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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

De ator pornô a cover de Dilma, candidatos abriram as portas do multiverso

Colunista do UOL

16/09/2022 04h01

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Tem sido mais ou menos assim: num dia, o prazer de chorar; no outro, a concessão para sorrir.

Como na música de Chico Buarque, Deus deve remunerar e bem os roteiristas da propaganda eleitoral pela distração alternada entre um programa e outro.

Na corrida pelos cargos majoritários o roteiro é escrito com pólvora e sangue; na disputa pelo Legislativo baixamos a guarda e viramos consumidores do puro suco do entretenimento nacional. Um sucesso para tempos de economia de atenção rarefeita.

Outro dia mesmo andava distraído pelas redes e do nada pensei que tinha entrado sem querer em uma aba de site adulto. Era só um dos muitos portais do multiverso abertos pela propaganda eleitoral e que tinha à entrada um ator pornô resgatando dos primórdios o meme de José Serra "comedor" — na verdade, uma sequência de atos falhos (vejam bem, falhos) do então presidenciável tucano ao ver um advérbio de modo ser traduzido como verbo transitivo direto.

Kid Bengala (União Brasil), postulante neste ano à Câmara dos Deputados por São Paulo, promete "trabalhar duro". "Como você, como Luana, como Ângelo, como Anderson" e por aí vai.

Com os sufixos "meia" e "nove" nos números de legenda, o ator tem feito a festa dos engenheiros do trocadilho pronto ao dizer que não é nem de esquerda nem de direita; seu negócio é "pra cima".

Ele diz também que não tem vergonha e que vai "meter o pau" em deputado corrupto "na frente de todo mundo". Jura que está cansado de "tanta moleza" e que, se eleito, vai "armar a barraca em Brasília" e "entrar com tudo", pois é "pau pra toda obra" e parlamentar tem mais é que "dar no couro".

"Me ofereço para tirar o Brasil da sacanagem", diz Kid Bengala, para a alegria da quinta série e horror de uma juíza que mandou tirar uma de suas peças das redes sociais sob o argumento de ela agredia "o decoro, a moral e a decência do pleito".

Trocadilho infame à parte, quem também ligou a TV e pensou ter caído em algum esquete de 2014 foi o eleitor de Minas Gerais, estado pelo qual o ator Gustavo Mendes (PT) concorre a uma vaga à Câmara.

Gustavo fez sucesso como cosplay de Dilma Rousseff quando ela era presidenta e candidata do PT à reeleição. Em 2022, foi a própria Dilma Rousseff quem apareceu na campanha do ator e humorista para dizer que estava "à sua disposição" para "ajudar como puder a sua campanha", desde que ele não parasse de "nos alegrar com seus vídeos de humor".

A fala foi gravada em um momento em que a ex-presidente não têm aparecido na propaganda de Lula (PT), seu antecessor. Pois nas páginas do seu imitador ela aparece em mais de uma versão. O humorista resgatou a personagem, com seus trejeitos e o velho terno vermelho, para circular uma série de críticas contra o atual (e real) presidente, Jair Bolsonaro (PL).

Difícil saber o que era mais impensável em 2014 — se a chegada do então deputado de baixo clero à Presidência ou a inversão de papeis entre Dilma e sua personagem.

Em 2022, até uma caneta azul virou candidata a deputada estadual no Maranhão. Trata-se do autor do sucesso-meme que incorporou o próprio hit ao seu nome e faz campanha de próprio punho com a esferográfica colada na tela. Quem encontrar o personagem real, que devolva.

Mas talvez ninguém tenha escancarado tanto as portas do multiverso neste ano quanto Francisco Everardo Oliveira Silva, mais conhecido como Tiririca (PL). Em busca de seu quarto mandato como deputado, o artista desta vez se vestiu de Roberto Carlos para cantar uma paródia da música "O portão", na qual dizia ter votado no candidato (ou melhor, nele mesmo) porque Brasília era o seu lugar. Isso depois do chilique após perder seu número de legenda para um novo companheiro de PL, o deputado Eduardo Bolsonaro.

A performance de Tiririca (ou de Roberto Carlos versão Tiririca) atualizou a última edição apresentada pelo Rei em um show recente, em que demonstrou irritação e mandou calar a boca duas fãs que conversavam sem parar à beira do palco.

"Eu jogo o microfone aqui na sua cara, bicho. Respeita o Rei", diz o personagem do personagem na propaganda.

Quem se sentiu desrespeitado foi sua majestade versão real.

Pela segunda vez, o artista entrou com um processo contra o deputado por uso indevido de imagem.

A multa estipulada é de R$ 50 mil — um trocado para quem já viralizou e agora corre para ganhar mais quatro anos de mandato.

Os advogados de Roberto Carlos argumentam que ele vem exercendo seu direito de não se posicionar em apoio a nenhum político e que teve sua imagem atrelada ao acusado contra sua vontade.

Segundo o Rei, a sua paródia induz os eleitores a erro, o que tem causado danos à sua reputação.

Os danos devem agora ser indenizados do lado de cá (ou de lá) do metaverso.

Pelo jeito Brasília vale uma missa — e uma encrenca judicial.