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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Caso Gabriel Monteiro: a perversão atrás da fantasia de youtuber justiceiro

 Cassação de Gabriel Monteiro é aprovada no Conselho de Ética da Câmara do Rio  -  O Antagonista
Cassação de Gabriel Monteiro é aprovada no Conselho de Ética da Câmara do Rio Imagem: O Antagonista

Colunista do UOL

16/08/2022 04h01

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O Brasil da última década viu surgir uma legião de políticos nascidos e criados no YouTube. Muitos deles vestiam capa e espada e diziam sair à noite para combater o crime.

Era o caso do ex-PM Gabriel Monteiro, vereador do Rio prestes a perder o mandato após a aprovação, por unanimidade, do relatório final de um processo de cassação pelo Conselho de Ética da Câmara por quebra de decoro parlamentar.

O revés acontece no momento em que ele preparava sua candidatura a deputado federal pelo PL, partido de Jair Bolsonaro.

Ex-integrante do MBL (Movimento Brasil Livre), Monteiro ganhou fama vestindo a fantasia de justiceiro e chegou à Câmara Municipal do Rio como terceiro vereador mais votado nas eleições de 2020. Recebeu mais de 60 mil votos.

Desde então seu gabinete se transformou em uma espécie de metaverso onde uma realidade paralela deveria ser produzida para alimentar seu canal no YouTube. A página foi criada em 2018 e tinha mais de 6 milhões de inscritos. A estimativa é que ele faturasse até R$ 300 mil ao mês com as publicações.

Para conseguir audiência, o vereador influencer protagonizava invasões de hospitais e outros equipamentos públicos para forjar flagrantes e constranger funcionários públicos. Ele chegou a dar voz de prisão contra uma médica de uma Unidade de Pronto Atendimento que acusava de dormir enquanto deveria estar trabalhando. A exposição rendeu a ele uma representação por abuso de autoridade no Cremerj (Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro).

Monteiro posava como herói das classes excluídas ao protagonizar pequenos vídeos em que bancava o militante sensível e disposto a ajudar pessoas em situação de rua, sobretudo crianças. Ele se mostrava ainda um defensor incansável da causa animal.

As cenas eram tão reais quanto uma nota de R$ 3.

Em abril deste ano, o ex-PM foi alvo de uma operação da Polícia Civil que investigou o vazamento de um vídeo no qual ele fazia sexo com uma adolescente de 15 anos. A gravação foi compartilhada no Twitter e no WhatsApp. Na ação, realizada no condomínio de luxo onde ele morava e improvisava seu estúdio, foram apreendidos documentos e equipamentos.

Monteiro já enfrentava na Câmara uma representação, feita por assessores e ex-funcionários, de assédio sexual, agressões e uso indevido de servidores. Um dos denunciantes era um ex-assessor que dizia temer pela própria vida. Ele morreu em um acidente dias depois de contar o que sabia.

Os depoimentos mostram que o vereador manipulava as cenas, com funcionários supostamente bancados pelo erário, para sensibilizar os espectadores, conseguir audiência — e, claro, faturar com a farsa.

Uma reportagem do Fantástico, exibida no domingo (14), mostrou o momento em que ele combina com uma criança de rua o que ela deveria falar para a câmera em troca de um lanche.

Monteiro é acusado de orientar a equipe para encontrar pessoas com "aspecto de pobre" para a gravação desses e outros vídeos, como mostrou a repórter Lola Ferreira no UOL.

As acusações mais sérias envolvem a participação de adolescentes em orgias promovidas em sua mansão, importunação sexual e de estupro. Uma das vítimas, segundo uma ex-assessora, era recepcionada ao som de Galinha "Pintadinha" quando chegava à residência.

A testemunha relatou que o antigo chefe falava a quem quisesse ouvir que não gostava de mulheres maiores de 18 anos. Ela revelou que certa vez ele começou a acariciar seus pés e agarrou suas pernas no banco de trás do automóvel. A então funcionária foi lambida e mordida em seguida.

Em outra ocasião, ele deu um beijo em seu rosto e mostrou a um segurança como ficou com o pênis ereto. Outros assessores contam que um pedido recorrente em seu gabinete era que ele fosse acariciado. Tudo na brincadeira, garante o vereador agora investigado.

Diante da avalanche de denúncias, ao menos uma mulher decidiu ir à polícia relatar que foi estuprada pelo ex-PM. O caso teria acontecido em 2017.

Cada nova revelação desnuda aos poucos e permite ver à luz do dia o que havia debaixo da capa de justiceiro de seu personagem.

Se metade das denúncias for comprovada, Gabriel Monteiro será a face mais perigosa de uma multidão que tirou distintivo de "cidadão de bem" na realidade editável das redes e encontrou um portão escancarado para a vida pública.

Nessas horas, o "herói" do vídeo é quase sempre um farsante que faz na vida privada tudo o que jura combater em público.

No começo do ano, outro herói das classes conservadoras passou o chapéu para viajar até a Ucrânia para testemunhar a realidade da guerra in loco. O deputado estadual Arthur do Val voltou a São Paulo e foi cassado após afirmar em um áudio que estava impressionado mesmo era com as mulheres do país destroçado. Segundo o youtuber conhecido como Mamãe Falei, as ucranianas eram lindas, pobres e fáceis.

Em 2022, o eleitor faria bem se começasse a desconfiar da onda de youtubers ultrarreacionários que se fantasiam de justiceiros para pavimentar a carreira política. Por trás da capa dos defensores da sua família pode estar apenas um postulante a predador.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL