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Luiza Sahd

OPINIÃO

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'Cala a boca': Roberto Carlos tem razão ao gritar com fãs?

Roberto Carlos joga as tradicionais rosas sem nenhuma animação em show - Beatriz Damy/AgNews
Roberto Carlos joga as tradicionais rosas sem nenhuma animação em show Imagem: Beatriz Damy/AgNews

Colunista do UOL

19/07/2022 04h01

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Na última quinta (14), um vídeo de Roberto Carlos distribuindo as lendárias rosas no fim do show viralizou. Nele, o rei lançava flores com cara de "toma aqui essa desgraça" — como quem está dando um presente, mas queria mesmo era estar dando tiro pro alto.

De acordo com a reportagem do UOL, Roberto teria ficado irritado com cerca de 60 fãs que levantaram antes do final do show e começaram a se comunicar com o ídolo, durante a apresentação, por meio de gritos.

Em que momento da civilização ficou socialmente aceito atrapalhar o artista e o resto da plateia durante o show? Não sabemos com certeza, mas há hipóteses.

A primeira e mais importante é que passamos dois anos trancados em casa, perdendo completamente a noção de como viver em sociedade e manter habilidades simples — tipo não conversar no cinema, manter a concentração em atividades do dia a dia por tempo superior a dois minutos ou paquerar na vida real.

Sim, aconteceu com todo mundo. E sim: a gente precisa superar isso aí.

Entre o fim de 2021 e o começo de 2022, os shows e festivais voltaram a acontecer a todo vapor. Jamais esquecerei do dia em que eu estava à beira do palco de Gal Costa, chorando cântaros porque ela incluiu um surpreendente "Nada Mais" no repertório do show.

Tudo muito lindo, mas minha conexão com a artista foi interrompida por um grupo de quatro amigos que conversavam animadamente, mais alto que a música, na minha frente. Como se no lugar da Gal Costa em pessoa houvesse apenas uma JBL com um disco da Gal para embalar o papo deles.

Nessa hora, a gente pede silêncio com educação umas duas vezes (como o próprio Roberto Carlos fez no show antes de emendar dois palavrões). Se nada der certo, a gente faz como ele, pedindo silêncio no mesmo tom dos que não respeitam nem o trabalho de quem está no palco e nem a curtição de quem só tentava ouvir o artista.

Fala mesmo, Roberto

Egoístas dirão que Roberto é uma figura pública consagrada e que, portanto, teria que suportar os gritos dos fãs. Isso prova algo surpreendente sobre nós: aparentemente, viramos uma sociedade que não sabe mais esperar por nada — nem pela hora certa de se declarar para um ídolo, tipo o momento do aplauso.

Lembra quando a gente esperava a música acabar para gritar "te amo"? Saudades.

Se a relação do cantor com fãs que gritam enquanto ele tenta cantar tem que ser boa, o nome do fenômeno é relacionamento tóxico.

Além da noção básica de que todo artista merece atenção durante a performance — especialmente no momento em que a arte e a cultura são tão desestimuladas no Brasil — faltou para os fãs a noção de que estava ali um homem de 81 anos tentando se concentrar em sua apresentação.

Qualquer pessoa esperta que tenha ou conviva com alguém da idade do Roberto pode imaginar que o esforço para estar ali, em cima de um palco e diante de tanta gente, é muito maior. O respeito de quem diz amá-lo também poderia ser.

Depois de tanto tempo de distanciamento social, as pessoas estão bem confusas sobre como voltar a socializar de forma razoável. Nesse contexto, dá para perdoar o Roberto pela reação virulenta aos gritos de amor, dá para perdoar o mau jeito dos fãs eufóricos...

O que não dá é para continuar andando pelo mundo como se ainda estivéssemos sozinhos em casa, de pijama, assistindo a uma live. Que bom e que difícil é retomar a vida social.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL