Governo Lula reduz registros, mas CACs têm 1,5 milhão de armas nas mãos

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A política de desarmamento era a principal bandeira da área de segurança pública no início do governo Lula, durante a gestão de Flávio Dino no Ministério da Justiça. Sob Ricardo Lewandowski, a pasta mudou o foco para a PEC da Segurança Pública, mas ainda assim a quantidade de armas restritas diminuiu.
O que aconteceu
No primeiro dia do governo Lula, foi iniciado o "revogaço". Desde 1° de janeiro de 2023, o presidente determinou várias medidas para efetivar o controle de armas:
- suspendeu a aquisição de armas de uso restrito para CACs (caçadores, atiradores e colecionadores);
- limitou a quantidade de armas e munições de uso permitido;
- limitou a concessão de novos certificados para a categoria e registros de clubes de tiro;
- definiu que o Estatuto do Desarmamento teria nova regulamentação;
- determinou a criação de um grupo de trabalho para regular as medidas em 60 dias.
O revogaço assinado por Lula foi parar no STF. O Supremo confirmou a constitucionalidade dos textos e entendeu que revertiam a fragilização do controle de armas de fogo no Brasil.
O objetivo de Lula era reverter as flexibilizações propostas pelo governo de Jair Bolsonaro (PL). Promessa de campanha de Lula, era a prioridade número 1 do ministério, mas a formulação demorou mais do que o esperado devido aos atos golpistas de 8 de Janeiro.
Controle de armas era prioridade de Flávio Dino. Ele prometeu o confisco de armas de CACs que não fossem recadastradas até 3 de maio de 2023. Para o ministro, o Brasil vivia um período de "armamentismo disfarçado de CAC". Ele ainda enfrentou uma crise com ataques em escolas, mas não criou nenhuma regra para regulamentar a presença de segurança armada nesses locais, deixando a cargo de estados e municípios.
O recadastramento foi feito no primeiro semestre de 2023. Os CACs que adquiriram armas a partir de maio de 2019 precisaram reapresentar dados pessoais e de acervo.
Sai Dino, entra Ricardo Lewandowski. Ele assumiu o MJ em fevereiro de 2024, após Dino ir para o STF (Supremo Tribunal Federal). O novo ministro herdou a política de controle de armas ainda em formatação e com a PF (Polícia Federal) sem estrutura para receber o controle sobre os CACs.
Auditoria do TCU apontou problemas na fiscalização. Em 2024, o Tribunal de Contas da União concluiu que o Exército liberou armas para mais de 5.000 condenados por crimes como roubo e tráfico.
De olho em mais controle, o governo passou a competência de fiscalizar para a PF. O governo federal definiu que a responsabilidade de monitorar armas por parte de CACs, clubes de tiro e lojas sairia do Exército e seria feita pela PF.
Transferência atrasou. A mudança das atribuições deveria ser concluída totalmente em 1° de janeiro deste ano, mas foi efetivada apenas em 1º de julho. A demora deixou a fiscalização de CACs no limbo por um tempo. A estrutura da PF era insuficiente para o volume de trabalho.
No total, 6.168 armas de fogo de uso restrito, como fuzis, não foram reapresentadas no sistema oficial por seus donos. Armas podem estar nas mãos de criminosos, traficantes de drogas e milicianos.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública destinou R$ 20 milhões à PF em maio para garantir a execução da tarefa. A instituição tem hoje 600 agentes qualificados para a nova incumbência.
Com a mudança de governo e eleição de Lula, tivemos uma visão muito clara de que a política de controle de armas seria uma prioridade. Mas, quando houve a troca de ministro, esse tema deixou de ser uma prioridade.
Entendo que houve uma mudança de prioridade em relação ao controle de armas para a aprovação da PEC.
Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz
A queda de 91% na aquisição de armas é reflexo da política do MJ. Ela não parou com a saída de Dino.
Paulo Bilynskyj, presidente da Comissão de Segurança Pública
Ministro enfrentou resistências do Congresso para seguir no controle de armas e mudou o foco do ministério para a PEC da Segurança Pública. A gestão Lewandowski elaborou e defendeu a PEC, conversando com Congresso e governadores. O texto enfrentou resistências da bancada da bala e de governadores alinhados com o bolsonarismo.
O projeto visa reforçar a atuação do governo federal na segurança. Propõe estabelecer diretrizes mínimas a serem seguidas por órgãos de todo o país. Também quer integrar as forças policiais e unir o Fundo Nacional de Segurança Pública e o Fundo Penitenciário.
O objetivo do governo é aprovar a PEC ainda em 2025. A PEC não é um consenso entre os diferentes grupos políticos. Como o governo Lula não tem maioria no Congresso, o processo deve atrasar.
Planalto enviou a PEC ao Congresso, onde deve sofrer alterações. Em agosto, o texto do projeto passará a ser analisado em uma comissão especial da Câmara. Ele já foi aprovado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), podendo, em seguida, ser votado em plenário.
Mais de 1,5 milhão de armas com CACs no Brasil. Dados do Exército atualizados em 3 de junho mostram que existem no Brasil 978.441 Certificados de Registro de CACs e 1.507.150 armas de fogo registradas em seus nomes.
Fiscalização pela PF terá estrutura física e operacional própria em todas as capitais e nas cidades com delegacias da corporação. Núcleos específicos estarão dedicados ao controle de armas. "Já foram contratadas as empresas terceirizadas que atuarão no suporte ao registro e à fiscalização. Além disso, 600 servidores e colaboradores da Polícia Federal passaram por treinamento específico para essa nova atribuição. A infraestrutura necessária, como mobiliário e equipamentos de informática, já foi adquirida", informa a PF em nota.
A PF aplicará os critérios previstos em lei para liberar registros. O foco será na verificação da idoneidade do requerente, capacidade técnica e aptidão psicológica. O objetivo da PF é que o tempo médio para a análise dos pedidos seja de 11 dias, em conformidade com os demais serviços já prestados pela instituição.
Lobby da bancada da bala
Bancada da bala tem força no Legislativo. O grupo é um dos mais fortes e barulhentos entre os parlamentares.
Na contramão do governo, eles têm trabalhado para aprovar projetos que aumentam o acesso a armas. Um deles facilita acesso a armas para condenados, flexibiliza o porte e dá anistia a irregularidades e desmonta o Estatuto do Desarmamento.
Senado acelerou projeto que derruba partes do decreto de Lula sobre acesso a armas. O objetivo era retirar travas a colecionadores e atiradores profissionais e também para quem tem porte de arma.
Reforma tributária excluiu as armas do 'imposto do pecado'. Em votação apertada, o Senado decidiu não colocar as armas e munições no imposto seletivo. Itens ficariam mais caros para a população.
Grupo de parlamentares defende armamento da população. A bancada do armamento civil é formada por 23 congressistas eleitos com apoio do Proarmas (Associação Nacional Movimento Pró-Armas) e atua como reforço à tradicional bancada da bala no Congresso Nacional.

Vitórias e derrotas
O desarmamento saiu das manchetes, mas é política do governo Lula. Esta é a opinião de Paulo Bilynskyj (PL-SP), presidente da Comissão de Segurança Pública na Câmara.
O desarmamento parou de ser assunto de discursos do MJ, mas continua sendo uma política de governo.
Paulo Bilynskyj, presidente da Comissão de Segurança Pública
Maioria da população é contra flexibilização de armas. Segundo pesquisa Ipsos-Ipec divulgada neste mês, 54% dos brasileiros são contra facilitar o acesso a armamentos. Esse índice tem se mantido estável desde 2023.
Parlamentares a favor das armas criticam as restrições do Ministério da Justiça. A deputada Júlia Zanatta (PL-SC) menciona mudanças no acesso a armas de calibre 9 milímetros. Liberadas por Jair Bolsonaro, elas ficaram restritas após determinação de Lula.
Os deputados que defendem acesso às armas reclamam de outras restrições:
- Redução de armas para civis: de quatro para duas;
- Diminuição de 200 para 50 munições.
Também houve maior restrição à aquisição de armas. O decreto de Lula menciona "efetiva necessidade da posse ou do porte da arma". Isto significa não haver autorização presumida e só ocorre mediante comprovação de que o cidadão corre risco.
Zanatta também reclama das limitações para o transporte das armas. Ela diz que no caminho para clubes de tiro as pessoas precisam levar rifles e fuzis desmontados.
A deputada considera a exigência perigosa. Justifica que, se criminosos descobriram que uma pessoa carrega armas desmontadas, podem montar emboscadas para roubar o armamento.
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