Queimadas afetam saúde da população, produção de alimentos e vida animal
As queimadas no estado de São Paulo destruíram parte do bioma nativo. O vento levou a fumaça, prejudicou a qualidade do ar e afetou a respiração principalmente de idosos e crianças, que precisaram deixar escolas.
Além do iminente risco de doenças, animais silvestres, essenciais na cadeia alimentar, perderam alimentos, água e território — isso os que conseguiram sobreviver.
A reportagem do UOL visitou as cidades de Jaboticabal, Pontal, Ribeirão Preto, São Carlos, Serrana e Sertãozinho e viu um cenário desolador.
Matas centenárias foram destruídas, afetando o cotidiano e agravando o quadro de saúde de pacientes de hospitais. A produção alimentar também foi afetada. Fazendas contabilizam milhões em prejuízos.
Animais geradores de leite e carne dependem de pastos que foram queimados, o que tende a elevar o preço da comida nos mercados.
As produções de cana-de-açúcar, de milho e café também sofrem reflexos dos incêndios no estado de São Paulo.
Contenção das chamas
Saindo de uma usina em Sertãozinho, de onde funcionários tiveram que correr para escapar das chamas que atingiram o local semanas antes, um caminhoneiro avisou: está pegando fogo em Cândia, município próximo.
A caminho de lá, duas fumaças próximas, uma preta e outra branca, na cidade de Pontal, chamaram a atenção da reportagem, que decidiu seguir em direção a elas.
Essas fumaças eram diferentes das que costumam ser vistas na região e que, normalmente, são provenientes de chaminés de empresas. Eram mais densas.
O local é uma região rural com plantações de cana. O proprietário, desesperado, tentava jogar baldes d'água contra as chamas ao lado da mulher. O casal pediu para não ser identificado por receio de represálias.
O incêndio foi contido por voluntários que estavam divididos em três caminhões-pipa. Um dos voluntários era o frentista agrícola Carlos Alberto Viana, 62.
Havia oito dias que ele não almoçava por falta de tempo. "Estou o dia inteiro atrás de fogo, para evitar a tragédia. Vamos lutando para proteger isso aí", disse ao UOL enquanto combatia as chamas.
Respiração afetada, escola fechada
São Carlos é a cidade com maior número de focos de incêndio (69) registrados no estado entre 1º e 18 de setembro de 2024, segundo o Programa de Queimadas do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
No fim de agosto, os alunos da escola municipal de educação infantil Enedina Montenegro Branco, no bairro Cidade Aracy, tiveram que ser evacuados, às pressas, devido às chamas que atingiam uma área de mata em região próxima e que se aproximavam.
O incêndio aconteceu numa sexta-feira. Durante o fim de semana, o Corpo de Bombeiros atuou para conter as chamas. E as aulas retornaram na segunda.
Mas o interior da escola estava repleto de fuligem. Pais relataram que alunos não voltaram de imediato por dificuldades respiratórias.
"Minha filha ficou doente. Quase uma semana sem ir à escola. Ela tem sinusite, e a doença atacou", relata o operador de manufatura Rafael Pereira de Araújo, 28.
As crianças vieram até aqui, ficaram debaixo da sombra e logo foram embora. É perigoso lidar com criança no meio de fumaça.
Antônio Souza de Oliveira, 80.
Sujeira e internação
A casa de Antônio de Oliveira não foi afetada diretamente pelas chamas. Mas, assim como todas do bairro, foi atingida por fuligem e pela fumaça trazida pelo vento.
"Ficou tudo preto de cinza. Tivemos que limpar, depois lavar, porque ninguém aguentava o pó", afirma.
Ele também disse que, nos primeiros dias, sentiu falta de ar. A situação é semelhante com a de outros idosos que residem em São Carlos.
Edmundo Vieira do Vale, 73, foi internado duas vezes desde o início das queimadas. Ele tem problemas respiratórios.
A filha dele, Cleonice do Vale Trindade, 44, conta que, devido ao tempo seco, o quadro de seu pai, que é de cuidados paliativos, piorou muito.
Quem não vai ao hospital tenta escapar da necessidade de um. É o caso da autônoma Rafaela Costa, 27, mãe de duas filhas pequenas.
"Tive que levar minhas filhas para minha mãe, porque, mesmo fechando a porta, vinha fumaça e fuligem. A garagem e o quintal ficaram pretos. Tem que lavar tudo e, mesmo assim, a poeira fica", afirmou.
Produtores de alimentos
A Fazenda Santa Maria do Monjolinho, em São Carlos, é mantida pela mesma família há 120 anos. Lá, há produção de cana-de-açúcar, milho, gado de leite, gado de carne, ovinos e café orgânico.
As regiões do entorno da fazenda foram queimadas recentemente. Uma fazenda vizinha já contabilizava prejuízo de R$ 2 milhões pelas queimadas.
E esse prejuízo não se restringe às fazendas. "São muitos pastos perdidos. Não temos como alimentar animais", diz Vera Campos, uma das representantes da fazenda.
A natureza está reclamando. Teremos dificuldade para respirar, para nos alimentar. Foram muitos alqueires devastados só nesta região.
Vera Campos
Cem alqueires de mata centenária, de uma área próxima da fazenda, foram destruídos. Voluntários e bombeiros se uniram para medir forças contra o fogo e o vento, mas a batalha foi perdida.
A região se mobilizou como podia. Alguns com caminhões, outros com tratores. Os moradores se referem ao episódio como "uma guerra".
Um homem filmado ateando fogo em uma plantação de cana com um maçarico foi preso pela Polícia Civil. Na delegacia, confessou o crime.
Novos focos de incêndio surgiram na mesma região depois disso. A polícia tenta descobrir a motivação e os financiadores das queimadas.
Vida animal
Desde o início das queimadas, o governo de São Paulo estruturou uma rede de atendimento para socorrer animais silvestres afetados pelos incêndios florestais.
São 26 unidades integradas pelo estado. Até 18 de setembro, os centros haviam recebido 93 animais — 53 morreram e 40 continuavam em tratamento.
A força-tarefa é concentrada nos Cetras (Centro de Triagem e Reabilitação de Animais Silvestres), geridos pelo estado na capital e, fora da cidade de São Paulo, pelos municípios.
Os que não estão na capital, porém, só podem funcionar se tiverem autorização do estado para receber animais silvestres. A ideia é tratar os animais para devolvê-los na natureza em segurança.
O UOL acompanhou o trabalho de um zootecnista e de um médico veterinário no Cetras de Ribeirão Preto, que tratava um tamanduá-bandeira, chamado Esperança, e um filhote de onça-parda, nomeado Benedito.
Esperança foi encontrado queimado na região de Batatais. Segundo o veterinário Pedro Favaretto, 41, o tamanduá estava com queimaduras de primeiro, segundo e terceiro graus nas quatro patas e no focinho.
Ele estava na área do incêndio. Os pelos não foram queimados. A suspeita é de que, ao despertar e buscar alimentos, revirou a terra em uma área queimada e não conseguiu escapar das fuligens.
Já Benedito tinha aproximados 20 dias de vida quando foi atropelado enquanto fugia de um incêndio em São Joaquim da Barra. Um irmão da onça morreu no atropelamento. Benedito teve apenas uma pata atingida.
Enquanto amamentava a onça-parda com uma mamadeira, que continha um sucedâneo sem lactose acrescido de gema de ovo e cálcio, o zootecnista Alexandre Gouveia, 59, expressava otimismo.
"Ele está na maternidade. Ele está tomando uma associação de antibióticos e analgésicos, mas já está ganhando peso", afirmou.
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