'Entrego na hora H do dia D': já pensou em falar assim no seu trabalho?
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Jair Bolsonaro fez escola.
Depois do "e daí" e do "sinto muito, mas não sou coveiro", seus ministros parecem ter decorado a cartilha ao serem cobrados a dar respostas e prestar conta de seus atos e omissões.
Eduardo Pazuello, general especializado em logística que assumiu o Ministério da Saúde após a demissão de dois especialistas em saúde, virou figura onipresente no noticiário desde que alguns países começaram a vacinar a sua população contra o novo coronavírus.
Por aqui, ainda não se sabe quando a imunização começa e não tem dia que o ministro não seja instigado a dar uma resposta. Sem um programa e cronograma claros, Pazuello se tornou aquele profeta de rua a anunciar todo dia que o fim (da pandemia, no caso) está próximo. Uma profecia que repete no dia seguinte, e no outro, e no outro.
Na segunda-feira 11 ele foi além. Garantiu que a vacinação começa na hora H do dia D. Faltou fazer piada sobre 31 de fevereiro.
Não bastasse o gatilho da música dos Engenheiros do Hawaii que o cidadão pagador de impostos havia esquecido em alguma bebedeira dos anos 90 (agora não sai da cabeça, não é mesmo?), Pazuello criou uma espécie de jurisprudência para procrastinadores oficiais e amadores longe dali.
Se a moda pega, a resposta-padrão agora será ouvida aos montes nos escritórios, escolas e oficinas mecânicas.
Quando fica pronto o relatório?
"Na hora H do dia D."
Cadê o trabalho de história sobre as capitanias hereditárias?
"Pra que a ansiedade, professora? Chegará na hora H do dia D."
Quando posso buscar o carro?
"Na hora H do dia D."
O Ministério da Saúde não adverte, mas eu advirto: apesar da tentação, não faça isso em casa. Nem no escritório. Nem na escola. Nem na oficina. Vai ser expulsão, demissão ou processo na certa.
Mesmo claramente tentando ganhar tempo no momento em que a população mais precisa de respostas diretas, com transparência e sem enfeite, o ministro da Saúde do governo que prometeu colocar o Brasil acima de tudo segue no cargo. Por quê?
Porque para esse grupo que 'chegou pra mudar tudo isso que tá aí', o Brasil são eles. Qualquer divergência de corpos, crenças e ideias não são compatriotas, são inimigos. E inimigos se combatem, não se dialoga com eles.
Embora praticamente expulso do Exército e alojado na política há mais de três décadas, Bolsonaro tem na cabeça a lógica da guerra e do confronto como modo de operação. Política é outra coisa. Política é negociação permanente. É aceitar ceder. É buscar consenso e entender que a divergência é parte e pode ou não ser absorvida. Jamais exterminada.
Mais do que isso, o exercício político parte do pressuposto de que cabe à autoridade servir, e não ser servida. Esse pressuposto se embaralha quando postos estratégicos são ocupados por quem vê na hierarquia apenas duas possibilidades de ação, a depender de onde se olha: mandar ou obedecer.
Prestar contas não cabe nesta lógica que privilegia o confronto e a construção de inimigos, inclusive na imprensa, para justificar não só as ações, mas também as derrapadas.
Pazuello é general, mas sabe o que significa obedecer ao comandante em chefe. E, no tratamento da imprensa como inimiga de quem não vê necessidade de prestar contas a quem vê como meros subordinados, repete os passos do chefe como bom soldado e mau ministro.
Basta lembrar que, no caso do chefe, o medo da transparência é tanta que o próprio presidente resolveu decretar sigilo de 100 anos em sua carteira de vacinação. O medo de se explicar tem origem na paranoia e na presunção que se tornaram marcas do bolsonarismo. A maior das presunções é pensar que alguém se importará com ele daqui a 100 anos.
Até lá, entre o axônio e o dendrito dos neurônios do cidadão de bem e ainda não imunizado, segue martelando que na hora de acender a luz ninguém dá nome aos bois, tudo fica pra depois. Na hora H, no dia D.
Não existe vacina (ainda) para música ruim.
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