Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Como o verbo 'definhar' virou candidato a palavra do ano em 2021
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Na primeira menção, ainda em inglês, passei correndo pela barra de rolagem.
Na segunda, decidi salvar um link e me mandar por e-mail e ler depois. Passou.
Em seguida ele apareceu no grupo de WhatsApp dos amigos dos tempos de faculdade. Depois, no grupo de futebol. Quando pingou, já na versão traduzida, no grupo da família, entre bons dias, boas tardes e boas noites meus abençoados, concluí que a coisa era mesmo séria. E que eu precisava ler finalmente o artigo do psicólogo Adam Grant, inicialmente publicado no New York Times, do qual todos falavam.
No texto, Grant mostrava que muitos de nós vivenciamos, nesta fase da pandemia, uma sensação de estagnação e vazio. Como se os dias se confundissem pela repetição.
Para além das tarefas diárias repetidas mecanicamente no mesmo cenário, no fim da noite ou no fim de semana já não fixamos atenção no que passa na TV. O livro que escolhemos parece falar de outro mundo. No meu caso, nem a festa do Oscar mobilizava interesse. O mesmo acontecia com as músicas de letras que hoje parecem pueris ou a super Lua que não valeu um esforço para abrir a janela e olhar para o céu. Tenho preferido dormir com todas as luzes apagadas. Quanto antes, melhor.
Não é todo dia que alguém nomeia aquilo que carregamos há tanto tempo sem saber o que é.
Segundo Grant, isso que sentimos não é burnout porque ainda temos energia. Não é depressão porque não estamos desesperados. O nome desse mal-estar é outro. É definhamento. Em 2021, quem não definhou nem deprimiu ou está morto ou mal informado. Não tem meio-termo.
Em anos anteriores, o Dicionário Oxford consagrou termos como "pós-verdade", "tóxico" e "emergência climática" como as palavras que marcaram o espírito do nosso tempo recente. Em 2020, "pandemia" ganhou de lavada de concorrentes igualmente difundidos como "quarentena", "webinar", "ressignificação" e "pão caseiro".
Cunhado pelo sociólogo Corey Keyes, o termo "definhar" tem tudo para ser a expressão do ano em 2021.
Isso porque o estado agudo de angústia, segundo o artigo que meio mundo compartilhou, deu lugar a uma condição crônica definida como um vazio entre a depressão e o florescimento — a ausência de bem-estar. "Você não tem sintomas de doença mental, mas também não é a imagem da saúde mental. Você não está funcionando com capacidade total. Definhar entorpece a motivação, atrapalha a capacidade de se concentrar e triplica as chances de se produzir menos no trabalho", escreveu.
"É isso", ouvi de ao menos uma dúzia de amigos após a roda de leitura à distância.
Muitos entre nós parecem ter chegado àquela cena do padre em "O Ovo da Serpente", de Ingmar Bergman, que ao fim de uma confissão inverte os papéis e pede perdão pela apatia em relação ao que escuta. A cena é atualizada com uma indiferença latente com histórias sobre uma DR aqui, uma reclamação da escola dos filhos ali, planos distantes para a vida pós-pandêmica acolá.
Um alerta de que estamos definhando é quando ficamos indiferentes à indiferença. Não é difícil se identificar com o diagnóstico. Nem sentir culpa pela identificação.
Estamos vivos, afinal. Muitos, com a possibilidade de ficar em casa, bem alimentados, relativamente protegidos e atentos aos protocolos sobre isolamento social e outros cuidados, sem precisar pegar transporte coletivo tão cedo nem atravessar uma cidade deflagrada para sobreviver. Talvez seja um mal-estar do tipo "classe média sofre" enquanto parte do país se desespera nas filas, leitos, tubos hospitalares, empobrecimento e perrengues das atividades legais tornadas clandestinas depois de certo horário.
Não podemos reclamar, pensamos, e aqui mora o perigo. Pela repetição, a tragédia nos tornou indiferentes a números e relatos, que pipocam nas redes sociais como dias que se repetem e nos afetam pela rebarba.
No princípio da pandemia, lembro do susto que foi descobrir como pessoas conhecidas, algumas até próximas, foram contaminadas pela epidemia de estupidez. O espanto se transmutou em raiva, depois em pena, e agora parece se diluir em indiferença. Falta energia até para bater boca. O ar da sociabilidade cada vez mais rarefeito.
Um bravo amigo entrou recentemente num grupo negacionista e passou a fazer uma espécie de clipagem dos absurdos distribuídos por lá. Quem lê está convencido de que é um milagre que o Homo sapiens tenha superado qualquer outro hominídeo que ainda comia terra na revolução cognitiva. Fossem esses caras os gerentes das cavernas e estaríamos até agora tentando acender fogo com pedra de gelo.
A vantagem de ser estúpido nos tempos atuais é que não existe silêncio após eventual correção. Basta dizer que o interlocutor é politicamente correto e não respeita a opinião alheia. Para em seguida dormir feliz.
O outro lado fica com o cansaço da desolação. Diante de tal estado, me apeguei, como boia de salvação, a um capítulo do livro "Humanidade: Uma história otimista do homem". Nele, o autor Rutger Bregman descreve como os ingleses saíram mais fortes e mais unidos após os bombardeios dos alemães sobre suas cidades durante a Segunda Guerra. Foi em vão. A esperança de um fenômeno semelhante se dilui à medida que as bombas de ignorância e dos perdigotos são arremessadas por vizinhos, conhecidos e antigos amigos.
Não só aqui.
A mesma Grã-Bretanha que se fortaleceu ao longo da Segunda Guerra hoje tem como líder um premier que diz preferir ver pilhas de corpos a instituir uma nova quarentena em seu país.
Tem como não definhar?
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