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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Agora falando sério: por que os millennials demoram tanto para amadurecer?

Stock Abode
Imagem: Stock Abode

Colunista do TAB

30/06/2021 04h01

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Quando meu filho completou oito anos, no começo do mês, um anjo torto, desses vestidos de hipster, apagou o cigarro no meio-fio do meu ouvido e desafiou: "vai lá, posta mesmo nas suas redes que você entrou na contagem regressiva para dizer, daqui a alguns anos, que na idade dele você já fazia duas faculdades e ainda trabalhava à noite".

Só não passei essa vergonha porque, do outro lado, um anjo mais alinhado, de barba feita e cabelo penteado, me mandou sair do Twitter e trabalhar.

Minha sentença era um jeito de descarregar no futuro jovem adulto de casa a pilha promovida por meu pai quando cruzei o rubicão dos 20 e poucos anos. Passei a ouvir todo santo dia que, naquela idade, enquanto eu reclamava da vida, ele já tinha dois filhos, carro na garagem e trocentas fotos da festa de casamento espalhadas pelas paredes da casa própria.

Na esteira das discussões sobre o espanto dos millennials que, de um dia para o outro, descobriram que estavam velhos, uma caixa de Pandora se abriu e não deve se fechar tão cedo.

O antropólogo Michel Alcoforado, meu vizinho de coluna aqui no TAB, foi certeiro em atribuir esse espanto a um calafrio típico da geração nascida entre 1980 e 1995.

Não querer aceitar as marcas da adultez e permanecer jovem para sempre envolve: "a negação da instituição do casamento em nome de encontros nos aplicativos de relacionamento; a fuga de relações de trabalho estáveis em prol de vida freelancer; a substituição de filhos humanos pela paternidade pet, e o desprezo por bens de consumo duráveis, de alto valor, como casa e carro".

Difícil não se identificar.

Como quem tem um disfarce descoberto, num dia estamos postando mensagens motivacionais com fotos (e filtros) do nosso café da manhã. No outro, estamos nos perguntado o que fizemos da vida enquanto estávamos ocupados com outros planos.

Lembrei de uma noite, há mais de dez anos, quando eu e alguns amigos dos tempos de escola, já perto dos 30, compartilhamos na mesa de um boteco (ai, que cringe) em São Paulo o pânico, disfarçado de deboche, com o primeiro casamento de alguém da turma. Era como os casamenteiros estivessem perto de um precipício em que a carteira de habilitação juvenil fosse automaticamente cassada para levar todo mundo junto a um módulo Homer Simpson de viver (no sofá).

Olhando hoje, tenho a impressão de que não só o termo, mas o próprio hábito de frequentar botecos naquela fase da vida adulta era sintoma de imaturidade. Como não tinha filho desse tamanho pra criar, por lá fiquei por uns bons anos.

Não sei se, pela moeda corrente, conseguiria um dia converter o dinheiro gasto com litrão em casa própria, mas havia uma razão para estar no boteco àquela hora da noite. Volto à postagem abortada dos primeiros parágrafos.

Quando nossos pais se casaram, inconscientemente entraram num acordo tático com o espírito do seu tempo. Menino vestia azul e trabalhava. Menina, com raras exceções, vestia rosa, ficava em casa e cuidava dos filhos. A ideia de relacionamento maduro se esborrachava no primeiro escarcéu sobre a demora do jantar.

A estrutura familiar estruturava também a economia. Casar, juntar os pratos e amarrar o burro na sombra era a meta. O mundo tinha a exata dimensão do nosso bairro e das empresas que ali estavam. Poucas linhas de capacitação eram saltos gigantescos para a ascensão social em um país ainda marcadamente agrário.

Ao longo desse processo de modernização, chegávamos, os millennials, ao fim de uma fila concorrida de hiper-especialização, seguida de desmonte, que nos obrigava a priorizar estudos, carreira e deslocamentos constantes para montar num touro chamado mercado de trabalho. Era (ainda é) tão difícil se agarrar a ele que mal dava para visualizar aonde ele nos levava. Ou leva.

Com 20 e poucos anos, eu deixava de almoçar para comer qualquer coisa no caminho, de ônibus, entre a última aula em uma faculdade e a primeira de outra. E tomava litros de café para começar minha jornada, às 18h, na cobertura dos jogos da noite em um site de esporte. Me relacionava à distância, quase sempre por e-mail, com alguém do outro lado do estado que se agarrava em todos os estágios e livros especializados para ter trabalho ao fim de quatro anos de graduação. Casamos pouco depois. Numa tarde de sexta-feira, sem avisar pais ou amigos, no cartório bem longe do altar.

Na segunda estávamos cada um em sua casa, a 90km de distância, até tudo se estabelecer. Isso levou mais ou menos cinco anos. Aí sim houve uma festa, no restaurante de um amigo, e a presença do nosso filho. Era um domingo de Carnaval.

A corrida para nos estabelecer no trabalho, sem nunca termos nos estabelecido de fato, deve explicar o pouco caso das nossas turmas com as cerimônias de formatura, um outro marco da vida adulta. Eu pelo menos passei parte da festa bêbado com um amigo fazendo trocadilhos infames — e juvenis — com o canudo enquanto tocava "Con te partirò". O deboche era o jeito que encontramos de disfarçar o pânico de saber que todo mundo ali havia feito tanto e nada daquilo seria suficiente sem mais alguns anos de pós ou trabalho mal remunerado.

Sim, minha geração demorou a ter filhos. Alguns não tiveram. Nem terão. Também não conseguiram acumular capital suficiente para comprar a casa própria. Ou o próprio carro. Muitos ainda vivem na casa dos pais. Ou dividem apartamentos com amigos, com quem se encontram no fim de um dia pulando de trabalho em trabalho em jornadas desregulamentadas, sem horas de descanso, férias ou alguma segurança de que, se nada mais der certo, um colchão de proteção social vai ajudar a pagar os boletos, a começar pela escola dos filhos.

As ofertas de trabalho privilegiam quem tem compromissos pessoais de menos e disposição profissional demais para passar 10, 11, 12 ou 13 horas em escritórios ou viagens de trabalho. As gigantes da gig economy estão aí pra mostrar que o futuro é uma longa e desregulada jornada noite adentro.

O efeito rebote são relações pessoais e afetivas deterioradas. Para poder trabalhar (ou ficar com a vaga), é quase sempre implícita a necessidade de manter o espírito jovem, pau pra toda obra, sem amarras ou aversão ao risco — exatamente o oposto de assentar na vida, como nossos pais, que já não moram perto para dar aquele suporte, como fizeram nossos avós quando o mundo todo cabia em um quarteirão. Eles também, ao chegar à velhice com alguma renda, tentaram esticar a juventude (melhor idade que chama?) até onde puderam com viagens, cirurgias plásticas, correções estéticas, implante capilar, maratonas, motociadas e carros esportivos.

Resultado direto da precarização do trabalho, a extensão compulsória do espírito jovem, desprendido e sem amarras, e o consequente adiamento dos marcos da vida adulta não são (só) estilos de vida. São uma ordem.