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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Caro 'patriota': o condenado por invadir o Capitólio pode ser você amanhã

Manifestantes a favor de Trump invadiram Capitólio em 6 de janeiro de 2021 - Getty Images
Manifestantes a favor de Trump invadiram Capitólio em 6 de janeiro de 2021 Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

03/08/2022 04h01

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Olá, patriota. Tudo bem? Como vão os negócios? E a família? E as amantes?

Fiquei sabendo, por uma amiga em comum, que você já confirmou a sua participação no desfile convocado por seu ídolo Jair Bolsonaro no Sete de Setembro.

A amiga disse que é muito importante todos os brasileiros saírem às ruas no feriado com a camisa da CBF. Ela admitiu que não sabe bem qual o objetivo da parada. Parece que tem alguma coisa a ver com impeachment, mas como ela gosta do atual presidente e não quer vê-lo ejetado do cargo, imagino que ela se refira aos ministros do STF — desses ela não gosta, mesmo dizendo não saber exatamente o que fazem.

A data em 2022 deveria celebrar os 200 anos da Independência do Brasil. Mas seus promoters mudaram o mindset nas últimas três edições e agora ela é chamada por alguns de Dia do Ensaio do Golpe.

É que Bolsonaro anda preocupado com a possibilidade de ser derrotado nas urnas em outubro. Ele queria muito poder passear com seus amigos de moto e jet-ski com tudo pago por mais quatro anos. É por isso que ele precisa muito que você vá à rua mostrar sua disposição para matar ou morrer caso a urna te decepcione. Na dúvida, o presidente quer que você quebre a urna.

Para a celebração deste ano, Bolsonaro fez que fez até que o desfile militar na antiga capital mudasse de hora e local. Em vez do tradicional desfile pela manhã, na avenida Presidente Vargas, no Rio, a cerimônia ocorrerá no fim da tarde na avenida Atlântica, bem em frente ao mar de Copacabana.

Por um desses encontros do acaso, é a mesma hora e o mesmo lugar onde apoiadores do presidente estarão reunidos para mostrar os dentes contra os Poderes avessos a entregar a ele a espada imperial.

Fala se não parece aqueles filmes sobre a jornada do herói humilhado após ser demitido em uma empresa e que volta anos depois como chefe da porra toda para desmoralizar quem o detratou? Só que a empresa, no caso, são as Forças Armadas. E já tem gente estrelada bastante incomodada com isso.

O desfile servirá para medir o pulso do quanto os apoiadores mais ostensivos do atual governo estão dispostos a se mobilizar em caso de derrota nas urnas.

Os EUA passaram por isso recentemente e foi por isso que resolvi te escrever.

Não sei se a notícia chegou ao seu grupo de WhatsApp, mas, em Washington, no dia 6 de janeiro de 2021, uma turba alimentada durante meses por Donald Trump invadiu o Capitólio, sede do Parlamento americano, para impedir na marra a posse do "vilão" Joe Biden. Eles acreditavam que Trump havia sido o verdadeiro vencedor do pleito realizado meses antes. O próprio Trump dizia (ainda diz) isso na tentativa de mostrar aos seus eleitores que eles foram roubados. E a mão que bate continência à bandeira, quando pensa ter sido roubada, se for preciso faz a guerra.

Na segunda-feira (1º), um desses patriotas capazes de matar e morrer pelo ídolo foi condenado a mais de sete anos de prisão pela juíza federal Dabney Friedrich.

Guy Reffitt, até outro dia um pacato gerente de um poço de petróleo em sua cidade, é o homem de jaqueta azul e uma GoPro instalada no capacete que aparece nas imagens obtidas pelas câmeras de monitoramento do Capitólio. Ele tem 49 anos e acreditava estar fazendo a história com arma em punho.

Reffitt foi condenado por apontar essa arma contra a presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi. Mais um pouco e ele gritava "perdeu!".

Durante seu julgamento, o invasor demonstrou uma certa incapacidade em entender que pegar arma e ameaçar de morte uma deputada não era exatamente um comportamento legal. Em nenhum dos dois sentidos.

Ele achava que estava agindo em nome da pátria e contra a tirania, mas a juíza do caso desenhou: "Não há qualquer definição legítima do termo 'patriota' que englobe o comportamento do senhor Reffitt em 6 de janeiro ou nos seus arredores. (O que ele fez) é a antítese dessa palavra".

Antítese é a figura de linguagem pela qual se opõem, na mesma frase, duas palavras ou pensamento de sentido contrário. O que a juíza Dabney quis dizer é que ou você é patriota ou você está a serviço de uma seita para botar fogo no país a mando de um cangaceiro local. Os dois não dá para ser.

Riff foi condenado por portar armas no prédio público, interferir no trabalho da polícia e obstruir o Congresso.

Ele é acusado também de ameaçar o próprio filho logo após a ação.

Em depoimento concedido em março ao júri, Jackson Reffitt demonstrou preocupação com a radicalização do pai nos meses anteriores à invasão.

O nível da radicalização? Bem, digamos que quando soube que seria investigado, ele disse essas belas palavras ao rebento: "Se você me entregar, você é um traidor. E traidores recebem tiros".

Em sua sentença, a juíza do caso não apenas retirou de Reffitt a liberdade pelos próximos anos e o suposto distintivo de patriota. Tirou qualquer moral pela qual ele poderia se orgulhar entre os pares. Ela chamou as ideias do condenado de "absurdas", "ilusórias" e "muito fora do senso comum". É um jeito bonito de dizer que o apenado é um completo idiota.

Guy Reffitt não é o primeiro condenado pela invasão no Capitólio. Mas, diferentemente dele, outros acusados admitiram a culpa, mostraram arrependimento e vão cumprir penas menores. Ele não.

Não sei por que, mas achei que você gostaria de saber o que acontece quando alguém se autoproclama patriota para agir à margem da lei. Para quem pretende fazer o mesmo nos próximos meses, Guy Reffitt é uma espécie de visão do futuro.

Entre as marionetes e os bonecos infláveis a serem levados à manifestação em Copacabana, o dele poderia vir com a placa "eu sou você amanhã e essa história não acaba bem".

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL