Plano de Marçal compromete controle fiscal e levanta bandeiras da esquerda
Candidato a prefeito de São Paulo, Pablo Marçal (PRTB) se apresenta como legítimo representante da direita, mas seu plano de administração fere pilares desse campo político e abraça símbolos da esquerda.
O coach inclui no seu projeto propostas que levam ao inchaço da máquina pública, ampliam subsídios e retomam a prática de mutirões para a construção de moradias.
Parte dessas promessas, se executada, poderia colocar em risco o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal e da própria Constituição.
Propostas como triplicar o efetivo da GCM (Guarda Civil Municipal) e o número de subprefeituras custariam, cada uma, um acréscimo em torno de R$ 1 bilhão nos respectivos orçamentos.
O valor extra a ser pago em ambos os casos é considerado inviável por técnicos do TCM (Tribunal de Contas do Município) ouvidos pelo UOL.
Os gastos propostos também poderiam comprometer o cumprimento da Lei Complementar 178, que trata da transparência e equilíbrio fiscal das contas públicas.
A Constituição determina que as despesas correntes líquidas executadas pelo poder público (todos os gastos, com exceção de investimentos e pagamento de dívidas) não podem superar 95% da receita corrente líquida.
A cidade de São Paulo está no limite desse patamar, com 94,3% da receita comprometida, apurou o UOL.
Ir além seria como "congelar" a administração, já que novas contratações ou serviços seriam vetados sob o risco de não receber mais respaldo da União para novos financiamentos.
Procurada, a assessoria de Pablo Marçal não retornou aos contatos da reportagem.
Mas faz diferença?
Especialistas ouvidos pela reportagem apontam incoerências entre o discurso e as propostas de Marçal, mas não veem isso como determinante para um jogo eleitoral que, nos últimos anos, foi tomado pela polarização.
O plano mostra que o candidato não segue as teses de direita ou esquerda e opta pelo populismo, entende o cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGV-SP (Fundação Getulio Vargas de São Paulo),
"É um discurso para a plateia, sem lastro no orçamento público", afirma Teixeira.
Professor de ciência política da Universidade Mackenzie, Rodrigo Prando ressalta que a redução do Estado é lema da direita, que busca ainda disseminar que eficiência só se alcança pela lógica empresarial.
"Nesse contexto, as propostas do Marçal são incoerentes com o que ele diz defender. Mas é bom lembrar que o eleitor não necessariamente sabe o que caracteriza políticas de esquerda e direita."
Subsídios e mutirão
Outra promessa de Marçal com potencial de comprometer o orçamento municipal é a criação de subsídios.
Na área da habitação, o influenciador se compromete a entregar um "cheque moradia" a cidadãos de baixa renda. A ideia é que o benefício seja usado para a compra ou reforma de casas.
O valor que seria destinado ao programa não foi informado e nem quantas pessoas seriam contempladas.
"Programas de subsídios habitacionais têm demonstrado melhorar as condições de vida e reduzir a desigualdade social", afirma Marçal no plano de governo apresentado à Justiça Eleitoral.
O candidato também fala em organizar mutirões comunitários para a construção de moradias populares, envolvendo moradores do local no processo, e "pintar" as favelas.
Essas fórmulas são um símbolo histórico da esquerda em São Paulo.
O modelo dos mutirões virou referência na gestão de Luiza Erundina (1989-1993) e as melhorias em favelas foram uma das marcas de Marta Suplicy (2001-2004).
Os custos atuais do município com construção de habitações populares não foram levados em conta.
Segundo a gestão Nunes, a administração está comprometida com uma série de programas vigentes na área da habitação cujas despesas são superiores a R$ 8 bilhões.
A habitação não seria o único setor a ser contemplado com subsídios — política pública amplamente criticada pela economia liberal.
Marçal se compromete, caso eleito, a criar um "fundo garantidor" para conceder microcrédito fácil e barato às micro e pequenas empresas.
Inspirado em Tabata?
Na educação, Marçal propõe um programa de capacitação técnica remunerada a jovens de 14 anos matriculados em escolas do Ensino Médio.
Mais uma vez, o candidato não detalha de quanto seria essa ajuda e como a pagaria.
Em tese, a "bolsa" se assemelha ao programa Pé de Meia, lançado em 2023 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A iniciativa, de autoria da deputada Tabata Amaral (PSB), também candidata em São Paulo, consiste no pagamento de R$ 200 por mês a estudantes do Ensino Médio que frequentaram 80% ou mais das aulas, incluindo as unidades de ensino técnico.
Essa etapa do ensino básico, no entanto, é atendida majoritariamente pelo governo do estado. A capital só atende 2.400 alunos, em nove escolas.
Não está claro se a iniciativa alcançaria apenas os estudantes municipais ou também os estaduais. Na segunda hipótese, a remuneração poderia contemplar até 280 mil jovens.
Escola em tempo integral
A proposta de implantar horário integral em todas as escolas da rede ao longo de quatro anos de governo também elevaria os riscos fiscais da prefeitura.
A cidade disponibiliza esse formato hoje prioritariamente a crianças de zero a três anos matriculadas na rede de creches, a alunos das unidades do CEU (Centro de Educação Unificados) e de uma parcela ainda pequena de EMEIs e EMEFs (Escolas Municipais de Ensino Fundamental).
O consenso entre especialistas em educação é que a medida, embora bem-vinda, exige mais do que contratar professores.
A estrutura da rede precisaria ser adaptada, já que a maioria dos colégios municipais funciona em dois turnos, com turmas de manhã e de tarde.
Mas nesse tema o coach não está sozinho. Guilherme Boulos (PSOL) também promete ensino integral em todas unidades municipais, apesar de não definir um prazo para isso.
Tabata Amaral e José Luiz Datena (PSDB) falam em aumento gradual.
As diferenças entre o discurso das redes sociais e o plano de governo se revelam também na pretensão do coach de ampliar horários de atendimento à população nos equipamentos municipais, como unidades de saúde e escolas, por exemplo.
"Veja que pouco importa a ideologia. Marçal vai se adaptando à campanha. É uma metamorfose ambulante, que passa longe da racionalidade, mas parece atingir parte do eleitorado", diz o cientista político Rodrigo Prando.
A legislação determina que os candidatos registrem o plano de governo na Justiça Eleitoral, mas não prevê punição caso o candidato, se eleito, não cumpra as promessas.
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