm mandato: o deputado estadual Milton Leite Filho e o deputado federal Alexandre Leite, que recentemente assumiu a presidência do União Brasil em São Paulo.

Segundo o Gaeco, Leite teve "papel juridicamente relevante" nos crimes da Transwolff, revelou a Folha de S.Paulo.

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Nos documentos inéditos aos quais o UOL teve acesso, Leite é tratado como "alvo".

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Imagem: Arte/UOL

Emails de investigados

Os indícios de relação apontados acima foram apurados pela Operação Fim da Linha, desdobramento de uma investigação iniciada em 2019, em Cananéia, no litoral paulista.

Promotores descobriram que a Transwolff utilizava laranjas para firmar contratos com a Prefeitura de Cananéia.

Sete pessoas foram presas em abril deste ano. Entre elas, Pandora. Ele foi solto por um habeas corpus do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo).

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O nome de Leite foi citado nos emails e mensagens de WhatsApp trocados pelos investigados, inclusive por Pandora.

Em email de outubro de 2012 enviado a diversos destinatários, Pandora pediu votos para Leite, "nosso representante no Poder Legislativo".

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Imagem: Arte/UOL

"Trabalha pelo povo porque é do povo, uma pessoa que podemos contar sempre."

Três funcionários públicos relacionados a Leite conversaram com os investigados, com quem demonstraram ter proximidade.

A assistente parlamentar Patrícia Araújo, secretária da Presidência da Câmara, escreveu para Pandora com o convite para uma reunião do Conselho Municipal de Trânsito, em fevereiro de 2017.

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"O Milton pediu para que enviasse um representante", diz o email. "Obrigado... Os representantes estarão lá", Pandora respondeu de seu smartphone.

Patrícia foi procurada pelo UOL por email, mas não respondeu.

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Em outro contato, uma assessora chamada Solange procurou Té em fevereiro de 2021. Ele também é reu no caso.

"Preciso da assinatura do pessoal nos recibos. Tem que declarar no imposto de renda", ela escreveu no WhatsApp.

O sobrenome de Solange não consta no documento. O UOL apurou que se trata de Solange Gomes, que foi assistente parlamentar de Leite e hoje é tesoureira-adjunta do União Brasil, partido de Leite.

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Procurada pela reportagem, Solange afirmou por email que desconhece o teor das mensagens atribuídas a ela.

Segundo o relatório de inteligência do Gaeco, o diálogo indica que funcionários da Transwolff prestaram serviço no gabinete de Leite.

Já um capitão da Polícia Militar chamado Alexandre teria prestado serviços para a Transwolff.

O sobrenome de Alexandre também não consta nos documentos. O UOL apurou que se trata de Alexandre Paulino Vieira, que já foi chefe da assessoria policial-militar da Câmara.

A reportagem também apurou que o PM é um aliado importante de Leite.

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Alexandre e Té trocaram diversas mensagens. Segundo a promotoria, eles conversaram sobre o valor e as condições do pagamento pelos serviços de segurança prestados.

Em arquivo anexado, lê-se o valor bruto de R$ 23.806,70.

A nota foi emitida pela empresa AM3 Segurança e Vigilância, que fica no bairro Santana, zona norte de São Paulo. Procurada, a empresa diz que o PM não faz parte do quadro de funcionários.

Alexandre foi procurado via assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo.

O órgão respondeu que a "Corregedoria da PM investiga se houve ou não participação de policiais militares em atividades de segurança privada da empresa [Transwolff]".

A nota alega necessidade de sigilo para não atrapalhar a apuração e que, se constatada qualquer irregularidade, "os profissionais serão punidos".

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Havia ainda espaço para outros tipos de pedidos. Uma mulher que trata Té por "tio" pediu a ele para tentar ingressos para o Carnaval de 2017 com o presidente da Câmara.

"Ah, Milton, não tem uns ingressos do Carnaval aí sobrando para minha sobrinha? Ela sabe que sou seu amigo, ela passa no seu gabinete e busca", ela sugeriu que Té dissesse a Leite.

"Só assim, sabe, sem querer nada. Se der, ok, se não der, tudo bem? É a minha última esperança."

Garagem da empresa de ônibus Transwolff, na zona sul de São Paulo
Garagem da empresa de ônibus Transwolff, na zona sul de São Paulo Imagem: Renato S. Cerqueira/Ato Press/Folhapress

O caso Cooperpam

A Transwolff detém a segunda maior frota de ônibus urbanos da cidade de São Paulo, com 1.206 veículos (9% dos 13.289 ônibus).

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A empresa assumiu em 2015 o patrimônio de uma cooperativa de vans, a Cooperpam, que contava com 1.200 cooperados no começo dos anos 2000.

Na documentação acessada pela reportagem, há citações de relação entre Milton Leite e a Cooperpam desde 2006.

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Um cooperado procurou o Garra (Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos), da Polícia Civil de São Paulo, em 9 de junho de 2006, para relatar que a diretoria da Cooperpam extorquia dinheiro das cooperadas.

Segundo a denúncia, o objetivo da empresa era construir uma garagem de ônibus no número 1.307 da avenida Olívia Guedes Penteado, na Capela do Socorro, zona sul da capital paulista.

Esse é o endereço atual da sede da Transwolff.

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"Afirmou também que o comando de fato da cooperativa era de Milton Leite, atual presidente da Câmara de Vereadores de São Paulo/SP, de maneira que a ordem de comando seria a seguinte: Milton Leite, Dr. Clóvis [Paulo da Silva], Luiz Carlos [Efigênio] Pacheco, Jorge da Conceição Pereira e Nereide Antunes", diz o Gaeco, em relatório assinado em 9 de abril de 2024.

Clóvis Paulo da Silva é um dos fundadores da Cooperpam. Jorge e Nereide foram diretores da cooperativa.

Diversos ex-cooperados estão processando a Transwolff e a Cooperpam cobrando indenizações.

Na denúncia da Operação Fim da Linha, o MP-SP cita que os antigos cooperados foram extorquidos pela Transwolff e pela Upbus, obrigados a aceitar condições abusivas.

Nas ações judiciais, abertas na esfera cível, ex-cooperados descrevem que Pandora fraudou documentação para tomar o controle da cooperativa que viraria a Transwolff e os enganou com a falsa promessa de que se tornariam sócios.

"Consta ainda que, mais adiante, a TW [Transwolff] passou a usar as empresas individuais abertas pelos antigos cooperados, e por ela controlada, para fraudar licitações", diz a decisão judicial que autorizou as prisões de Pandora e outros dirigentes.

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Entre os documentos anexados ao inquérito também está uma denúncia anônima feita ao MP-SP em dezembro de 2022.

O boletim digital dizia que havia policiais corrompidos pela Transwolff e pelo PCC, citando os distritos policiais 37, 47, 89, 92, 96, 99 e 100.

"Tão tentando fexa parceria com Milton leiti pra garantir delegacias pra eles recebe propina. [...] Trans Wolf transporta droga pro PCC dentro do assoalho dos ônibus. [...] Carrega debaixo do assoalho e transita pela cidade toda pra distribuir em diversos pontos. Atualmente a tranwolf paga um valor para o Nei santos Taboão da Serra ltapecerica semanalmente", diz o texto, cuja grafia original foi mantida.

Ney Santos (Republicanos), prefeito de Embu das Artes (SP), foi investigado pela Polícia Civil por 11 anos por suspeita de lavagem de dinheiro para o PCC. O inquérito foi trancado no ano passado.

"Trata-se de pedido de apuração criminal que envolve notícia gravíssima de possível envolvimento de transportadora que esteja a serviço do Primeiro Comando da Capital", escreveu o MP-SP, que encaminhou a informação ao Gaeco "diante da gravidade da notícia e da necessidade de apuração dos fatos".

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*Colaborou Luís Adorno

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